Contexto

1Talvez devido à sua imensidão, a floresta tropical tenha sido percebida como um lugar vasto, inóspito, selvagem e homogêneo. No entanto, como veremos na Parte III deste livro, por si só, a Amazônia brasileira é habitada por mais de 180 povos indígenas, assim como mais de 1.000 comunidades quilombolas (comunidades formadas por descendentes de escravos que praticam a agricultura), e sua população foi estimada em 20 milhões em 2000. Embora a população de ocupação recente esteja concentrada principalmente nos centros urbanos de cada estado da Amazônia brasileira (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e partes de Mato Grosso, Tocantins e Maranhão), a diversidade do bioma Amazônia sempre foi explorada por populações indígenas e rurais tradicionais, e continua a ser assim até hoje.

Copa das árvores na Guiana Francesa.

2Os estudos sobre o patrimônio florestal amazônico começaram no Orstom/IRD por dois caminhos diferentes: uma abordagem agronômica, em Belém, com as primeiras ligações entre o Instituto Amazônico em Belém e o Instituto de Desenvolvimento Econômico e Rural Tropical (IDERT) em Adiopodoumé, e a descoberta, durante uma primeira missão na Amazônia pelo especialista em agronomia e fitopatologia tropical Georges Mangenot, da extrema semelhança fisionomica e, portanto, ecológica entre a Amazônia e as florestas da África Ocidental, dos Camarões e da bacia congolesa. A segunda é uma abordagem botânica e depois etnológica, com a criação de uma equipe no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em Manaus a partir de 1992 (Jean-Louis Guillaumet), para estudar as modificações ecológicas devidas à exploração agrosilvopastoral da floresta.

3A floresta tropical amazônica é o principal sumidouro de carbono terrestre do planeta, capturando dióxido de carbono da atmosfera através do mecanismo da fotossíntese. Pode-se supor que uma floresta que está “em equilíbrio”, crescendo tanto quanto morre, é neutra em carbono.

4Estudos recentes procuram estabelecer até que ponto o desmatamento transforma a região amazônica em uma fonte de carbono, e como a função do sumidouro das partes florestais restantes evolui no contexto da mudança climática. Estas perguntas não podem ser respondidas sem o conhecimento dos padrões de variabilidade “natural” da floresta e dos impactos das mudanças climáticas e antropogênicas.

Floresta, Guiana Francesa.

5A Amazônia apresenta uma extrema heterogeneidade espacial e temporal em todas as escalas de observação. A pesquisa sobre esta ecologia espacial, iniciada no Brasil, está atualmente focada na Guiana Francesa e na rede de parcelas permanentes de inventário de árvores, mas continua no Brasil através do Rainfor (Amazon Forest Inventory Network, http://www.rainfor.org) e da Rede de Diversidade da Amazônia (ATDN, https://atdn.myspecies.info/​node/​2456), bem como através das contribuições do IRD ao Observatório Regional da Amazônia da Organização do tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e do estudo dos estoques de biomassa por sensoriamento remoto (em parceria com o Instituto de Pesquisa Científica e Técnica do Estado do Amapá, IEPA, Brasil).

Como medir a diversidade florestal em uma área tão grande?

6Uma maneira de avaliar a biodiversidade vegetal é contar ou enumerar as espécies presentes em uma comunidade, geralmente em uma pequena área. Os inventários utilizam amostragem quantitativa para inicialmente fornecer informações sobre a presença ou ausência de espécies em determinadas áreas. O produto destes estudos são listas de espécies que alimentam as coleções biológicas de museus como o Museu Emílio Goeldi (Pará) e o Herbário da Guiana Francesa. Esta última foi criada e mantida desde 1960 pelo Orstom/IRD como ferramenta científica e patrimonial para o conhecimento de espécies que às vezes estão ameaçadas ou em perigo de extinção.

7Os chamados “projetos ecológicos de longo prazo” (PELD), cujo objetivo principal é estudar a estrutura, composição e compreensão dos processos ecológicos, utilizam o estabelecimento e a manutenção de parcelas permanentes. Este método é muito caro e requer um longo período de tempo para implementação, coleta de dados, e manutenção das parcelas.

8Os Programas de Avaliação Rápida (RAP) são às vezes usados para avaliar a composição e o número de espécies amostradas em dez transectos lineares de 2x50m, com uma área total de 0,1 ha. Estes dois últimos métodos são comuns nos estudos das comunidades vegetais.

9Outra abordagem da pesquisa sobre biodiversidade trata de analisar a variabilidade genética de indivíduos ou de populações de espécies. A diversidade genética é a variedade de alelos e genótipos presentes em um grupo (populações, espécies ou grupos de espécies). A diversidade genética é necessária para que as populações evoluam e enfrentem as mudanças ambientais.

10Dependendo da ocupação das espécies, existem zonas de sucessão primária (ocupação lenta por uma sucessão de espécies vegetais em um substrato geológico inicialmente não ocupado pela vegetação) e secundária (incutir-se em um substrato que anteriormente suportava vegetação, mas que sofre distúrbios ecológicos). Ao longo do processo de sucessão, a composição das espécies da comunidade muda.

11O processo de sucessão secundária mantém as comunidades em um estado dinâmico: os indivíduos morrem e são então substituídos por outros. A manutenção da alta diversidade biológica presente na floresta está em parte relacionada à heterogeneidade ambiental e geográfica (por exemplo, alta pluviosidade), mas também a processos locais, como a competição por luz e água ou a dispersão de sementes por animais frugívoros. Ecologistas e silvicultores estudam as clareiras (chamadas de “chablis” em frances ou derrubada de arvore quando são criadas pela queda natural de uma ou mais árvores) porque desempenham um papel importante na regeneração após os distúrbios. A compreensão dos mecanismos de regeneração e da dinâmica florestal permite, por exemplo, limitar a exploração florestal.

12Muitos estudos também tentaram determinar classes florísticas ou classificar os tipos de florestas presentes no bioma amazônico. Na maioria das vezes, as classificações florestais são baseadas no clima, tipos de solo e na fisionomia ou aparência geral de uma floresta, incluindo altura, espaçamento e estrutura de suas espécies dominantes e, até certo ponto, composição florística.

13A biodiversidade pode ser quantificada através de diferentes métodos. As mais utilizadas são a riqueza (número de espécies presentes em uma determinada área ou habitat) e a equidade (equidade reflete a uniformidade da distribuição da abundância entre as espécies em uma comunidade) de espécies. Dentro de uma comunidade, a abundância varia entre as espécies, sendo algumas muito abundantes (dominantes) e outras pouco abundantes (raras) e extremamente vulneráveis às mudanças. Os padrões de abundância, no entanto, podem variar de uma parte da Amazônia para outra.

14No entanto, outros métodos são necessários para dar uma estimativa da diversidade florestal na escala da vasta bacia amazônica. Alguns proxys - um proxy é uma variável que não é necessariamente relevante para uma questão específica, mas que mostra correlação com uma variável dificilmente ou até não mensurável - têm sido utilizados, tais como a precipitação anual total, para a qual alguns estudos têm mostrado uma correlação com a diversidade florestal. Os estudos estatísticos permitem extrapolar a diversidade a partir do grande número de análises realizadas na escala da parcela.

O que pode ser dito sobre a diversidade da floresta tropical amazônica?

15Uma equipe internacional, incluindo pesquisadores do IRD, publicou vários trabalhos importantes sobre a diversidade da floresta amazônica.

16Realizou-se uma análise com base nas 16 principais famílias de árvores, a qual identificou um total de 292 famílias de plantas, das quais 140 contêm espécies de árvores. Desse grande número, apenas 16 famílias respondem por quase 80% de todas as árvores que atingem 10 cm de diâmetro à altura do peito (DHP). Esta análise permitiu classificar os tipos de florestas em quatro classes: florestas em solos lateríticos amarelos ou vermelhos, também conhecidos como florestas de terra firme; florestas de planície alagável; florestas em podzóis ou areia branca, que são solos altamente empobrecidos; e florestas pantanosas.

17Para a Amazônia, a quantidade total de precipitação anual não parece ser um bom proxy da diversidade local. A variável mais importante é a área ocupada pelo tipo de floresta. Quanto maior a área, maior a diversidade, mais fragmentado o espaço e menor a diversidade, mas maior o número de espécies endêmicas. Neste sentido, as florestas de terra firme são as mais diversas, enquanto as florestas de podzol contêm um grande número de espécies endêmicas.

18Através de 530.025 coleções reportadas para a Amazônia entre 1707 e 2015, a mesma equipe registrou um total de 11.676 espécies de árvores, em 1.225 gêneros e 140 famílias.

19A extrapolação por um método de regressão do número de espécies coletadas em 1.170 parcelas espalhadas pela Amazônia e pelo Escudo das Guianas estimou a diversidade geral do bioma amazônico em 16.000 espécies. Dessas 16.000 espécies, 227 foram classificadas como hiperdominantes, já que representam metade de todas as árvores da Amazônia (1,4% de todas as espécies), enquanto as 11.000 espécies mais raras representam apenas 0,12% do total das espécies. Uma proporção significativa dessas espécies hiperdominantes pertence a três famílias, incluindo as palmeiras.

Em conclusão

20Ainda há muita incerteza e debate científico sobre o número de espécies presentes na Amazônia. O fato de que 10.000 espécies raras, pouco conhecidas e pouco documentadas de árvores estão potencialmente ameaçadas porque ocupam áreas pequenas e fragmentadas é motivo de grande preocupação. O desmatamento de uma área muito pequena e diversificada pode ser catastrófico. As evidências recentes da correlação entre a perda da biodiversidade e a propagação de doenças zoonóticas e pandemias exacerbam esta preocupação.

21Neste cenário, o desmatamento, a fragmentação florestal resultante e a intensificação de eventos extremos como a seca, colocam em perigo a Amazônia que conhecemos hoje

22Para responder a essas emergências, é essencial que a ciência seja capaz de estudar a diversidade das florestas com o apoio dos formuladores de políticas, da sociedade civil e dos cidadãos.

Palmeira, floresta amazônica pantanosa (igap), Brasil

Lianas na floresta pantanosa amazônica (igapó), Brasil.