Introdução

1Discutem-se as relações entre planejamento urbano e a dinâmica real do crescimento urbano metropolitano, avaliando-se a efetividade dos instrumentos normativos em orientar o crescimento e reprodução do tecido urbano utilizandose para esse cotejo como fontes de pesquisa: i) Diretrizes e Zoneamento com seus parâmetros urbanísticos estabelecido no Plano Diretor; e ii) Alvarás de construção emitidos em uma série histórica na vigência do Plano Diretor. A pesquisa e análise inserem-se nos esforços de aplicação do marco jurídico urbanístico brasileiro : o capítulo de política urbana da Constituição Federal de 1988, seus instrumentos regulamentados no Estatuto da Cidade25 e o Estatuto da Metrópole26, face aos processos reais de uso e ocupação do solo.

2A discussão do crescimento urbano praticado no ambiente urbano edificado, formal ou informalmente, face ao novo aparato normativo urbanístico sugere limitações e possibilidades que atualizam o conhecimento sobre a política e o planejamento urbano, especialmente sua capacidade de incidir efetivamente no uso ordenado do território considerando a AMB definida pelo DF e os 12 municípios goianos da Ride-DF adjacentes. O recorte temporal de análise é o período de 2012 a 2015 em razão do acesso aos dados empíricos da pesquisa.

3São aplicados procedimentos metodológicos elaborados na pesquisa “Bases urbanísticas e institucionais para o planejamento e gestão territorial da AMB”.27 Tais bases constituem-se em conjunto normativo de instrumentos, recursos técnico-administrativos e dispositivos legais, avaliando sua capacidade de incidir sobre a real ocupação deste território metropolitano. Considerando-se a extensão desse conjunto, tomou-se o Plano Diretor em vigor das cidades escolhidas da AMB, avaliando suas diretivas de ordenamento territorial, seu zoneamento e seus parâmetros urbanísticos, como referenciais relevantes dessas bases urbanísticas.

4Na constituição da amostra deste recorte espacial estabeleceram-se três porções territoriais para analisar a dinâmica urbana e imobiliária da AMB, e nestas as cidades de maior adensamento. Na porção norte foi eleita Planaltina de Goiás, na porção oeste Águas Lindas de Goiás e, na porção central, Samambaia e Taguatinga do DF. Assim concentrou-se a análise em duas cidades do DF e duas do Goiás da periferia metropolitana.

5Como fonte de pesquisa empírica de indicadores do crescimento urbano edilício utilizaram-se os Alvarás de Construção aprovados no período, por constituírem o instrumento público de registro de intervenção física para a construção ou ampliação de imóveis. De responsabilidade das prefeituras goianas e das administrações regionais do DF, os Alvarás trazem as informações básicas dos imóveis: o proprietário, endereço, destinação da edificação e área construída ou ampliada aprovada. Os Alvarás emitidos no período, sistematizando os usos e ocupações do solo realizadas, propiciam a leitura de tendências principais quanto ao crescimento edificado aprovado pela administração pública. Reconhece-se a relevância dos usos e ocupações informais, aqueles sem a aprovação legal ou até contrária às regras, relevantes no crescimento urbano; todavia, são difíceis seus registros, inviabilizando-os como variável de analise empírica acessível sobre o crescimento urbano edilício.

6Realizaram-se mapeamentos dos Alvarás registrados cotejando-os com os Planos Diretores, o instrumento legislativo urbanístico abordado, com os seguintes procedimentos metodológicos: i) levantamento dos alvarás de construção expedidos no período na amostra de quatro cidades da AMB; ii) sistematização dos dados em planilhas anuais e sua gravação nos mapas anualmente destacando as construções novas pelo uso do solo e porte em cada cidade; iii) análise do padrão de crescimento urbano mostrada pela espacialização das novas construções, destinação e portes, avaliando sua coerência com o estabelecido nos planos diretor e parâmetros urbanísticos.

7Discutindo a autonomia ou dependência das cidades na relação com o centro metropolitano propõem-se três hipóteses de pesquisa: A) Os padrões de planejamento e planos diretores têm baixa incidência nas formas do crescimento urbano na dinâmica metropolitana da AMB; B) Na dinâmica metropolitana da AMB o predomínio de Alvarás de atividades econômicas e institucionais (comércio e serviços, mistos, industriais e instituições) e residências multifamiliares verticais tende a expressar maior dinâmica e autonomia urbana; C) No oposto, o predomínio de Alvarás de residências unifamiliares e multifamiliares horizontais tende a expressar baixo dinamismo e autonomia urbana, reforçando o caráter de cidades dormitórios dependentes da cidade-mãe.

Regiões metropolitanas e a Brasília metropolitana

8Substituindo as formas de cidades mais compactas, dominantes há anos, assiste-se desde os meados do século passado, e se acentua no início deste século, a tendência de as populações metropolitanas distribuírem-se ao longo de regiões permanentemente expandidas, além de aparentemente desordenadas. Reproduzem-se e espalham-se sistematicamente loteamentos e ocupações precárias que mais se assemelham a “acampamentos” do que núcleos urbanos minimamente estruturados, segmentando em franjas periféricas periurbanas os tecidos urbanos pré-existentes ampliando o déficit de urbanidade.28 Destaca-se um dos atuais aspectos desse crescimento socioespacial de que a vida urbana “tornou-se portátil e o mesmo ocorreu com a cidade”, como sugere Gottdiener (1993), propondo a noção de “Região Metropolitana Polinucleada”, remetendose à produção atual de assentamentos urbanos em contraponto a interpretações correntes simplificadas de uma versão mais ampla da cidade contemporânea. Nessa produção ocorre o deslocamento cada vez maior de populações e atividades sociais, econômicas e políticas, na direção de espaços externos às tradicionais áreas citadinas e seus centros, ainda que persista o vetor polarizador do centro.

9O conceito de “expansão permanente” contribui, assim, para o entendimento de modelos de crescimento urbano polinucleados, com a dispersão regional de atividades industriais (com presença cada vez mais reduzida), comércios, administração pública e, especialmente, pessoas, espalhados em distâncias crescentes. Esse padrão de expansão urbana metropolitana polinucleada ao mesmo tempo produz e resulta da correlação de forças dos agentes públicos e privados e constitui sua expressão no território.

10No caso de Brasília, um processo assemelhado de expansão polinucleada gerou um efeito de sistemática exclusão territorial dos assalariados das áreas centrais mais valorizadas e bem servidas de infraestrutura, bens, serviços e equipamentos - o Plano Piloto de Brasília -, resguardando-a para os agentes imobiliários e grandes construtoras.

11Na aplicação do conceito Metropolitano à Brasília, Ferreira (1985, p. 56) já delineava que:

Decorridos 25 anos da implantação, a cidade já tem delineada sua área metropolitana à semelhança das demais metrópoles brasileiras; Brasília hoje não pode ser considerada só o Plano Piloto, como nos anos 50. Tampouco pode ser apenas a cidade com seus núcleos periféricos dispersos dos anos 60; ela é agora a metrópole, que envolve além desses espaços os municípios vizinhos do Entorno.

12E decorridos quase 21 anos após Ferreira e Steinberger (2006, p. 77) reafirmava a noção metropolitana de Brasília, ampliando-a:

[…] pode-se dizer que a Brasília real de 2006 configura território que abrange o DF e 9 municípios goianos próximos, onde DF é o Núcleo, constituído pela Sede e 16 cidades satélites, uma das maiores concentrações urbanas do país com 2,65 milhões de habitantes em 2000, com 75% no DF.

13Do ponto de vista histórico da formação das Regiões Metropolitanas Brasileiras (RMs) destacamos, nos anos 70, sua proposição no escopo de elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, integrante do II Plano Nacional de Desenvolvimento do período militar de 1964. A política se assentava fortemente na expansão industrial constituindo as metrópoles o locus privilegiado de sua expressão espacial. Foram criadas nove Regiões Metropolitanas nos principais centros urbanos do país com a justificativa da execução integrada de serviços comuns de interesse metropolitano, que depois iriam ser chamados de Funções Públicas de Interesse Comum. As RMs foram propostas como unidades de planejamento e gestão estruturadas em dois conselhos: deliberativo e consultivo.

14Posteriormente, destaca-se a Constituição Federal de 1988 por dar a competência aos Estados para instituir suas unidades regionais, abrindo categorias de organização regional tais como as “aglomerações urbanas” e “microrregiões”, propiciando aos estados novas práticas de planejamento regional. Tais práticas raramente foram desenvolvidas, entretanto iniciou-se um ciclo que criou um conjunto de unidades regionais de dimensões, inserções físicas e portes populacionais distintos, banalizando o conceito metropolitano. Dezenas de legislações estaduais permitiram a conformação de unidades com critérios díspares para organização e gestão criando, por exemplo, as “áreas de expansão metropolitana”, em Santa Catarina e, em Minas Gerais, o “colar metropolitano”. Outra inovação relevante foi a categoria da Ride- Regiões de Desenvolvimento Integrado, que gerou as Rides do DF, do Pólo Petrolina e Juazeiro e Grande Teresina.

15Em 25 anos da nova constituição, o território passou a contar com 26 unidades metropolitanas, com a Ride-DF dentro desse conjunto em razão do porte metropolitano da cidade principal (CUNHA, PEREIRA, 2008), constituída pelo DF e municípios de Goiás29 e de Minas Gerais30. Em 2018 o Senado Federal aprovou lei que ampliou de 22 para 35 municípios inseridos na Ride-DF, aprovação questionável, sobretudo face às enormes distâncias de 400 km de alguns dos novos municípios integrantes e discutível relação socioeconômica com a Ride-DF.31

16Neste universo de unidades raras efetiva-se a integração da gestão com o planejamento metropolitano. Apontamos alguns esforços positivos nesse aspecto como os casos de Belo Horizonte e Recife. Igualmente a implementação dos Consórcios de Serviços Públicos entre municípios têm funcionado de forma eficaz como instrumento de gestão integrada, particularmente nas funções de transporte coletivo e saneamento básico, como por exemplo, na experimentação do Consórcio do ABCD no Estado de São Paulo.32

17A ação complementar integrada dos entes federativos no espaço urbano-metropolitano ganhou impulso na aprovação do Estatuto das Metrópoles em 2015. Este marco legal oferece instrumentos para suprir a lacuna de articulação e regulação da inter-relação cooperada entre municípios integrantes das cidades metropolitanas e suas relações com os governos estadual e federal. A sua aplicação efetiva é enorme desafio e oportunidade para a constituição de uma política urbana metropolitana para as próximas décadas.

Principais achados da pesquisa nas cidades da área metropolitana de Brasília

18Com base na pesquisa que levantou os dados referentes aos projetos aprovados no período 2012-2015, por meio do registro público dos Alvarás de Construção, nesta seção analisaremos seus principais achados em considerações gerais e específicas para cada cidade.

Considerações gerais

19Quanto à dinâmica urbana e imobiliária referente aos projetos aprovados no período, os dados apurados apontam nuances particulares que diferenciam as quatro cidades onde foi aplicada a metodologia : Águas Lindas de Goiás e Planaltina, em Goiás, Samambaia e Taguatinga, no DF.

20Com respeito à primeira hipótese, de que os padrões de planejamento e planos diretores têm baixo controle/incidência nas formas do crescimento urbano na dinâmica metropolitana da AMB, pode-se avaliar que o enunciado não pode ser refutado merecendo, contudo, problematização diferenciada à luz da dinâmica metropolitana do período em questão. Conseguiu-se observar que nos casos dos Planos Diretores de Samambaia e Taguatinga, no DF, estes se encontram defasados com uma baixa para média incidência no controle do uso do solo. São planos elaborados e aprovados há cerca de 20 anos, servindo desde então como orientação de ordenamento do uso e ocupação do solo, que viveu expressiva dinâmica ao longo desses anos. Nos casos de Águas Lindas de Goiás e Planaltina, os planos diretores, embora vigentes, são praticamente desconhecidos na administração municipal como instrumentos efetivos de gestão urbana.

21Quanto à avaliação da segunda hipótese, os dados empíricos levantados apontam que, no contexto da dinâmica metropolitana da AMB, a predominância dos projetos aprovados de atividades econômicas e institucionais (comércio e serviços, mistos, industriais e instituições) e residencial multifamiliar vertical tendeu a expressar maior dinâmica e autonomia urbana das cidades e núcleos urbanos. Muito embora a ocorrência destes projetos tenha acontecido de forma eventual, não sistemática no período, nos anos em que crescem alvarás daquele tipo cresce também a arrecadação do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços - ICMS -, indicador de aquecimento da economia local. Esse predomínio é tendencialmente maior nas cidades do DF avaliadas.

22Na terceira hipótese, no oposto, o predomínio de projetos aprovados de residências unifamiliares e/ou multifamiliares horizontais, na forma de condomínios fechados predominantemente, tende a expressar baixos dinamismo e autonomia urbana reforçando o caráter de cidades-dormitório dependentes de uma cidade-mãe, no caso Brasília. Esta predominância é bem evidenciada nos dados das cidades goianas avaliadas.

Considerações específicas

23A série de Alvarás observados de Planaltina/GO sugere tendências consideradas leves quanto aos projetos aprovadas no sentido de promoção de maior autonomia à cidade, com incremento de atividades: comerciais, institucionais, usos mistos e residenciais multifamiliares. Há uma tendência, ainda ligeira, de verticalização, detectada especialmente no Setor Norte da cidade. Todavia, o predomínio absoluto dos usos residenciais unifamiliares revela o claro caráter de cidade dormitório, na qual mais de 50% dos moradores é dependente de busca de oportunidades de trabalho, emprego, serviços de educação e saúde fora da cidade, principalmente na direção de Brasília. Evidencia, assim, o fluxo pendular diário significativo da população no eixo Brasília – Planaltina/GO. A leitura do Plano Diretor de Planaltina denota diretrizes de zoneamento no incentivo de usos comerciais nas seis principais vias coletoras da cidade. Contudo, os levantamentos demonstram a aprovação de construções residenciais, na maioria unifamiliares, nessas áreas, contrariando o planejamento urbano preconizado no seu Plano Diretor. Aprofundando a contradição, detectaram-se usos comerciais e mistos em áreas destinadas exclusivamente à zona residencial. Estas construções não sintonizadas com o Plano Diretor, mas aprovadas regularmente, denotam sua ineficácia, e a necessidade de atualização do planejamento da cidade em maior conformidade à dinâmica urbana real em andamento, de forma a estimular uma maior autonomia de Planaltina/GO. Destaca-se o papel urbano decisivo na cidade de dois grandes projetos de equipamentos urbanos: o Shopping Center no Setor Leste e a Rodoviária Interestadual no Setor Norte, ambos implantados em anos recentes. O potencial de impacto desses equipamentos se dá não só na dinamização dos bairros onde se localizam, mas espraia-se em todo território urbano do município.

24Na série de Águas Lindas de Goiás destaca-se o ano de 2015, com queda no total de novas construções de 12,1% no total de alvarás; mesmo assim 99,3% permaneceram residenciais, reproduzindo o padrão de predomínio residencial dos quatro anos anteriores. Contudo, os residenciais unifamiliares caíram ainda mais na relação com os multifamiliares comparativamente aos anos anteriores; passaram de 1,5% para 5,1% de novos alvarás residenciais, tendo significativa construção de novos 91 edifícios verticais, e tendência de crescimento dos alvarás multifamiliares sobre os unifamiliares. Esta tendência em nossa hipótese aponta para a diminuição do caráter de cidade-dormitório. Percebe-se na parte norte da rodovia BR-070 que, ao mesmo tempo, divide e origina a cidade, a continuidade de crescimento de novas construções, todavia avançando espacialmente nas direções a oeste e a leste. Na parte sul abaixo da rodovia, o crescimento seguiu ampliado com surgimento de novas concentrações de construções residenciais multifamiliares em edifícios verticais. Quanto às construções comerciais, percebe-se a continuidade de concentração em três regiões, com raras construções comerciais na região ao sul da rodovia, nesta parte houve crescimento residencial multifamiliar, entretanto sem novas construções comerciais. Em 2016, houve queda no total de novas construções de 49,2% com o mesmo total de Alvarás residenciais (99,2%). Mesmo com a queda segue o predomínio residencial de novas construções: unifamiliares caíram para 84,8% enquanto multifamiliares passaram para 15,2%, um crescimento notável em relação aos anos anteriores. Mesmo com queda total das novas construções, aponta-se leve tendência no sentido de maior autonomia. Em 2017, houve estabilização e baixo crescimento residencial unifamiliar e decréscimo maior no residencial multifamiliar. Cresceram as construções comerciais alcançando 2%, a maior da série pesquisada. Cruzando os Alvarás de novas construções com dados de arrecadação do ICMS, afirma-se a correlação positiva entre a dinâmica de crescimento construtivo da cidade com a dinâmica geral de crescimento de atividades econômicas, especialmente nos comércios e serviços.

25Porém, o Plano Diretor e zoneamento não foram capazes de induzir o crescimento econômico. A área planejada para constituir um Centro Urbano de menor restrição, como centralidade econômica e social não se constituiu com novas construções comerciais e de uso misto, com poucas novas construções residenciais multifamiliares. As áreas destinadas para Desenvolvimento Econômico tampouco se constituíram; a única ocupação com novas construções foi de residenciais unifamiliares, sem a dinâmica econômica proposta no Plano Diretor. Conclui-se que o Plano Diretor teve baixa eficácia na orientação e no estímulo da lógica de crescimento e ordenamento da cidade na perspectiva de maior autonomia oposta à tendência de cidade dormitório.

26Na série de Samambaia/DF os três primeiros anos mantêm média de 300 alvarás/ano, há queda significativa na quantidade de construções em 2015, mantendo o percentual de alvarás emitidos de uso residencial e comercial. Destaca-se tendência de queda de crescimento do uso residencial multifamiliar. O boom residencial multifamiliar de 2012 expressa o Programa Minha Casa Minha Vida, demonstrando que os alvarás aprovados não são obrigatoriamente de obras daquele ano; empreendimentos dessa natureza demoram anos até terem seus alvarás expedidos e são liberados de acordo com a demanda junto aos órgãos públicos. Alvarás de construções unifamiliares de pequeno porte são, em geral, regularização de construções existentes, não referentes a novas construções. É central no Plano Diretor de Samambaia a diretriz de integração com Ceilândia e Taguatinga com as condições urbanísticas necessárias à autonomia socioeconômica da cidade por meio de comércio, serviços e indústria. Não ocorre a integração ou mesmo conurbação entre as três cidades, em razão de obstáculos ambientais. Dados demonstraram diminuição de viagens entre Samambaia e Plano Piloto apontando maior autonomia da cidade e formação de novo polo de centralidade regional Taguatinga/Águas Claras disputando relativamente com a centralidade do Plano Piloto. Tais cenários mostram parcial materialização dos objetivos do Plano Diretor: dinamizar a área com maior autonomia em relação ao Centro.

27Os três primeiros anos do estudo (2012, 2013 e 2014) demonstraram crescentes usos comerciais, institucionais e emergência de usos mistos, na direção de autonomia da cidade.

28Uma destacada estrutura é o Metrô, que referencia o crescimento da cidade influenciando sua forma. E a área central coincide com o alcance do metrô, reafirmando a articulação entre transportes coletivos de alta capacidade e a consolidação do tecido urbano somando-se a dinamização dos entornos das estações, onde emergem os comércios de maior porte. O crescimento de Samambaia nos anos recentes sugere que o Plano Diretor foi referência ao adensamento e à valorização imobiliária, destacando-se as áreas lindeiras ao metrô, a ligação viária com as cidades vizinhas e a vitalidade do uso do solo. Porém, diretrizes como a qualificação dos espaços públicos para o pedestre e a via segregada para transporte de massa ao longo do anel viário não foram executadas questionandose a aplicação do Plano Diretor.

29No caso de Taguatinga, a análise do crescimento dos alvarás face ao Plano Diretor expressos nos Coeficientes de Aproveitamento (CA) da cidade é reveladora. Os “lotes de menor restrição” estimulam mais atividades, mas obstruem atividades consideradas de alto grau de incomodidade como atividade industrial nos lotes lindeiros à sua Avenida Central. É considerado como o Centro da Cidade o cruzamento do eixo que divide Taguatinga Norte e Sul, área com alto CA (sete). O Centro Metropolitano com maiores equipamentos como o Centro Administrativo, Estádio e Rodoviária com CAs quatro e cinco. E a sua grande Avenida Comercial Norte e Sul na área central com o alto CA (sete).

30Possui forte centralidade a Avenida Hélio Prates de lotes de “média restrição”, que corta a cidade conectando Taguatinga com Ceilândia, maior população do DF com mais de 430 mil em 2018, com CA nove, o mais elevado da Cidade. O Pistão Sul, via que circunda a cidade, possui também CA nove, onde estão edificados grandes empreendimentos comerciais como Shopping Center, Supermercados e Universidade. Foram aprovadas novas áreas de grande quantidade de Alvarás em 2015, empreendimentos em torres de apartamentos com CA cinco, em lote único de dimensões grandes onde se implantou o maior adensamento recente da cidade de mais de mil novas unidades residenciais e acréscimo de população de quatro mil moradores. Confirmou-se a hipótese de que as áreas propostas para maior adensamento (coeficientes 7 e 9) não corresponderam efetivamente à dinâmica imobiliária real ocorrida na cidade. Já na importante Avenida Hélio Prates não foram implantados empreendimentos no porte previsto nos CAs para esta área propostos no Plano Diretor, reafirmando a hipótese de que as áreas para maior adensamento não corresponderam à dinâmica imobiliária real ocorrida na cidade.

Conclusões

31A dinâmica imobiliária urbana observada, em suas diferenciações nas cidades goianas e do DF, é produto do processo de metropolização assentado nas enormes desigualdades combinadas com as complementariedades econômico-funcionais territoriais. A desigualdade combinada (OLIVEIRA, 1987) reproduz tendências concentradoras de centralização no coração da área metropolitana. Essas complementaridades resultam por configurar interdependências entre essas diversas cidades e núcleos urbanos, como base de oferta de empregos e atividades, infraestrutura e serviços.

32Como detectado, o planejamento, planos diretores, projetos e normas são desiguais e desarticulados entre as cidades ou núcleos urbanos do DF e as cidades da AMB, com padrões que se aproximam na dificuldade comum em incidir efetivamente nas formas de crescimento urbano metropolitano. E convergem na dificuldade do controle e indução do uso e ocupação do solo como função pública de interesse comum metropolitano.

33As complementaridades funcionais no sentido dos fluxos (de pessoas e mercadorias) e de fixos (equipamentos, empregos, atividades, infraestrutura e serviços) que se estabeleceram em toda AMB, na dinâmica de sua metropolização, devem ser lidas como um forte potencial que pode redesenhar, numa perspectiva integradora, os padrões de planejamento, de planos diretores e normas urbanísticas. As interdependências devem ser vistas não como problemas, mas como fatores geradores de instrumentos de intercambialidade entre solos, potenciais construtivos, regulamentação urbanística e da aplicação dos instrumentos como transferência de direito de construir, potenciais construtivos e outorgas onerosas.

34Na perspectiva de complementaridade, interdependência e intercambialidade, é plausível coordenar seus planos diretores com um plano metropolitano, como matrizes do manejo social de solos, potenciais construtivos e instrumentos de política urbana. Assim viabiliza-se a exploração de todo um potencial calcado nas interdependências de fluxos e fixos presentes no território para a construção de um sistema de planejamento e gestão metropolitana integrada.