Desafio de arquivar documentos sobre os bairros informais: as favelas cariocas e seus arquivos (O)
Défi d’une histoire des quartiers informels : les favelas de Rio de Janeiro et leurs archives (Le)
Challenge of Archiving Documents on Informal Districts: The Slums of Rio and its Archives (The)
p. 436-439
Résumés
Há uma enorme lacuna de fontes documentais sobre os bairros informais. Arquivar é um ato político e constituir fundos documentais sobre esses bairros é reconhecer seu lugar na história e na própria cidade. O presente texto pretende levantar parte dos fundos existentes sobre as favelas cariocas, indicando alguns acervos importantes para quem pretende estuda‑las.
L’histoire des quartiers informels souffre d’un grand manque de sources documentaires. Archiver est un acte politique et constituer des fonds documentaires sur ces quartiers est une reconnaissance de leur place dans l’histoire et dans la ville elle‑même. Ce texte a pour but de décrire une partie des fonds existants sur les favelas de Rio, et d’indiquer quelques collections importantes pour ceux qui veulent les étudier.
Archiving documents in informal districts, such as the slums of Rio and its archives, is challenging. There's a huge lack of documentary sources about informal neighborhoods. Archiving is a political act and constituting collections in these areas is to recognize their place in History and in the city itself. This text intends to raise some of the existing funds about the favelas of Rio de Janeiro, indicating some important collections for those who want to study them.
Entrées d’index
Mots-clés : Amérique latine, Brésil, Favelas, archives, Rio de Janeiro, quartiers informels, XXe siècle
Keywords : Latin America, Brasil, Favelas, archives, Rio de Janeiro, informal neighbourhoods, 20th century
Palavras chaves : America latina, Brasil, Favelas, arquivos, Rio de Janeiro, bairros informais, siglo XX
Texte intégral
1Os bairros informais têm constituído uma sentida ausência nas produções de cunho histórico. Há décadas que se reproduz, conforme reflexão de Brodwyn Fischer (2014), uma espécie de presentismo em relação às favelas cariocas. De certa forma, como descrito por Rafael Soares Gonçalves et al. (2015), a compreensão desses espaços como um problema a ser resolvido acaba distorcendo a compreensão dessa realidade, comprometendo políticas públicas e perpetuando formas específicas de intervenção. Fazer a história desses locais se manifesta como algo imprescindível para a formulação de novas políticas públicas para esses espaços. Muitas organizações públicas diretamente envolvidas com políticas nessas áreas da cidade não deixaram ou não disponibilizaram seus fundos documentais. É um desafio para os historiadores encontrar arquivos de organizações públicas ou privadas, que promoveram estudos, aplicaram políticas e possuíam uma memória importante sobre esses locais. Esse material se perdeu ou foi deliberadamente destruído no decorrer do tempo.
2Arquivar é um ato político e constituir fundos documentais sobre esses bairros é reconhecer seu lugar na história e na própria cidade. Assim, a questão do acesso às fontes documentais impõe muitas vezes criatividade ao pesquisador, assim como o interpela para buscar novas metodologias de pesquisa. Muitos trabalhos sobre tais espaços se baseiam em um esforço de reconstituir a memória desses locais a partir de um rico diálogo entre fontes documentais de acervos públicos e privados com a etnografia e a história oral1.
3Em relação aos fundos públicos, é possível citar, por exemplo, os fundos sobre as políticas urbanas, sobretudo do final do século xix e início do século xx, do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro. Outro fundo importante é o material das polícias políticas do Arquivo do Estado do Rio de Janeiro. Esse fundo é composto de material recolhido pela polícia, que investigou pessoas e instituições consideradas subversivas da década de 1930 até os anos 1980. Trata-se de material de mídia impressa, de documentos diversos das instituições investigadas incluindo relatos de agentes infiltrados, o que permitiu construir narrativas sobre o funcionamento dessas instituições. É possível encontrar dados de instituições próximas ao Partido Comunista, que tiveram grande intervenção nas favelas cariocas, como os comitês democráticos de bairro, as Uniões Femininas e os Comitês pela Paz. As associações de moradores e as organizações representativas das favelas também foram investigadas e documentadas nesse período. Outra fonte importante de dados dos acervos públicos é a Hemeroteca da Biblioteca Nacional, que digitalizou grande parte do seu acervo de jornais e revistas impressas. Através de palavras-chaves, é possível pesquisar, em diários de grande circulação ou em pequenos jornais, temas vinculados às favelas.
4Se o Partido Comunista exerceu forte influência nas favelas cariocas após a Segunda Guerra Mundial, a Igreja também esteve fortemente presente nesses espaços. A Fundação Leão xiii, criada em 1947, atuou quase como um organismo público e foi finalmente completamente integrada à máquina pública nos anos 1960. Há indícios de que a Fundação Leão xiii possui arquivos sobre sua atuação, mas ainda não foi possível encontrar esse material com exceção de algumas fichas de recenseamento e de acompanhamento social de famílias da favela da Praia do Pinto. Parte das famílias dessa favela foi transferida para um conjunto habitacional construído, em 1956, por outra organização católica (Cruzada São Sebastião). Essas fichas foram entregues a essa última associação e esse material foi arquivado na Paróquia dos Santos Anjos no Bairro do Leblon, ao lado do citado conjunto habitacional. Esse material está sendo transferido para os locais da Pastoral de Favelas da diocese do Rio de Janeiro e consiste em centenas de fichas de moradores da Praia do Pinto. Em alguns casos, é possível acompanhar, através das visitas familiares das assistentes sociais, o cotidiano dessas famílias por quase três décadas.
5A citada Cruzada São Sebastião, fundada pelo bispo Dom Hélder Câmara, em 1955, também exerceu forte presença nas favelas através da construção de habitações sociais ou de intervenção direta nas favelas. Após o falecimento da Sra. Maria Luiza Amarante (ex‑Secretária Executiva da Cruzada São Sebastião), esposa do engenheiro Edgar Amarante (já falecido e colaborador da Cruzada São Sebastião também), o acervo acumulado pelo casal relativo à Cruzada São Sebastião foi cedido ao Instituto Dom Hélder Câmara (IDHeC), que os transferiu, posteriormente, para o Núcleo de Memória da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Esse acervo é composto por cartas, projetos, plantas baixas, atas de reunião, contratos e manuscritos diversos e traz informações importantes sobre as favelas do final dos anos 1950 e durante a década de 1960.
6Outra instituição católica com forte presença nas favelas e que possui um rico acervo é a Pastoral das Favelas da diocese do Rio de Janeiro. Criada em 1977, a Pastoral de Favelas atuou na defesa jurídica e na assessoria técnica das favelas, tendo-se envolvido na luta pelo acesso a serviços coletivos, na estruturação de associações de moradores e em atividades de cunho religioso. Nos locais da Pastoral de Favelas, é possível acessar um valioso material sobre as favelas da cidade nos últimos 40 anos.
7Outra fonte importante de acesso a dados sobre as favelas são os fundos privados que abordam direta ou indiretamente as favelas da cidade. Podemos citar o Arquivo Carlos Lacerda, fundo composto da documentação deixada pelo político, escritor e empresário Carlos Lacerda, com cerca de 60 000 documentos, que se encontra no setor de obras raras da Universidade de Brasília (UNB). Esse acervo traz dados importantes sobre a atuação do Estado nas favelas durante o período em que Carlos Lacerda governou o Rio de Janeiro (1960‑1965).
8Outro fundo privado importante é o do médico Victor Tavares de Moura. Ele exerceu várias funções na prefeitura do então Distrito Federal nos anos 1940, sendo um dos responsáveis pela execução do projeto piloto dos Parques Proletários e assumindo a direção do Departamento de Assistência Social da prefeitura. Esse fundo está nos arquivos da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e reúne documentos diversos (cartas, conferências, portarias, resoluções, inquéritos sociais, planos de ação, recortes de jornais, relatórios e fotografias), que dizem respeito às favelas, sobretudo em relação às áreas de políticas assistenciais de saúde e habitação popular. Outro fundo privado, que se encontra também nos arquivos da FIOCRUZ, é o do antropólogo americano Anthony Leeds, que realizou pesquisas nas favelas cariocas entre os anos de 1960 a 1980. Esse fundo reúne inúmeros documentos sobre as pesquisas realizadas pelo antropólogo (cartas, artigos científicos, apontamentos, teses, dissertações, projetos, fotografias, mapas, plantas, relatórios de atividades, atas de reunião, recortes de jornais e revistas, etc.).
9Por fim, outra fonte promissora de dados são os museus de favelas. Tais museus apresentam uma experiência de museologia social, que questiona as narrativas impostas a esses espaços. Grande parte desses museus não possuem um espaço físico e se reivindicam como museus de percurso. Podemos citar duas experiências: de um lado, o Museu do Horto, que possui um sítio eletrônico, onde disponibiliza o seu acervo documental e, de outro lado, o Museu da Maré, que possui um local com inúmeras peças sobre a História do Complexo de favelas da Maré, e disponibiliza documentos, que podem ser consultados no local.
Bibliographie
Artigo e capitulos do livro
Fischer Brodwyn, 2014, “A century in the recent tense. Crises, politics, and the intellectual history of Brazil’s informal cities”, in Fischer Brodwyn, McCan Bryan & Auyero Javier, Cities from scratch. Poverty and Informality in Urban Latin America, Duke University Press, London, p. 9‑67, 304 p. [9780822355335]
Gonçalves Rafael Soares, 2015, Amoroso Mauro & Brum Mário, “Serviço Social, habitação e direito à cidade: favelas, subúrbios, periferias e assentamentos informais”, Libertas, vol. 15, no 2, p. 1‑4.
Notes de bas de page
1 Gonçalves, 2015.
Auteur
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
Le texte seul est utilisable sous licence Licence OpenEdition Books. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.
Shakespeare a mal aux dents
(Que traduit-on quand on traduit ?)
Marie Vrinat-Nikolov et Patrick Maurus
2018
Le Façonnement des ancêtres
Dimensions sociales, rituelles et politiques de l'ancestralité
Sophie Chave-Dartoen et Stéphanie Rolland-Traina (dir.)
2019
Encyclopédie des historiographies : Afriques, Amériques, Asies
Volume 1 : sources et genres historiques (Tome 1 et Tome 2)
Nathalie Kouamé, Éric P. Meyer et Anne Viguier (dir.)
2020
S’émanciper par les armes ?
Sur la violence politique des femmes
Caroline Guibet Lafaye et Alexandra Frénod (dir.)
2019
Experts et expertise dans les mandats de la société des nations : figures, champs, outils
Philippe Bourmaud, Norig Neveu et Chantal Verdeil (dir.)
2020
La Prédication existentielle dans les langues naturelles : valeurs et repérages, structures et modalités
Tatiana Bottineau (dir.)
2020
Variation linguistique et enseignement des langues
Le cas des langues moins enseignées
Gilles Forlot et Louise Ouvrard (dir.)
2020
(Ré) Appropriations des savoirs
Acteurs, territoires, processus, enjeux
Marie Chosson, Marie-Albane de Suremain et Anne Viguier (dir.)
2021