Introdução

1Este livro marca um passo adiante na pesquisa realizada conjuntamente pelas equipes brasileiras e francesas na Amazônia. De fato, a violência e encadeamento de eventos climáticos, ecológicos e políticos estão mudando as linhas. Em resposta, as abordagens disciplinares estão se hibridizando, as escalas temporal e espacial estão se ampliando, os cientistas estão estabelecendo o diálogo e estão cometidos com as populações locais, a barreira entre natureza e cultura está se tornando difusa. Mais do que nunca, o conhecimento está sendo mobilizado para defender as condições de habitabilidade dos ecossistemas do planeta.

2Na atual emergência ecológica e política, a Amazônia é uma alegoria. Seu tamanho em termos de florestas tropicais, rios e pântanos, a riqueza dos recursos biológicos e minerais, a diversidade dos povos indígenas e comunidades locais, as ameaças que enfrenta... a tornam um símbolo para a luta contra a destruição da biodiversidade e dos povos.

3Entre o sonho de uma natureza intocada e o sonho de conquista, a Amazônia sempre alimentou esperanças e desesperos. Ela continua sendo a Amazônia do futuro, onde o futuro do planeta pode ser jogado. Enquanto o recém eleito Presidente Lula fez de sua luta contra a fome e o restabelecimento do diálogo democrático com a sociedade suas prioridades, ele também declarou que o Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva.

4A história da Amazônia não começa com a colonização, e nossas pesquisas mostram isso. Seus ecossistemas florestais foram atravessados e modificados por quase dez mil anos pela ação humana. É o lar da domesticação de muitas espécies vegetais; é também o espaço onde várias sociedades foram forjadas, na maioria das vezes em interação. A Amazônia faz parte da história pioneira do Brasil, quando se trata de empurrar cada vez mais para o oeste, contra a floresta e os ameríndios, a linha divisória com a coroa espanhola, até consolidar hoje fronteiras com outros sete países. O Brasil sempre teve que afirmar sua soberania, seja em face do desejo de internacionalizar a navegação da Amazônia no XIX e ou os interesses estratégicos de fornecer borracha para os Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje, a Amazônia, especialmente em sua parte brasileira, está no centro dos debates ambientais. O escopo colossal dos processos ecológicos que ali operam fazem deste patrimônio brasileiro um bem de interesse além das fronteiras nacionais. Por causa de sua biodiversidade, seus serviços ecossistêmicos para regular as chuvas ou como um lugar onde vivem os povos indígenas, é um item chave na agenda das negociações internacionais. Embora seu papel como pulmão do planeta esteja sendo questionado, as negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) ainda a vêem como um sumidouro de carbono que pode compensar as emissões de gases de efeito estufa dos países industrializados.

5Assim, é possível explicar o progresso e os retrocessos da política brasileira em relação à Amazônia, mas também em relação à comunidade internacional, com base nos compromissos do Brasil com a UNFCCC.

6Com seu compromisso voluntário de reduzir as emissões de gases de efeito estufa (EGES) até 2020, o Presidente Lula, aproveitando o cenário internacional oferecido pela COP 15 Clima em Copenhague em 2009, coroou o Brasil como um campeão ambiental. A política nacional sobre mudança climática estabelece como meta uma redução de 80% na taxa de desmatamento na Amazônia em comparação com o período 1996-2005, e uma redução de 40% no bioma Cerrado em comparação com o período 1999-2005.

7O desmatamento da Amazônia até os anos 2000 estava ligado ao seu modo de ocupação, segundo o mito da fronteira promovido pelo estado federal: ao longo das estradas e em projetos de colonização; em frentes pioneiras agrícolas seguindo o «arco do desmatamento» por ocasião da abertura de estradas federais, projetos de mineração e construções de barragens hidrelétricas. Isto terminou com o choque do desmatamento recorde de 27.772 km² em 2004. O Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi criado, juntamente com toda uma série de medidas: captação de recursos internacionais através do Fundo Amazônia, restrições aos créditos agrícolas, monitoramento via satélite, fortalecimento de órgãos ambientais como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis IBAMA e o Instituto Chico Mendes, criação de áreas protegidas, legalização de terras indígenas e quilombolas...

8Naturalmente, a linha de base foi sabiamente escolhida, e em Copenhague o desmatamento não era mais do que um 5.000 km², diminuindo constantemente desde 2004. A meta já estava quase atingida. Assim, o Brasil conseguiu ser triunfante ao anunciar sua Contribuição Nacional Planejada e Determinada (INDC) na COP 21 em Paris em 2015, com a meta de reduzir os GEE em 37% em 2025 e 43% em 2030 em relação a 2005. Ele confirma sua política com metas de desmatamento ilegal zero e compensação total das emissões de CO2 devido à remoção legal da vegetação até 2030. Além disso, um plano agrícola de baixo carbono (ABC) e o novo código florestal estão sendo promovidos.

9Estas ações são apoiadas pela sociedade civil, cuja participação é necessária nos diversos órgãos de gestão. O movimento socioambiental reúne lutas pela justiça social e ambiental, enquanto as empresas privadas de soja e carne [especificar? marketing?] impõem moratórias aos produtos das áreas desmatadas. Os pesquisadores não são deixados de fora. Eles encontraram seu lugar na sociedade civil para desenvolver as ciências ambientais, graças a projetos apoiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CNPq e suas parcerias com Universidades, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPA, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Embrapa, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN e o Museu Goeldi... O tempo estava cheio de esperança diante da queda do desmatamento e da criação de áreas protegidas, a demarcação de terras indígenas e quilombos. Entretanto, houve preocupações com o Cerrado, menos conhecido na mídia, e cujo desmatamento foi maior do que o da Amazônia até 2019.

10O mandato do Presidente Bolsonaro tem visto um retrocesso nas políticas ambientais, com o enfraquecimento das entidades ambientais e uma série de projetos de lei para legalizar a invasão de terras públicas e a exploração de terras indígenas. Apesar da resistência do judiciário a estes projetos, o ritmo do desmatamento, como o da especulação fundiária, tem se acelerado em conseqüência da apropriação ilegal de terras.

11A contribuição do Brasil para as últimas Conferências das Partes, tanto Climáticas como de Biodiversidade, marca este retrocesso. O país deixou de ser líder nas negociações para passar a ser um país obstrutor. As metas de redução do EGES são reafirmadas, mas em uma linha de base modificada que torna a ambição menor, violando o princípio de não regressão do Acordo de Paris. Para alcançar a neutralidade de carbono até 2060, o governo Bolsonaro está confiando nos mecanismos do mercado, não na mobilização de todos os atores; ele está se afirmando como o principal ator no mercado voluntário de compensação de carbono.

12Estas instabilidades tiveram repercussões nas parcerias científicas entre o Brasil e a França. Entretanto, graças a parcerias de longo prazo, tem sido possível continuar os projetos. O trabalho de campo com as populações envolvidas tem sido reforçado. Os programas de intercâmbio para o treinamento de estudantes e o intercâmbio de pesquisadores brasileiros e franceses continuaram.

13Os programas de pesquisa têm acompanhado estes novos desafios socioambientais. Inicialmente focada em inventários e conhecimento de espécies ou redes hidrológicas, a pesquisa se abriu para a gestão de recursos e proteção da biodiversidade. As parcerias agora incluem gestores de orgãos ambientais e populações locais. A adaptação das populações às mudanças ambientais, para a qual contribuem ou a que se submetem, é tanto um tema de estudos colaborativos como um objetivo de pesquisa. O objetivo é avaliar os impactos das políticas públicas que promovem ou restringem o desmatamento e dos grandes projetos de infraestrutura (barragens hidrelétricas, estradas, etc.) que perturbam os territórios.

14Esta ciência comprometida, envolvida no diálogo com as sociedades, está lançando as bases científicas para uma adaptação sustentável. Ela contribui para os avanços tecnológicos. Em particular, as tecnologias baseadas na observação da terra, que tornam possível monitorar as mudanças e estão agora sendo aplicadas à hidrologia, juntamente com as ciências da informação e inteligência artificial, estão produzindo enormes quantidades de dados. Metabarcodificação e métodos de DNA ambiental revolucionaram a coleta e a interpretação das amostras de matéria orgânica coletadas. Uma vez processados, estes dados são disponibilizados gratuitamente nas plataformas que podem ser consultadas por qualquer pessoa, e todos podem usá-los para tomar medidas.

15Não é mais possível realizar pesquisas na Amazônia isoladamente de seu contexto geográfico e político e, sobretudo, do contexto nacional, como vimos com o Cerrado. A pesquisa amazônica aproveita as questões, experiências e resultados que estão sendo realizados em outros continentes e em outros países, tanto quanto os alimenta. Observamos a importância das comparações com a floresta tropical mas também com os grandes rios e sistemas agrícolas da África, assim como com estudos realizados em países vizinhos e especialmente na Guiana Francesa. Os estudos mostram as inter-relações entre as mudanças do uso da terra e das chuvas na Amazônia e mudanças do clima nos países andinos, até o Cone Sul e através do Atlântico. O herbário do Museu Goeldi mantém trocas sustentadas com o herbário de Cayenne e com os grandes herbários internacionais. Os desafios ambientais, a mudança climática, a erosão da biodiversidade, a poluição, vão além das fronteiras da Amazônia.

16Este livro não é uma exceção à tradição de seguir o caminho clássico das ciências da terra para as ciências da vida e finalmente para as ciências humanas e sociais. Entretanto, o que é notável aqui é que a maioria dos textos insiste na importância da multidisciplinaridade e reivindica uma ciência que é ao mesmo tempo comprometida e inclusiva. As questões ecológicas e sociais implicam em visões globais na escala do planeta, mas também na escala dos ecossistemas e territórios, aceitando a diversidade dos mundos.

17Hoje, o Presidente Lula está baseando seu novo mandato na restauração do diálogo e na participação da sociedade no desenvolvimento de políticas públicas. Ele diz estar aberto à cooperação internacional para preservar a Amazônia, seja na forma de investimento ou pesquisa científica, respeitando ao mesmo tempo a soberania brasileira.

18É esta ciência aberta à sociedade que é apresentada neste livro.