Contexto

1Em 1979 a ORSTOM/IRD designou seu primeiro pesquisador para o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em Manaus. Desde então pesquisas em botânica, ecologia e pedologia, entre outras, se sucederam na Amazônia, sempre com o apoio de inúmeras missões de pesquisadores, professores, estudantes franceses e brasileiros. Em 1993, uma colaboração com a universidade federal do Para (UFPA) e a universidade federal rural da Amazônia (UFRA) em Belém, possibilitou o início no estado do Pará de projetos associando o estudo de solos e vegetação, que mais recentemente foram seguidos por projetos sobre biodiversidade. Desde 2013, iniciou-se também uma colaboração com a universidade federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), em Marabá. Com essas Universidades, os estudos foram focados nas áreas ocupadas pela agricultura familiar.

2A avaliação da biodiversidade na zona tropical húmida está no centro das preocupações internacionais, razão pela qual os pesquisadores do IRD e seus colegas brasileiros têm desenvolvido estudos sobre a biodiversidade nos agrossistemas e a parte útil dessa biodiversidade na comunidade de Benfica, também chamado de PA-Benfica (Projeto de Assentamento Benfica), localizada em uma área de pequenos agricultores familiares, onde anteriormente era ocupada por grandes propriedades que a haviam desmatado apenas parcialmente.

3Assim como outras regiões do Brasil, a região de Marabá no estado do Pará, onde se localiza o PA-Benfica, caracteriza-se pela presença de frentes pioneiras mais ou menos antigas. Uma densa floresta úmida com alta biodiversidade predominava inicialmente na região. A instalação de agricultores resultou em uma mudança gradual na paisagem. De fato, a cada ano, eles escolhem uma porção de suas terras, primeiro removem as árvores de grande porte, em seguida desmatam toda a floresta, e por fim a queimam. Após esse preparo de área, eles plantam arroz e depois a forrageira para formar o pasto, ou formam diretamente o pasto. Entre os pequenos agricultores familiares, com quem trabalhamos, o cultivo é manual, sem uso de tratores. No entanto, o uso de herbicidas, incomum até os últimos anos, tem se tornado cada vez mais comum.

Medição da coroa de uma palmeira babaçu em um pasto em PA-Benfica, Brasil.

4Entre 1987 e 2005, a paisagem do PA-Benfica passou por intensas transformações devido à mudança no uso do solo. Passou de uma paisagem florestal a um mosaico de parcelas agrícolas e em particular de pastagens, atualmente dominantes. Algumas áreas podem se tornar improdutivas devido ao esgotamento dos solos que não recebem nenhum fertilizante. Essas áreas são temporariamente abandonadas e inicia-se então o processo de regeneração florestal por meio da sucessão secundária. Uma floresta secundária é reconstituída e será mantida por um período mais ou menos longo, chamado período de pousio; após o qual essa floresta pode ser novamente cortada e transformada em um novo campo agrícola.

5Essa região do sudeste do estado do Pará era conhecida como “polígono dos castanhais”, devido à alta concentração de castanha-do-pará (Bertholletia excelsa H.B.K.) nas florestas “primárias” – quer dizer florestas velhas, normalmente chamadas de florestas maduras, que não possuem registro de desmatamento - que dominavam; infelizmente a densidade dessa espécie diminuiu significativamente. No PA-Benfica, as florestas “primárias” bem preservadas apresentam uma grande riqueza de espécies típicas desses ambientes. A exploração da madeira na floresta e a agricultura, são as principais atividades que levam à degradação da floresta. Podemos perceber pelo menos três níveis diferentes de florestas: aquelas bem preservados, onde encontramos espécies típicas de florestas úmidas não perturbadas, florestas perturbadas, com predominância de espécies florestais típicas no sub-bosque, mas com um dossel pobre em espécies devido à extração de madeiras e florestas recentemente perturbadas, com vestígios de queimadas e presença marcante de espécies arbóreas pioneiras (espécies demandantes de luz). Os agricultores usam as florestas ricas em biodiversidade para caçar, colher frutas, sementes e madeira.

6As matas ciliares, embora protegidas pela Lei nº 4.771 de 2012 do Código Florestal Brasileiro, às vezes também são desmatadas, em especial para abrir caminhos para o gado beber água ou para instalar áreas recreativas. Aquelas adjacentes às pastagens mostram o mais alto grau de degradação. A palmeira açaí (Euterpe oleracea Mart.) é uma espécie típica destas florestas. Esta espécie frequentemente aproveita as clareiras resultantes da extração para se desenvolver e se tornar quase mono-dominante. O fruto do açaí é consumido pela população local e tem sido vendido no comercio de Itupiranga e Marabá. Algumas vezes as formações de açaí nestas áreas, localmente chamadas açaizais, são cortadas para a colheita do palmito. É durante estas perturbações que a taboa (Typha dominguensis Pers.), uma espécie herbácea encontrada em quase todo o planeta, torna-se invasivo e retarda fortemente o fluxo de água, às vezes até mesmo secando as terras baixas.

Palmeira babaçu e castanheira (nogueira amazônica), Amazônia brasileira

Como fazemos nossa pesquisa?

7Após um primeiro contato com as lideranças do sindicato dos agricultores, uma reunião com a população local possibilitou discutir as pesquisas que deveriam ser realizadas e estabelecer um acordo com os agricultores para desenvolver a pesquisa em suas propriedades. Uma visita a essas propriedades ajudou na seleção das parcelas a serem estudadas: roças de arroz, pastagens, florestas “primárias”, florestas secundárias e florestas de galeria. Os proprietários forneceram informações sobre o histórico de cada parcela: o ano de derrubada da floresta, a data de plantio da roça ou pastagem, as práticas culturais (fogos, limpeza, herbicidas), a data do abandono do cultivo no caso de florestas secundárias, etc. Essas informações foram essenciais para a interpretação dos dados registrados em cada parcela.

8As coletas de dados no campo mobilizam uma pequena equipe de 3 a 6 pessoas. Um transecto é marcado com fitas métricas, estacas e cordões e todas as plantas presentes são medidas, descritas e identificadas. A identificação das plantas é iniciada no campo e confirmada nos herbários, em particular no Herbário João Murça Pires do Museo Goeldi, onde são depositadas as amostras com flores ou frutos. As imagens de satélite também são usadas para caracterizar os tipos de cobertura da terra e identificar as palmeiras.

O que podemos dizer sobre a biodiversidade?

9Nesse contexto a pergunta mais frequentemente feita é: A biodiversidade diminui quando se muda de uma floresta não perturbada para uma plantação ou pastagem? Apesar das aparências, durante a derrubada e queima da floresta tropical pela agricultura familiar não mecanizada, parte do potencial vegetal é preservado. São as sementes presentes no solo (banco de sementes do solo) e suficientemente enterradas para que o calor do fogo não as alcance, e as partes subterrâneas de certas plantas voltam a crescer após a destruição das partes aéreas. Assim, em roças e pastagens, várias espécies nativas às vezes se desenvolve muito rapidamente a partir desse potencial de caules subterrâneos, raízes, sementes, oriundos da vegetação inicial, a floresta “primária”. No banco de sementes do solo também existem espécies de ambientes abertos, que estavam próximas à floresta e cujas sementes entraram na floresta, transportadas involuntariamente por animais ou mesmo pelo homem e que se acumulam no solo ao longo do tempo. Essas sementes de vida longa têm a capacidade de esperar, no solo da floresta, por condições de luz favoráveis à sua germinação, como a queda de um galho, de uma árvore ou um desmatamento.

10Uma roça de arroz recém-instalada, logo após a derrubada da floresta, contém um conjunto de espécies particularmente resistentes à ação humana moderada (desmatamento manual e queima), portanto a área não sofre uma eliminação total de espécies. Nas pastagens que muitas vezes seguem a roça de arroz, as ervas daninhas competem com a forrageira plantada. Essa biodiversidade, embora importante, é inferior à da floresta. Existem plântulas e jovens de espécies herbáceas, lianas, palmeiras, arbustos e árvores que se desenvolvem mais ou menos rapidamente. Durante o período de cultivo, essas ervas daninhas estão sujeitas às práticas culturais: limpeza manual e, por vezes, queima, realizada pelos agricultores para limitar a competição com as espécies cultivadas. A duração do período de cultivo influencia a biodiversidade das parcelas. De fato, algumas espécies, principalmente as da floresta inicial, resistem por períodos variados nesses ambientes modificados pelo homem. Ao longo do tempo, nas parcelas cultivadas, ocorre a substituição de espécies lenhosas (trepadeiras lenhosas, arbustos e árvores) por espécies herbáceas.

11Por várias razões, pode acontecer que as parcelas agrícolas sejam abandonadas mais ou menos rapidamente, com ou sem retomada posterior da atividade agrícola. Nesses locais, a regeneração florestal começa com um potencial inicial fortemente ligado à duração do uso e práticas culturais durante o período agrícola. Também é influenciada pela presença na área circunvizinha de florestas bem preservadas e ambientes abertos que fornecem sementes. Em todas as fases da sucessão secundária, considerando as florestas secundárias estudadas no PA-Benfica, as espécies típicas das florestas tropicais foram representadas por um número maior de indivíduos do que as espécies pioneiras, provavelmente devido à forte influência das florestas maduras remanescentes e ao fato de que a mudança de uso do solo tinha ocorrido recentemente.

12No nosso estudo, a biodiversidade vegetal diminui quando a floresta é degradada ou desmatada para dar lugar à roça ou pastagem, e sua diminuição é maior quanto maior for o tempo de cultivo.

13Outra pergunta é: Podemos conservar a biodiversidade útil enquanto evitamos a invasão?

14Entre as espécies da vegetação florestal inicial ou de formações secundárias, presentes nos ambientes abertos, algumas são úteis ao homem. Fornecem madeira, frutas, ração animal, são medicinais ou permitem a confecção de diversos objetos destinados ao uso doméstico ou à venda. Nas pastagens dos pequenos agricultores familiares, essas espécies úteis são numerosas. De fato, o gado consome não apenas as espécies forrageiras plantadas, mas também 110 espécies de plantas daninhas, das quais mais de um quinto são leguminosas nativas. Nessas pastagens também existem árvores e palmeiras, algumas das quais foram mantidas pelos agricultores na época da derrubada da floresta e outras se desenvolveram ao longo do tempo. Entre as 71 espécies de árvores e palmeiras observadas, 9 espécies são particularmente interessantes porque têm usos múltiplos. Resistentes ao fogo, persistem mesmo em pastagens antigas. A vantagem para os agricultores é que essas espécies ocorrem naturalmente. Não há preparo da terra, plantio ou manutenção, apenas reconhecê-las para poder usá-las quando necessário. Poderiam assim ser facilmente preservadas por todos e permitir o aumento da biodiversidade das pastagens.

Colheita de frutas de babaçu sob a palmeira adulta pelos habitantes do PA-Benfica, Brasil.

15A palmeira babaçu (Attalea speciosa Mart. ex Spreng.) é uma dessas 9 espécies. É uma espécie especial porque é de uso múltiplo e invasiva. As mulheres que quebram o coco babaçu, a colhem para extrair as sementes e produzir óleo. Mas este uso não é o único. De fato, mais de 60 usos foram relatados para esta espécie na literatura, incluindo 14 na comunidade do PA-Benfica. Podemos citar o uso da farinha extraída da polpa do fruto, o leite extraído das sementes frescas, as folhas usadas na cobertura de casas, o estipe (falso tronco das palmeiras) como material de construção, etc. Essa palmeira é economicamente uma das principais espécies não madeireira do Brasil exploradas no âmbito do extrativismo - atividade de coleta seguida de comercialização de espécies nativas, não cultivadas - e sua produção de óleo é listada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e de Estatística (IBGE). No plano social, também está no centro de um importante movimento de reivindicação das quebradeiras de coco babaçu pelo livre acesso a essa palmeira, localizada nas terras dos grandes proprietários ou agricultores familiares.

16No entanto, esta espécie também tem a particularidade de proliferar em ambientes abertos, por isso é considerada invasiva. Durante a derrubada inicial da floresta “primária”, enquanto os indivíduos adultos mais altos são derrubados, os indivíduos adultos de tamanho médio são mantidos, da mesma forma que outras palmeiras úteis. Em roças e pastagens, as limpezas manuais periódicas realizadas pelos agricultores não afetam o estipe subterrâneo dos indivíduos jovens de babaçu, apenas retardam seu crescimento; pois a lâmina da foice ou a passagem do fogo, apenas cortam ou queimam as folhas aéreas. Assim, poucos dias depois, esta espécie já produz novas folhas. Por outro lado, nos indivíduos mais desenvolvidos o estipe é aéreo e se cortado, então o indivíduo é eliminado. Os indivíduos adultos produzem numerosos frutos que caem sob os pés da planta-mãe e são dispersos por animais selvagens como a cutia ou a paca que consomem sua polpa, mas também pelo gado e às vezes involuntariamente pelo homem. Nessas ocasiões os frutos podem ser enterrados e isso protege as sementes da destruição por exposição ao sol e fogo, e promove a germinação. O babaçu se desenvolve mais rapidamente nas pastagens onde se beneficia da maior luminosidade do que aquela encontrada no sub-bosque da floresta “primária” onde os indivíduos jovens estão na sombra das grandes árvores. Alguns autores mostraram que nas pastagens o babaçu alcança a idade adulta após 8 a 12 anos enquanto na floresta é preciso esperar 70 anos. Nas pastagens, as palmeiras adultas ficam expostas ao sol, não precisam investir na produção de um estipe muito alto, enquanto as que cresceram na floresta devem atingir o dossel para absorver mais radiação solar. No pasto, seus estipes mais baixos também são mais largos que os das florestas. Essa dinâmica populacional, mais rápida no pasto do que na floresta, pode levar em alguns casos à invasão da palmeira e à eliminação da forrageira, a tal ponto que alguns agricultores abandonam essas áreas que se transformam em florestas secundárias, dominadas pela palmeira babaçu.

17Nos últimos anos, os agricultores se conscientizaram da forte capacidade dessa palmeira de invadir os agrossistemas. Atualmente, eles se esforçam para cortar os indivíduos adultos e remover quimicamente os jovens. Diante dessa realidade e para evitar o desaparecimento desse recurso, utilizado pelas mulheres, pesquisas estão sendo realizadas para entender como essa espécie invade as áreas cultivadas, a fim de alcançar um equilíbrio entre a palmeira e as lavouras, preservando ao máximo o recurso. Para isso, os estudos se concentram na dinâmica populacional de babaçu e na distribuição espacial dos indivíduos. Especialmente a distribuição espacial dos adultos foi estudada por sensoriamento remoto em imagens de satélite de altíssima resolução espacial (menos de 1 m).

18Além disso, um modelo da dinâmica populacional da palmeira babaçu foi construído a partir de medições realizadas anualmente em campo, em mais de 6.000 indivíduos das várias fases da vida (plântulas, jovens e adultos). Este modelo permite simular as possíveis evoluções da população de babaçu para os próximos 5, 10 ou 15 anos com remoções de frutos que variam de 0 a 100%. Mesmo que todos os frutos sejam removidos, após 15 anos os adultos continuarão a proliferar. Altas remoções de frutos (mais de 75%) afetam apenas indivíduos muito jovens. A pressão sobre os adultos, irá se manifestar somente depois de muitos anos. Essas simulações, de acordo com as informações fornecidas pelos agricultores, reforçam a forte resiliência da palmeira nesses ambientes e explicam sua capacidade de invadir as áreas de cultivos agrícolas. Apesar disso, o estudo de imagens de satélite mostra que as densidades de adultos, na escala local, são em média menores nas pastagens do que na floresta inicial, o que deve estar ligado aos recentes cortes da palmeira. No entanto, é possível observar em uma pequena parte da região, áreas abandonadas onde a espécie prolifera sem interferência humana. A análise de imagens de satélite combinada com estudos de campo também permite prever o potencial de produção na escala regional. Em 2013, por exemplo, o potencial de produção de óleo dos frutos das 25.015 palmeiras adultas de babaçu, nas áreas abertas do PA-Benfica, foi avaliado em 27,4 toneladas de óleo.

Paisagem de frentes pioneiras amazônicas: ao fundo a floresta “primária”, em segundo plano um pasto com predominância de palmeiras babacus jovens e adultas, em primeiro plano um pasto onde foram eliminadas as palmeiras babaçus.

O que podemos concluir do nosso estudo?

19Na Amazônia, a biodiversidade de agrossistemas em áreas recentemente desmatadas e cultivadas com práticas manuais, com poucos insumos, depende da biodiversidade inicial das florestas. Nas áreas cultivadas, espécies oriundas de vegetações primárias e secundárias são misturadas e suas presenças são influenciadas pelas técnicas agrícolas exercidas sobre as áreas. Se a medição desta biodiversidade é fundamental, a identificação dos fatores que influenciam a sua erosão também é essencial para compreender e travar a perda de biodiversidade. Dentre essas espécies algumas são úteis ao homem e podem fornecer matéria-prima ou renda adicional necessária ao bem-estar das populações locais. Algumas dessas espécies são ao mesmo tempo úteis e invasoras e as pesquisas realizadas permitem propor planos de manejo visando controlá-las sem eliminá-las para que possam continuar a ser utilizadas.

20Mesmo com a presença do homem, que perturba o equilíbrio dos ecossistemas, é preciso encontrar soluções para aumentar a produção das áreas cultivadas, reduzindo insumos e mão de obra, para alimentar a população humana em constante aumento. A permanencia de espécies nativas úteis nas lavouras é uma das formas, entre outras, de atingir esse objetivo e, ao mesmo tempo, conservar a biodiversidade. Diante dos atuais problemas de mudança climática e perda de biodiversidade, é extremamente urgente que tais pesquisas sejam realizadas sobre diversas espécies. No entanto, a aplicação real dos resultados da pesquisa pode levar tempo. Na pior das hipóteses os resultados podem não ser postos em prática, pois nem sempre correspondem às necessidades das empresas quando são disponibilizados. Por seu lado, as populações locais têm um grande conhecimento do seu ambiente e são elas que, em última análise, irão agir sobre o ambiente de acordo com os seus próprios critérios e com o conhecimento de que dispõem. A mobilização conjunta das competências dos cientistas e da sociedade civil permitirá uma maior eficiência e uma implementação mais rápida dos resultados da pesquisa sobre o manejo sustentável das espécies vegetais.