1O rio Amazonas contribui com uma carga considerável de água, sedimentos e organismos para o Oceano Atlântico, mas sua foz é pouco estudada (ver Capítulo 8) e muitos aspectos de seu funcionamento ainda são desconhecidos. A plataforma continental amazônica vivencia uma variedade de processos físicos como insumos fluviais, correntes costeiras, variabilidade de mesoescala, vórtices ou filamentos, afloramento ou upwelling (uma forte corrente do fundo á superfície conhecida por gerar águas ricas em nutrientes, portanto favoráveis à pesca), ou a maré e suas ondas internas - propagadas na frequência da maré e criadas pela interação da corrente da maré com uma topografia íngreme em um oceano com várias camadas de diferentes densidades - ou mesmo todos os tipos de ondas internas devido ao vento ou correntes. Todos estes processos desempenham um papel fundamental na máquina climática, influenciando as concentrações de nutrientes, clorofila e matéria em suspensão e alterando os balanços energético, salino e térmico. Estes parâmetros, por sua vez, condicionam as interações entre o ambiente físico e o meio vivo, das bactérias ao plâncton e aos estoques de peixes.

2A pluma ou pluma amazônica dessalinizada é um grande volume de água fresca, turva e rica em nutrientes de origem continental que é trazida para a faixa costeira. É um local de alta produção de fitoplâncton que tem efeitos benéficos em toda a cadeia alimentar. Ela entra em um grande corredor de circulação oceânica e na ‘esteira transportadora oceânica’, movida por ventos, temperatura e salinidade. A água morna e salgada se move para o norte, onde esfria. Esta água mais fria e mais densa afunda no fundo dos oceanos e retorna ao sul. Essa Circulação de Inversão Meridional do Atlântico (Atlantic Meridional Overturning Circulation, AMOC) é crucial para a regulação do clima global e é uma das razões pelas quais as temperaturas são mais altas ao longo da costa europeia do que na América do Norte.

3As marés internas são particularmente enérgicas nesta região. Através de seus fortes movimentos verticais ou da mistura turbulenta que elas podem criar, elas têm um impacto nos ciclos biogeoquímicos, permitindo uma entrada significativa de nutrientes na camada eufótica - que é a camada superior do ecossistema oceânico - favorecendo a produção primária, conforme observação da superfície a partir de dados de satélite. Assim, as marés internas poderiam influenciar a bomba biológica e o ciclo do carbono.

Aterragem de amostras biológicas, campanha Amazomix, Brasil.

4A biodiversidade marinha global da região, de bactérias a peixes, não está bem descrita. A presença de recifes de coral, apesar das águas turvas, não é explicada. A conectividade das espécies no Atlântico tropical também permanece uma questão em aberto. A região do Caribe é muito mais rica em biodiversidade do que o oceano ao largo do Brasil. Uma hipótese é que a pluma amazônica, que pode se estender até 3.000 km fora da foz, poderia atuar como uma barreira para alguns organismos.

5A plataforma amazônica é, portanto, um laboratório experimental ideal para estudar o impacto dos processos físicos na estrutura e função dos ecossistemas marinhos, costeiros e oceânicos.

Lançamento de uma roseta, campanha oceanográfica Amazomix.

A campanha Amazomix

6Todas estas questões levaram os pesquisadores do IRD e seus parceiros a conduzir uma campanha marítima em grande escala no final de 2021, a campanha Amazomix. Uma equipe multidisciplinar de 17 pesquisadores franceses e brasileiros embarcou no Antea, um navio semissubmersível da frota oceanográfica francesa. O navio partiu de Cayenne (Guiana Francesa) e navegou por águas brasileiras, explorando a foz do Amazonas ao longo de mais de 6.000 km. Esta campanha cobriu a plataforma amazônica e a encosta continental para estudar o impacto das correntes de fina escala, desde a pluma amazônica e processos turbulentos (resultantes das ondas internas que se formam no oceano, estes movimentos de alguns milímetros por quilômetro causam uma mistura irreversível de águas e suas propriedades ao longo de vários milhares de quilômetros) no funcionamento do ecossistema marinho de um ponto de vista físico, biogeoquímico e biológico. A expedição também teve como objetivo rastrear a origem e distribuição de poluentes, metais pesados e microplásticos, e determinar seu papel na cadeia alimentar.

7Além dos cientistas a bordo, o Amazomix contou com uma equipe de 70 pesquisadores do Brasil, da França e de outros países.

8As medições e análises de amostras in situ serão estudadas em interação com ferramentas e dados digitais (modelagem e dados de satélite). A análise dos dados coletados será realizada em conjunto pelos diferentes parceiros e os resultados serão compartilhados. A campanha também terá uma função de formação de pesquisa para cerca de 50 estudantes internacionais.

Em conclusão

9Os resultados preliminares revelam um forte impacto das ondas internas na estrutura e funcionamento do ecossistema marinho, desde os processos físicos até os ecológicos. A amostragem biológica extensiva dos diferentes compartimentos, desde a superfície até mais de 1.300 m de profundidade, revelou uma biodiversidade muito maior do que a registrada anteriormente na região.

Seleção de amostras biológicas antes da embalagem.