Introdução

1A institucionalização das políticas culturais é um fenômeno histórico recente. A partir da segunda metade do século XX é que são compreendidas e efetivadas como políticas públicas, em especial a partir da década de 1960. Nesse período, estruturam-se com caráter fortemente estatal-nacional e intenso apoio da UNESCO enquanto organização de fomento e orientação sobre os princípios de sua elaboração. A cultura ganha o status de objeto de intervenção estatal, principalmente no sentido de políticas de acesso. A oferta torna-se o foco de boa parte das políticas nacionais, acompanhada de iniciativas relacionadas à proteção do patrimônio.

2O papel da cultura no desenvolvimento dos países ainda é objeto de discussão e muitas vezes relacionado ao campo da economia cultural, ou economia criativa, reforçando a visão econômica do desenvolvimento. Apesar dessa constatação, muitos discursos da gestão pública da cultura procuram trazer outros aspectos da cultura que não exclusivamente a econômica, tais como os direitos culturais, a diversidade cultural, a transversalidade da cultura e o reconhecimento de que o setor da produção cultural é apenas uma parte do que se pode se chamar de cultura com vistas à ação estatal.

3Uma série de estudos apresentados na última década no Brasil coloca um novo cenário para as políticas culturais brasileiras (CALABRE, 2014). Esse cenário exige uma política cultural mais democrática e participativa, que reconheça a existência de diversidade de públicos e visões que fazem parte da contemporaneidade. Como aponta a historiadora Lia Calabre (2007), o grande desafio é poder construir uma política pública cultural que compartilhe as diferentes linguagens, o que significa poder entrelaçar processos culturais com direitos de cidadania universal.

4Nacionalmente, como resposta à necessidade de planejamento e estruturação institucional das políticas voltadas pra cultura, o Ministério da Cultura criou em 2005 o Sistema Nacional de Cultura (SNC), como um processo de gestão e promoção das políticas públicas em regime de colaboração de forma democrática e participativa e, em 2010, aprovou, por meio da Lei nº 12.343, o Plano Nacional de Cultura (PNC), que tem por finalidade o planejamento e a implementação de políticas públicas de longo prazo, até 2020.

A partir da leitura do PNC é possível perceber que a gestão pública da cultura incorporou a ideia de que é importante para a formulação das políticas mais inclusivas, plurais e democráticas a obtenção de informações sobre as manifestações culturais em suas distintas dimensões (simbólica, econômica e cidadã), ao mesmo tempo em que fomenta a formação qualificada de artistas e gestores culturais (...) (MAKIUCHI, 2016, p. 11).

5Alinhado com o movimento federal e de diversos estados, também o Distrito Federal (DF) vem, desde 2005, empreendendo esforços para a institucionalização, elaboração e consolidação de políticas públicas estruturantes, continuadas e sustentáveis para a cultura.

6Este capítulo apresenta uma análise exploratória e descritiva dos principais desafios para as políticas culturais no território, a partir de duas perspectivas: os dados inseridos de maneira colaborativa e espontânea pelos agentes culturais no Mapa nas Nuvens e a atuação dos Conselhos Regionais de Cultura, instâncias de participação social formadas pela sociedade civil e representantes do governo em 27 Regiões Administrativas (RAs)70 do DF. Para isso, tem como base a alimentação do Mapa nas Nuvens e a pesquisa realizada junto aos Conselheiros de Cultura do DF para analisar a distribuição e o desenvolvimento das políticas culturais no DF.

7O carácter exploratório e descritivo, ao levantar e sistematizar as informações introduzidas pelos agentes culturais do DF na plataforma Mapa nas Nuvens, provoca reflexões sobre a identidade cultural do DF e a forma de distribuição das políticas culturais no território. A plataforma colaborativa de mapeamento cultural da área metropolitana pretende atuar como parâmetro na elaboração de diagnóstico e formulação de ações, programas e políticas públicas culturais, apontando como se dá a distribuição espacial dos agentes culturais, dos espaços culturais e de ações culturais nos territórios.

8Sabemos que a plataforma colaborativa não revela a quantidade total de pessoas e espaços que atuam na área cultural do DF, mas pode ser uma pista para contextualizar processos de atuação, além de sua visibilidade e invisibilidade em termos territoriais.

9No caso dos Conselhos Regionais de Cultura, a base para reflexão é uma pesquisa aplicada durante o IIEncontro dos Conselheiros Regionais de Cultura do DF, realizado entre os dias 13 e 15 de abril de 2018, no qual os presentes puderam oferecer, por meio de formulário, informações sobre o perfil dos conselheiros ativos e sobre os principais desafios em sua atuação a favor do desenvolvimento das políticas culturais no território.

Território e gestão cultural no DF

10As particularidades do DF reforçam os desafios para a gestão pública da cultura em seu processo de institucionalização, bem como o alcance que essas políticas devem ter. O DF conta com 31 RAs que somadas aos 33 municípios da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (Ride), dimensionam a capital do Brasil.

11O DF representa historicamente uma das claras personificações da segregação imposta pelo modelo de urbanização brasileiro: um espaço de qualidade para poucos. O DF carrega historicamente a contradição de sustentar a maior renda per capita no Brasil, mas também a maior discrepância entre rendimentos, chegando a representar um valor 10 vezes maior quando comparamos a região do Lago Sul com Planaltina.

12A periferia não se sente convidada ao Plano Piloto, nem o Plano consegue enxergar a periferia da capital. Existe uma barreira simbólica, que embora esteja consolidada histórica e culturalmente, pode vir a ganhar contornos mais sutis e começar a abrir suas frestas de transformação por meio de políticas voltadas para a metrópole. Para isto, estas políticas devem contemplar o desenvolvimento integrado e diversificado das várias regiões e municípios da Ride, com programas, ações e estruturas que não sejam apenas dispostas, mas convidativas a um novo modelo de desenvolvimento e convivência para a capital. Neste sentido, as políticas de cultura têm papel determinante, pois são capazes de agregar territórios, gerar emprego e renda e qualificar os ambientes de convivência e formação.

13Nos últimos anos, a terminologia territorial invadiu os documentos das políticas públicas nacionais. O termo “território” possui uma amplitude conceitual que tornam infrutíferas as tentativas de coadunar as diferentes perspectivas. Contudo, é necessário criar as condições para se articular uma discussão que faça avançar a dimensão territorial em sua realidade ambígua, e mesmo dialética, entre o concebido e o vivido, bem como nas percepções emergentes que interferem na concepção e vivência da gestão cultural do DF e nos acessos às políticas públicas.

14São vários os termos usados como sinônimos, mas que são, na verdade, conceitos relacionais e diferentes: rede, alcance territorial, espaço, região. O mesmo ocorre com a definição de espaço cultural e lugar: “ESPAÇO CULTURAL é, assim, qualquer lugar que possa ser identificado como um ponto referenciado para a fruição cultural” (DISTRITO FEDERAL, 2017).

15Segundo a perspectiva de Milton Santos, espaço (sinônimo de “território usado”) deve ser compreendido como uma mediação entre o mundo e a sociedade nacional e local, e assumido como um conceito indispensável para a compreensão do funcionamento do mundo presente. O autor chama atenção para o novo funcionamento do território, através de horizontalidades, ou seja, lugares vizinhos reunidos por uma continuidade territorial e verticalidades, formadas por pontos distantes uns dos outros, ligados por todas as formas e processos sociais. É neste território usado, provido de conteúdo político e social, que se desenrolam as disputas dos movimentos sociais. Nele, nenhuma análise é meramente territorial.

16É possível encontrar casos de “ativação do território” e ênfase em “territórios da vivência”, como os Centros de Artes e Esportes Unificados (CEUs), ou a própria nomenclatura, como os Territórios da Cidadania, em todos os casos tendo o mapeamento como centralidade:

Os mapas são representações concretas do espaço vivido e pensado e, como tal, são o retrato de uma comunidade, de um povo, dos moradores de uma determinada localidade. Essas realidades podem ser reproduzidas a partir da visão de grupos distintos e são relevantes para a identidade de um grupo, à medida que exigem reflexão, generalização e seleção das informações de um determinado território (BRASIL, 2014, p. 7).

17Isso implica pensar o quanto estão onerados os conceitos de território e mapeamento de territórios para fins de política pública cultural, haja vista que a qualificação conceitual começa a parecer um abuso de termos-chave, tais como “território” e “mapa” se aproximando muito mais de um exercício de retórica do que de uma conceituação contextualizada e densa. A própria ideia dos CEUs, após as Olimpíadas, foi bastante desmobilizada e sua efetividade deve ser profundamente contestada a partir das metas que se impôs, quase todas ligadas a territórios de vivência que seriam: “áreas envoltórias aos equipamentos, nas quais se estabelecem as redes socioculturais e o cotidiano de vida da comunidade”(BRASIL, MinC, 2014).

18O caso do Mapa nas Nuvens também exercita diretamente os conceitos de território, mapeamento e espaço de cultura como política pública.

Mapa nas nuvens

19O Mapa nas Nuvens é uma metodologia nacional advinda dos Mapas Culturais, incorporada pela Secretaria de Cultura do DF (Secult-DF) que tem como proposta o suporte para a formulação de políticas culturais no DF, uma contribuição para integrantes de órgãos públicos da área, interessados no tema e na discussão acadêmica.

20A ferramenta integra o Sistema de Informações e Indicadores Culturais do DF (SIIC-DF), em consonância com o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC) e está previsto na LOC – Lei Orgânica da Cultura do DF.

21Em junho de 2015, o Instituto TIM e a Secult-DF iniciaram tratativas para a implementação, nesse distrito, do projeto Mapas Culturais, iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo em parceria com o Instituto TIM. A plataforma é atualmente utilizada em diversos estados do país.

22No caso em estudo, “território” está claramente costurado em escalas diferentes na proposta dos mapas. Há um território institucional amplo (a Ride) e no seu interior, territórios da ação dos agentes culturais (e seus espaços culturais ou lugares de fruição). Obviamente, entre estas duas escalas, já tidas como apriorísticas no documento, a escala institucionalizada e a escala dos grupos, há um componente de contenção que são os respectivos grupos e suas redes e que são mapeados dinamicamente dentro da circunscrição da Ride. Nisso reside um aspecto lógico - territórios dentro de um território (na realidade uma região) -, mas que não deixa de ser também um elemento de contenção da visibilidade. Para dar um exemplo, há redes territoriais e ações coletivas que transcendem a Ride ou ocorrem em espaços que não são oficialmente da região integradora.

23A plataforma Mapa nas Nuvens no portal www.mapa.cultura.df.gov. brreunia, em maio de 2018, exatamente 1.244 agentes culturais cadastrados, dos quais 258 estão em Brasília; e 357 espaços culturais cadastrados, dos quais150 estão em Brasília. Foi possível verificar, neste período da pesquisa, dificuldade de georreferenciamento da plataforma, indicada pelos 641 agentes culturais cadastrados dos quais não era possível obter a localização.

24Ao centrar a discussão em um território concebido politicamente, a política pública se fragiliza, pois tende a perder de vista a dimensão do vivido e do percebido na produção do espaço urbano (LEFEBVRE, 2006), especialmente na escala dos agentes/coletivos/espaços culturais. Ainda, a politização do território pode enfraquecer seus aspectos cultural e econômico, entre outras dimensões não enfatizadas.

25Por isso, é necessária uma apreensão contextual do território a partir dos próprios agentes, caso contrário podemos cair em um tipo de apriorismo lógico ou um território-conteiner que não revele e, mais ainda, não fomente a diversidade e o potencial das dinâmicas dos coletivos de produção cultural no DF.

Conselhos regionais de cultura

26O Conselho Regional de Cultura (CRC) é um instrumento de gestão da política pública de cultura do DF, criado no sentido de descentralizar a política cultural e fortalecer os processos de participação social.

27O fortalecimento da participação social é um valor importante, anunciado pela política cultural e que pode ser discutido à luz da leitura da resolução que estabelece os CRCs, observando que a resolução é também um instrumento de regulação e, portanto, implica em aberturas e restrições. A institucionalização da participação social nas políticas cria desafios a sua própria essência democrática, exigindo dos atores envolvidos maiores compromissos no sentido de tornar o processo participativo cada vez mais coletivo e amplo.

28Em maio de 2018 haviam 27 CRCs nomeados e empossados, totalizando 216 conselheiros eleitos pela comunidade e 54 conselheiros natos, representantes do governo. Os CRCs estão vinculados ao Conselho de Cultura do Distrito Federal (CCDF) como braços de participação social e desenvolvimento de políticas públicas nas regiões administrativas.

29Embora os CRCs existissem revistos na Lei 1960, esses passaram por uma reestruturação em 2016, a partir de resolução do CCDF e atualmente são compostos por oito cadeiras da sociedade civil (sete da comunidade cultural e uma liderança comunitária sem vínculo necessário com atividades culturais) e dois representantes do poder público, membros natos, sendo Administrador Regional e Gerente de Cultura, ou estrutura equivalente.

30Do total de 216 conselheiros eleitos, é possível um máximo de 27 (12,5%) conselheiros que não possuam, à princípio, vínculo com atividades culturais. Todos os demais fazem parte dos trabalhadores da cultura, seja na produção, criação artística ou gestão cultural. Esse dado nos permite inferir que a participação fortalecida é um recorte, uma vez que, claramente, a política e seus recursos estão direcionados a um pequeno grupo social específico.

31Ainda que a partir de 2002 a política nacional de cultura tenha encaminhado uma abertura na compreensão do conceito de cultura, de tal forma a abarcar a dimensão simbólica da existência social brasileira, o CCDF não efetivou esse entendimento nessa resolução que altera o funcionamento dos CRCs. Apesar da ampliação da presença da sociedade civil com a previsão da participação de membro da comunidade sem vínculo cultural, o grande foco da participação ainda permanece restritivo, limitando a pluralidade de vozes sociais presentes no processo.

32A participação social desenhada é aquela que permite e demanda de um mesmo grupo social, a saber, os agentes culturais são aqui entendidos como aqueles que produzem cultura no sentido artístico e fortemente ligada ao aspecto técnico. Esse é um aspecto regulatório de âmbito restritivo da participação social na política cultural. Ao observarmos o instrumento que regulou a composição dos CRCs, percebe-se que não houve a clara explicitação de que, ao menos um assento deveria ser ocupado necessariamente por um cidadão comum que representasse o beneficiário “indireto” da política, mas que na verdade, no nosso entender, é o verdadeiro usuário da política e sobre o qual se sustenta toda a justificativa de fomento cultural. Isso significa que ainda não estão claramente contempladas as ações que favoreçam, por exemplo, a pluralidade das manifestações culturais ou o direito da fruição cultural por parte de qualquer cidadão.

33Esse fato pode ser um sinalizador de incongruências entre o discurso da política pública e a prática da gestão dessa mesma política e um desafio para a efetivação da política cultural com maior densidade democrática e capilaridade territorial.

34Essa constatação não difere dos resultados encontrados por Carmo (2016), em seu trabalho sobre o financiamento da cultura no DF, no qual observou o financiamento realizado pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC) do DF entre os anos de 2011 e 2014. Nessa pesquisa, Carmo aponta que mais de 77% dos recursos destinados ao fomento da cultura na média para os anos de 2011 a 2014 foram direcionados às ações da cadeia produtiva da cultura, beneficiando as linguagens artísticas consolidadas e que mesmo os recursos menores, destinados à memória ou formação, também estavam mais alinhados à perspectiva das artes.

35Ainda que tradicionalmente as instâncias de participação social na construção de políticas culturais no Brasil, em nível federal e estadual, estejam majoritariamente voltadas à participação dos agentes culturais - com algumas exceções, como o estado da Bahia, que vem avançando na amplitude e representatividade da participação -, faz-se necessário uma profunda reflexão sobre a inclusão da população em geral nesses espaços participativos da cultura em nível nacional.

36A partir da perspectiva territorial, desde 2016, houve mudança na proposta de distribuição de recursos com a instituição do FAC Regionalizado, que propõe cotas de recurso para as regiões administrativas, nas quais deve residir o agente cultural e onde deve ser produzida e exibida a ação cultural. O edital trabalha numa perspectiva de regionalização do fomento, dividindo o DF em macrorregiões, excluindo-se o Plano Piloto e garantindo a cada região um número mínimo de projetos e recursos para contemplar projetos que não só ocorram como sejam realizados por produtores locais. Embora a política cultural aponte claramente para uma nova estratégia de distribuição dos recursos, há ausência e sistematização de dados que permitam concluir a efetividade dessa mudança no efetivo aumento da produção ou acesso à cultura para a população das regiões administrativas.

37No campo das políticas culturais nas RAs e da distribuição de recursos, os CRCs têm um papel importante. No entanto, segundo pesquisa interna realizada durante o IIEncontro dos CRCs71 do DF, foram diagnosticadas diversas fragilidades em seu funcionamento e impacto real no fortalecimento dessas políticas.

38De um total de 208 participantes de 30 RAs, houve 44 repostas válidas72 a um formulário proposto para conhecer o perfil dos conselheiros regionais de cultura assim como os principais entraves identificados pelos mesmos no desenvolvimento de suas atividades de fortalecimento das políticas públicas em seus territórios.

39Para os participantes da pesquisa, os principais temas elencados como entraves à fluidez da atuação da comunidade no âmbito dos CRCs no fortalecimento das políticas culturais territoriais são:

1. Falta de recursos materiais e estrutura para funcionamento do CRC;

2. Ausência de informação sobre recursos destinados à cultura;

3. Falta de comprometimento da RA com o Conselho;

4. Excesso de burocracia para tomada de decisões;

5. Falta de conhecimento sobre atribuições dos CRCs;

6. Dificuldade de entendimento sobre os procedimentos e rotinas administrativas da RA;

40Falta de recursos financeiros pelos conselheiros para participar de reuniões do CRC;

1. Ausência de conhecimento sobre os agentes culturais atuantes na RA;

2. Dificuldade de diálogo com a Administração Regional;

3. Dificuldade de diálogo entre conselheiros de cultura e gerentes de cultura.

41Sendo assim, infere-se que, para além da análise de disponibilidade de bens e serviços culturais nas RAs ou do acesso ao fomento e incentivo à cultura, existem dificuldades institucionais estruturais na relação entre governo e sociedade civil que dificultam a descentralização territorial das políticas culturais, entendidas como direito à cultura, de maneira mais ampla.

Considerações finais

42A institucionalização das políticas públicas de cultura no Brasil se constitui em grande desafio, sobretudo no âmbito dos estados, do DF e dos municípios. O processo de elaboração, sistematização e regulamentação da legislação que dispõe sobre o fazer cultural é historicamente recente e por sua vez a política cultural ainda carece de mecanismos de implementação, monitoramento e avaliação.

43No campo da participação social e do desenvolvimento de sistemas de informação e monitoramento das políticas públicas de cultura, as experiências são ainda mais escassas e os desafios grandes.

44A resposta para “A cidade é uma só?”, do ponto de vista da cultura e da política cultural, ao nosso ver, é negativa. Centro e periferia não se reconhecem, mesmo sendo o centro a cidade-patrimônio. Ainda, esta centralidade de Brasília não é, e a nosso ver nunca foi, uma centralidade genitora e generosa com os demais espaços que produziu. Ao contrário, tem demonstrado ser uma centralidade que expulsa e segrega os menos abastados, os diferentes e divergentes, ao mesmo tempo em que privilegia com serviços públicos, cenários paisagísticos e fruição cultural uma pequena parcela da população do DF que nela reside e que possui certa homogeneidade73. Este movimento de expulsão não tende a se retrair espontaneamente, haja vista as tendências sociais contemporâneas que mostram que as sociedades urbanas e ocidentalizadas têm desenvolvido padrões competitivos e individualistas que dificultam sobremaneira o estabelecimento da solidariedade e de vínculos de confiança individual e social.

45Nesse sentido a ação do Estado de ampliar o entendimento e rever o ordenamento territorial para fora da lógica do território-conteiner é fundamental para poder compreender as diferentes concepções do espaço concebido e vivido e assim equalizar as desigualdades encontradas no âmbito da sociedade e promover, a partir da política pública, o diálogo entre os diversos atores.

46No DF a equalização da desigualdade centro-periferia e a promoção do diálogo têm sido traduzidas pelas atuais políticas culturais como institucionalização de novos atores, descentralização das ações e dos fomentos. No entanto, é preciso ainda galgar novos estágios na gestão pública, compreendendo o caráter transversal da cultura e intersetorial da política cultural para que seja possível realizar uma política cultural de Estado que observe o conjunto da população e não exclusivamente uma determinada categoria.