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Prefácio

Amazônia: a pesquisa e seu contexto

p. 13-16


Texte intégral

1A Amazônia é uma excelente ilustração do que agora é conhecido como o «Antropoceno», devido à extensão e velocidade das transformações às quais está passando, induzidas pelo homem. Para o historiador Dipesh Chakrabarty, este período marca o encontro da história social e da história natural, em outras palavras, o entrelaçamento de duas temporalidades que até recentemente era possível estudar separadamente. A aceleração de fenômenos planetários como o aquecimento global e o colapso da biodiversidade são provas disso. A destruição das florestas (e da vegetação natural em geral) desempenha um papel importante nesta dinâmica. As florestas tropicais estão sendo desmatadas em ritmo acelerado, principalmente pela agricultura industrial e pecuária, apesar dos avisos dos cientistas sobre seu papel na manutenção da biodiversidade e da circulação atmosférica, em outras palavras, da habitabilidade da Terra. A Amazônia desempenha um papel importante nestes equilíbrios regionais e globais, e sua redução e degradação poderia, segundo especialistas, levar a um grande colapso ecológico num futuro próximo. Dois resultados científicos recentes apontam nessa direção. Por um lado, há evidências do que chamou de «rios voadores», ou seja, a circulação de correntes atmosféricas carregadas com a umidade produzida pela floresta e que fornecem água às áreas agrícolas mais produtivas do Brasil, bem como às usinas hidrelétricas1: agora uma diminuição das chuvas, atribuída ao desmatamento da Amazônia, tem sido observada nos últimos anos nestas regiões. Por outro lado, a pesquisadora Luciana Gatti2 mostrou que a floresta está tendendo a perder seu papel de sumidouro de carbono e a se tornar uma fonte. De fato, há uma diminuição da precipitação, uma diminuição da umidade e um alongamento da estação seca em grandes partes da Amazônia. Um ponto de não retorno parece ser alcançado.

2Além disso, os povos tradicionais que vivem nessas florestas e delas vivem estão ameaçados em todos os lugares, não apenas em seu modo de vida (apropriação de terra, expulsão), mas também em sua mera sobrevivência (danos à sua integridade física). A preservação dos ecossistemas florestais é, portanto, indissoluvelmente uma questão ambiental e social. Daí a relevância do neologismo brasileiro «sócioambiental» para se referir a ele.

3Desde o período colonial, a expansão das fronteiras internas e a busca de riqueza para exportação tem sido uma constante. A Amazônia participou à sua maneira (migrações do nordeste para explorar borracha e produtos florestais), sem que houvesse continuidade territorial da dinâmica de povoamento da zona costeira, como foi o caso do resto do Brasil. A floresta amazônica permaneceu em grande parte intacta e representou uma espécie de obstáculo à exploração em larga escala. Tudo isso mudou com o plano «Operação Amazônia» (1968) e os vários projetos de ocupação-exploração dos governos civis ou militar. A abertura de estradas deu acesso ao coração da região e foram criados projetos de colonização ao longo do caminho, que incluíram parcelas para agricultura familiar mista e grandes propriedades para criação de gado. Este foi o início das grandes clareiras, cujas áreas foram calculadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE desde 1988, graças às imagens espaciais. Até 2004, elas oscilarão entre 11.000 e 29.000 km2/ano. A busca do projeto colonial, de «integração nacional», é claramente assumida, inclusive nos termos.

4Os temas e questões de pesquisa evoluíram junto com seu objeto de estudo, eles se adaptaram e desenvolveram novos temas e métodos. Assim, a maior parte das pesquisas realizadas até 1990 sobre a sociedade regional ou formas de colonização (agrária, mineira, industrial) era do tipo clássico, e estava de acordo com o paradigma dominante da época, que era a questão do desenvolvimento. Em geral, de uma forma crítica. Mas a questão do meio ambiente, embora presente, raramente era primária.

5Mudanças importantes vêm de várias direções a partir do final dos anos 1980. A expansão colonial se depara com territórios indígenas e formas tradicionais de ocupação, cujas populações começam a se organizar para resistir. Pesquisadores e ONGs estão se mobilizando. Graças aos avanços tornados possíveis pela Constituição de 1988, as reivindicações territoriais estão sendo expressas: reconhecimento de «territórios indígenas», reservas extrativistas, habitados ou não. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento realizada no Rio de Janeiro em 1992 está sendo realizada sob pressão internacional para conter o desmatamento e com a participação da sociedade civil. O Programa piloto para a conservação das florestas tropicais brasileiras (PPG7), em grande parte financiado pelo G7 através do Banco Mundial, é lançado em parceria com o governo brasileiro. Este programa cria uma multiplicidade de projetos de desenvolvimento local que levam em conta a dimensão ambiental, e são destinados a agricultores familiares, populações ribeirinhas, extrativistas e ameríndios. Uma grande parte das pesquisas realizadas pelo IRD e seus parceiros foi feita sob a bandeira do desenvolvimento sustentável, mesmo que fosse para criticar as abordagens excessivamente econômicas e financeiras (mecanismos de mercado). Esta foi também a época em que os programas de pesquisa multidisciplinar se tornaram a regra.

6Entretanto, as medidas tomadas não conseguiram frear a expansão espacial do agronegócio (especialmente a indústria da carne) e o desmatamento de terras não diminuiu. O novo governo do Partido dos Trabalhadores, que assumiu em janeiro de 2003, teve até a maior taxa de desmatamento (em 2004, 27.772 km2) desde o recorde absoluto de 1995. Em 2004, ele lançou o Programa de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm) e uma série de políticas articuladas que, pela primeira vez, levou a um declínio constante do desmatamento, reduzido a 4.571 km2 em 2012. Durante este período, os programas financiados pela Agência Nacional de Pesquisa francesa (ANR) permitiram que as parcerias sejam ampliadas e que os locais de estudo sejam multiplicados em uma perspectiva comparativa. As ciências naturais e sociais são freqüentemente associadas dentro de um mesmo projeto. No que diz respeito às ciências sociais (no sentido amplo), as populações locais e suas associações estão se tornando parceiros essenciais. Isto é particularmente verdadeiro para a criação de mapas participativos com a ajuda de imagens de satélite.

7Esta dinâmica continua nos anos seguintes, apesar das condições menos favoráveis. Entre 2013 e 2018, os lobbies do agronegócio obtiveram algum relaxamento das regulamentações ambientais, e houve uma tendência ascendente no desmatamento, que atingiu 7.536 km2 em 2018.

8As taxas de desflorestamento são um bom indicador da força da dinâmica colonial e, portanto, dos conflitos. De 2018 a 2022, há quatro anos consecutivos de aumento do desmatamento, chegando a 13.235 km2 em 2021, e dados parciais para 2022 indicam um novo aumento. A apropriação ilegal de terras públicas, o corte ilegal de madeira e a mineração ilegal de ouro sempre existiram, mas é a escala e a localização que fazem a diferença. Estima-se que 99,8% do desmatamento em 2020 foi ilegal. Por outro lado, depois de 600.000 km2 terem sido desmatados desde 1980, principalmente ao longo das principais estradas, ou dentro de uma distância razoável, a expansão espacial do extrativismo (agroindústria, mineração, madeira, barragens...) está agora atacando áreas protegidas, particularmente terras indígenas e áreas ocupadas por populações tradicionais. O aumento dos conflitos levanta novas questões para a pesquisa. Seja a nível físico (contaminação por mercúrio e pesticidas, mudanças nos ecossistemas, etc.) ou a nível social (assassinatos, percepção da violência, fraturas sociais, cooptações, etc.). Também podemos nos perguntar sobre o fato de que os lugares onde o desmatamento e os conflitos são mais intensos são aqueles onde os políticos locais que aderem à dinâmica predatória são favorecidos.

9Outras questões surgem no âmbito geopolítico. Em 2020, a economia mundial consumiu 100,6 Gt de recursos naturais (uma pequena parte proveniente da reciclagem), e esta quantidade só pode aumentar, acentuando a pressão extrativista sobre regiões ainda ricas em recursos potenciais e, portanto, sobre povos e ecossistemas. Esta pressão é repassada por agentes econômicos que se beneficiam dela no âmbito nacional, regional e local. Que mudanças e regulamentações seriam necessárias para lidar com isso?

10Estes novos desenvolvimentos sem dúvida colocam uma questão e novos desafios para os cientistas, que estão acostumados a considerar os fatos em vez dos objetivos, o «como» em vez do «por quê». Porém, diante do colapso ecológico em curso no mundo, a dimensão axiológica está se tornando inevitável. Está cada vez mais presente nas conferências internacionais (COP , definição de objetivos globais, etc.) e no desenvolvimento de diversas abordagens nas quais a ética é central: justiça climática, justiça ambiental, direitos da natureza, etc. Esta dimensão também está cada vez mais presente no trabalho da Comissão Européia e nas abordagens de pesquisa.

11É importante notar que a quantidade de pesquisas realizadas na Amazônia aumentou enormemente nos últimos trinta anos, especialmente a realizada por pesquisadores da região. O mesmo se aplica ao número de teses, especialmente nos últimos anos.

12Qualquer que seja o período e o contexto, o IRD tem sido capaz, há mais de quarenta anos, de colaborar com um grande número de instituições científicas brasileiras e amazônicas, e de contribuir com seus parceiros para o aumento do conhecimento, seja sobre o funcionamento dos ecossistemas amazônicos, as formas de sua utilização por populações tradicionais ou originárias de outras regiões, ou as dinâmicas que levam à sua devastação. Sua apresentação e a riqueza de seu conteúdo certamente encorajarão o leitor a ir além das disciplinas com as quais está familiarizado e deixar a sua curiosidade orientá-lo a explorar áreas que não lhe são bem conhecidas... como muitos pesquisadores que participaram de programas multidisciplinares fizeram!

Notes de bas de page

1 O trabalho pioneiro do Professor Eneas Salati, que foi diretor do INPA (Manaus) de 1979 a 1981 e novamente no início dos anos 90, deve ser mencionado aqui. Este trabalho foi continuado por Antônio Nobre, Carlos Nobre, José Marengo, etc.

2 Gatti L. V. et al., 2021 - Amazonia as a carbon source linked to deforestation and climate change. NATURE, v. 595, p. 388-393.

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