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Território e sociedade

 | 
Ana Maria Nogales Vasconcelos
, 
Leides Barroso Azevedo Moura
, 
Sergio Ulisses Silva Jatobá
, 
et al.

Unidade 1. Desenvolvimento e integração metropolitana

Metrópole em tempos de crise: finanças públicas na área metropolitana de Brasília

Larissa Nocko et Renato Costa Coitinho

Texte intégral

Introdução

1A recessão de 2014-2016 foi a mais longa, entre as nove datadas a partir de 1980 pelo Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE), com duração de onze trimestres, e levou, a partir de 2012, a uma deterioração da situação fiscal dos estados, tendo em vista seus resultados primários. Partindo desse cenário fiscal, o presente capítulo pretende analisar como se comportaram as finanças da AMB de 2005 a 2016, com foco no período de crise, considerando seu contexto federativo e metropolitano.

2Sob uma perspectiva keynesiana, crises podem ter uma explicação associada a um repentino colapso da eficiência marginal do capital, no qual não há qualquer tendência endógena que favoreça a sua recuperação. Nesse entendimento, a discricionariedade se revela uma ferramenta, permitindo que, em períodos de recessão, o governo amplie suas despesas em investimentos, de forma anticíclica, no intuito de expandir no curto prazo a demanda agregada (CORREIA; OREIRO, 2006).

3No entanto, quando se fala em governos subnacionais, a necessidade de comprometimento com um orçamento equilibrado estabelece uma relação estreita entre receitas e gastos, conduzindo a um comportamento pró-cíclico que pode implicar significativas reduções dos investimentos e do provimento de bens e serviços públicos, agravando o período de recessão (CLEMENS; MIRAN, 2012).

4Nesse contexto, a AMB consiste em um conjunto de entes subnacionais autônomos, mas que ao mesmo tempo mantêm uma relação de dependência metropolitana (equipamentos públicos, emprego, etc.). O município-sede acumula, singularmente, atribuições de estado, mas não contempla os demais municípios metropolitanos no seu território. Essas particularidades levantam questões como, por exemplo, se a autonomia dos municípios da PMB apresenta um comportamento similar ao dos municípios metropolitanos do restante do país. E ainda, de forma mais específica, como se comportaram as finanças desses entes ao longo da recessão.

5As finanças públicas metropolitanas, no contexto do federalismo, são objeto de estudo de trabalhos anteriores (ANTINARELLI, 2012; FURTADO; MATIO; MONASTERIO, 2013; REZENDE; GARSON, 2006; REZENDE, 2010), que fornecem os parâmetros necessários para situar a AMB quanto a autonomia e dependência no contexto federalista nacional. Entre os principais resultados encontrados estão a forte heterogeneidade da AMB e a intensidade da retração das contas públicas no período recessivo.

6O capítulo é composto por uma primeira seção que descreve brevemente o que se espera do instrumento fiscal nesse contexto. A segunda seção aborda a relação de dependência fiscal metropolitana. A terceira apresenta os resultados das receitas e a quarta, das despesas. Finalmente, a quinta encerra com as considerações finais.

Política fiscal e ciclo

7A partir da década de 1970, com a crescente autonomia e volatilidade dos capitais internacionais, a ideia de sustentabilidade da dívida pública adquiriu papel central no gerenciamento das expectativas dos agentes. Houve um posicionamento do que é visto como mainstream de que a política fiscal era condição sine qua non para assegurar a credibilidade e reestabelecer a confiança dos investidores. Esses, vistos como agentes racionais, estariam dispostos a aceitar reduzir o prêmio de risco e retomar os investimentos que seriam responsáveis pelo financiamento do balanço de pagamentos e pela estabilidade da taxa de câmbio.

8Conforme colocado por Orair, Siqueira e Gobetti (2016), este ponto foi fortemente criticado nas décadas de 1980 e 1990 tanto por questões práticas quanto por argumentos teóricos; um exemplo disso é o pressuposto de que os agentes econômicos não reagem positivamente aos estímulos fiscais do presente, prevendo que os mesmos deverão ser pagos no futuro (equivalência ricardiana). Na linha de raciocínio dos autores, isso se traduziu em uma série de trabalhos que buscaram estimar a magnitude do multiplicador dos gastos públicos, levando a um ceticismo quanto ao potencial das políticas anticíclicas. Assim, o caráter discricionário do instrumento fiscal passou a ser combatido em defesa de regras fiscais e estabilizadores automáticos, focados na sustentabilidade do endividamento, justificados em grande medida pela credibilidade que conferem à política econômica.

9Exemplos de regras fiscais no contexto atual são a determinação constitucional de que o financiamento do Sistema Único de Saúde não seja inferior a 15% da receita corrente líquida da União (Art. 198, Emenda Constitucional nº86, de 2015), ou de que a União nunca aplique, anualmente, menos de 18% de sua arrecadação de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino (Art. 212). Outro exemplo, ainda, são os limites de gastos estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Por um lado, a adoção de regras na conduta da política econômica evita o excesso de discricionariedade, de modo a preservar o impacto das expectativas dessa política nos seus resultados posteriores. Por outro, uma maior obrigatoriedade do gasto requer necessariamente algum grau de engessamento da gestão.

10No caso dos governos estaduais, a necessidade de comprometimento com um orçamento equilibrado estabelece uma relação estreita entre receitas e gastos, conduzindo a política fiscal subnacional a um comportamento pró-cíclico (CLEMENS; MIRAN, 2012). Para os autores, ao se adentrar uma recessão, a arrecadação tributária se contrai enquanto os gastos com seguridade social se expandem (como seguro-desemprego, programas de transferência de renda e demandas da saúde pública). Dessa forma, o comprometimento com o orçamento equilibrado pode implicar significativas reduções dos investimentos e do provimento de bens e serviços públicos. É possível assim que esse caráter pró-cíclico do gasto público induza ao aumento da volatilidade frente ao ciclo de negócios, ao invés dos efeitos claros de estabilização ou de compensação de benefícios esperados.

11Contraditoriamente, é nas situações de forte depressão econômica que o efeito do gasto público – particularmente os investimentos, mas também os benefícios sociais e os gastos com pessoal – é mais expressivo no Brasil, sendo sensivelmente maior que em tempos normais (ORAIE; SIQUEIRA; GOBBETI, 2016). Consequentemente, em situações de expansão econômica, as respostas do produto aos impulsos fiscais são insignificantes ou muito baixas. Esses resultados são consistentes e semelhantes aos encontrados para os Estados Unidos (AUERBACH; GORODNICHENKO, 2012).

  • 22 Como apresentado no capítulo precedente de autoria de Bruno Cruz, o CODACE é um comitê independente (...)

12No contexto recente do Brasil, o período compreendido entre o segundo trimestre de 2014 e o fim de 2016 foi o mais longo período recessivo da história brasileira entre as nove recessões datadas a partir de 1980, empatado com a de 1989-1992. Foi historicamente também o período de maior perda, tanto relativa quanto absoluta, do PIB nacional (CODACE, 2017).22

13Frente a essas constatações empíricas, será abordado aqui o comportamento das principais receitas e despesas da AMB no período recessivo. Antes disso, porém, é preciso destacar que se trata de uma área metropolitana, o que implica uma relação de dependência. Frequentemente, sedes de empresas se localizam no município-sede enquanto seus empregados vivem nos municípios periféricos, por vezes caracterizando cidades-dormitório. Por esse motivo, a próxima seção faz um breve levantamento da literatura nacional sobre finanças públicas metropolitanas.

Dependência fiscal metropolitana

14Uma questão central em regimes federativos é a repartição de recursos fiscais entre seus entes de modo que todos disponham de uma capacidade de financiamento compatível com suas responsabilidades. Na busca pelo equilíbrio entre recursos e responsabilidades, as soluções crescem em complexidade quanto maiores forem as disparidades sociais e regionais (REZENDE, 2010). Esse costuma ser o caso das regiões metropolitanas.

15Uma das características de uma federação é a descentralização e consequentemente a concessão de autonomia aos seus entes. Partindo do Teorema da Descentralização Fiscal (OATES, 1972), assume-se que os governos locais são mais bem informados sobre as preferências dos seus cidadãos que o Governo Federal e, logo, que a provisão descentralizada de bens e serviços públicos é mais eficiente que a promovida de forma centralizada. No entanto, existe aqui um choque entre as limitações do poder de tributação de governos subnacionais e a ampliação das suas responsabilidades quanto à provisão de serviços públicos essenciais, como a educação, saúde e infraestrutura urbana (REZENDE, 2010). No caso da AMB, essa dicotomia é exemplificada pela Pesquisa Metropolitana por Amostra de Domicílios de 2017/18 (CODEPLAN, 2018), que aponta que 63,0% do total de usuários de hospitais públicos do Novo Gama utilizam os serviços de saúde do Distrito Federal. Em Santo Antônio do Descoberto, esse valor corresponde a 29,4%, e na Cidade Ocidental, a 27,4%.

16A Constituição Brasileira, tendo em vista a eficiência promovida pela descentralização, colocou os municípios em um patamar de igualdade com estados e o Distrito Federal. Segundo Antinarelli (2012), não bastam a atribuição de autonomia política, a descentralização administrativa ou mesmo a cidadania participativa sem que sejam fornecidas condições aos poderes locais para concretizar políticas públicas capazes de resolver seus problemas – atentando para a consolidação da autonomia financeira. Em seu trabalho, a autora explora a dependência financeira dos municípios mineiros, encontrando que quanto menores os municípios de Minas Gerais, maior a dependência de transferências dos governos estadual e federal.

17Seus resultados mostram uma baixa capacidade arrecadatória dos pequenos municípios mineiros. Naqueles de até 10 mil habitantes, as receitas próprias - arrecadadas por meio de atividade direta do ente (IPTU, ITBI e ISS) - corresponderam a apenas 3% do total das receitas correntes em 2009, sendo as demais provenientes de transferências constitucionais e voluntárias da União e dos estados. Nos municípios entre 10 mil e 100 mil habitantes, essa proporção foi de 5%; naqueles entre 100 mil e 300 mil habitantes, de 9%; e por fim, nos acima de 100 mil habitantes (incorporando os grandes municípios), de 10%. A baixa eficiência arrecadatória e o alto grau de dependência financeira das outras esferas governamentais levantam o debate de que autonomia financeira municipal significaria ter capacidade não apenas de aplicar seus recursos, mas também de instituir e de arrecadar os tributos de sua competência. Na prática, porém, apenas a existência de um orçamento próprio não garante essa autonomia.

18Rezende e Garson (2006), em uma investigação dos problemas relativos ao financiamento metropolitano no Brasil, apontam algumas das características da composição das receitas metropolitanas. Entre elas, os autores destacam que os municípios-sede dependem principalmente de sua arrecadação própria, enquanto as transferências cumprem um papel muito menos significante no seu orçamento do que em outros municípios. No caso das periferias, estas abrigam um grande número de pessoas vivendo em condições irregulares de moradias precárias, apesar de o IPTU constituir a mais importante fonte de receita própria. Edificações de menor valor e transações informais explicam também a baixa arrecadação de ITBI. A combinação desses fatores leva a uma arrecadação per capita de tributos muito inferior à dos municípios-sede.

19Os dados dos autores, de 2002, indicam que 26,6% das receitas correntes dos municípios-sede foram provenientes de arrecadação dos principais tributos municipais (IPTU, ISS e ITBI). Nos demais municípios metropolitanos, essa proporção foi de 15,6%, enquanto nos demais, não metropolitanos, ela foi de 7,5%. Assim, foi identificada uma forte dependência do Fundo de Participação dos Municípios, importante transferência da União, para os municípios não metropolitanos, correspondendo a 24,4% das suas receitas. Nos demais municípios metropolitanos esse valor foi de 11,8% e nos municípios-sede, de 3,4%.

20Os autores destacam também que diferenças nas receitas per capita decorrentes de distorções acumuladas ao longo do tempo representam um obstáculo à cooperação nos interesses comuns das áreas metropolitanas. Além disso, a composição heterogênea do financiamento desses municípios reflete as imensas disparidades brasileiras: enquanto a arrecadação própria em municípios-sede da região Sudeste representa 39% de seus orçamentos, os mesmos municípios-sede das regiões Norte e Nordeste dependem de forma muito mais significativa dos tributos compartilhados e outras transferências, com 22% e 26% de arrecadação própria, respectivamente.

21Por fim, nas palavras de Furtado, Mation e Monasterio (2013), o fenômeno metropolitano gera discrepâncias entre os fatos geradores de tributos e as demandas locais. Em uma análise das finanças públicas metropolitanas, os autores encontram, na mesma linha de Rezende e Garson (2006), que municípios metropolitanos possuem significativamente menos recursos – entre receitas próprias e transferências - tanto em relação à sede metropolitana quanto aos municípios do interior. Além disso, eles possuem maiores dispêndios e menores resultados, sendo menos eficientes.

22Para reforçar os valores dos parâmetros presentes na literatura, destacamos alguns dos seus resultados. Para as regiões metropolitanas brasileiras entre 2000 e 2010, aproximadamente 20% da receita total das sedes metropolitanas foi proveniente de receitas tributárias próprias (IPTU, ITBI e ISS), enquanto que nas suas periferias metropolitanas essa proporção foi de menos da metade – atingiram 9% dos seus recursos orçamentários no ponto mais alto da série. É reforçada a relevância do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que representou, ao longo da série, valores entre 27% e 32% das receitas orçamentárias nessas periferias metropolitanas, na mediana. Nos municípios não metropolitanos, essa proporção variou entre 38% e 46%, e nas sedes metropolitanas, entre 12% e 16% das receitas.

  • 23 Os valores reportados encontram-se nas Tabelas 2 e 3 do Anexo.

23Uma vez delimitado o período recessivo e contextualizada a relação de dependência metropolitana, pretende-se aqui ilustrar como as finanças locais se comportaram entre 2005 e 2016, na intenção de identificar tanto possíveis tendências quanto o caráter cíclico da política fiscal de Brasília e de sua área metropolitana. Os valores apresentados estão a preços de 2016, corrigidos pelo IPCA, e é dado destaque ao triênio 2014-2016, que compreende o período recessivo. Os dados são anuais e provêm da execução orçamentária municipal e do Distrito Federal, disponibilizados pela Secretaria de Tesouro Nacional (BRASIL, 2017). Para fins de análise, são utilizadas as taxas de crescimento anualizadas, a juros compostos, ao longo de duas séries: i) durante o período anterior à recessão (2005-2013); e ii) ao longo da mesma (2014-2016). Também vale ressaltar que, devido à presença de valores discrepantes, foi adotada a mediana dos municípios na análise das contas da AMB.23

Composição das receitas da amb durante a recessão

24O comportamento das receitas correntes e sua composição, dividida entre arrecadação tributária e transferências correntes, podem ser visualizados nas Figuras 1 e 2, que ilustram respectivamente as receitas da PMB e de Brasília. Nota-se que municípios menores – tanto em receita quanto em população - possuem maior dependência das transferências do governo estadual e federal, como são os casos de Cocalzinho de Goiás (92,6% das receitas correntes), Padre Bernardo (88,7%) e Alexânia (81,9%). Por outro lado, entre os municípios maiores, essa dependência tende a ser menor, como em Águas Lindas de Goiás (82,6%), Luziânia (76,3%) e Valparaíso de Goiás (71,9%), e é muito menor no caso de Brasília (18,4%).

25As receitas correntes da PMB cresceram a uma acelerada taxa de 11,8% ao ano entre 2005 e 2013, muito acima do crescimento do DF, também acelerado, de 6,2%. Essa expansão das receitas correntes ocorreu de forma generalizada, com taxas variando de 8,5% (Luziânia e Novo Gama) a 14,0% (Cidade Ocidental), exceção feita a Cristalina, que apresentou dois picos discrepantes do restante da série, em 2012 e 2016.

26Durante o período recessivo, porém, o comportamento das receitas correntes foi distinto. Na PMB, o robusto crescimento da década anterior se retraiu abruptamente para uma taxa de 0,9%, ainda positiva, mas próxima de nula. Uma queda real das receitas correntes pôde ser percebida em vários municípios (Alexânia, Cocalzinho de Goiás, Formosa, Novo Gama, e Santo Antônio do Descoberto), assim como em Brasília, cuja retração foi de -1,5% – resultado inferior ao de sua área metropolitana.

Figura 1 - Receitas correntes, Receitas tributárias e Transferências correntes, Municípios da PMB, 2005-2016

Figura 1 - Receitas correntes, Receitas tributárias e Transferências correntes, Municípios da PMB, 2005-2016

NOTA: Cidade Ocidental e Planaltina não tiveram seus dados disponibilizados na base da STN para o ano de 2005.

Fonte: Brasil (2017a). Elaboração: Codeplan/Dieps

Figura 2 - Receitas correntes, Receitas tributárias e Transferências correntes, Distrito Federal, 2005-2016

Figura 2 - Receitas correntes, Receitas tributárias e Transferências correntes, Distrito Federal, 2005-2016

NOTA: Nos anos de 2015 e 2016 parte das transferências provenientes do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), que já eram realizadas anteriormente, passaram contabilmente pelo orçamento do governo local, não incluídas anteriormente. Para manter a comparabilidade da série, foram deduzidos os valores presentes no Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO), de autoria da Secretaria de Estado de Fazenda (SEF/DF) denominados Transferência da União para Educação e Saúde referentes a esses anos.

Fonte: Brasil (2017a). Elaboração: Codeplan/Dieps

27As receitas tributárias dos municípios da PMB cresceram a uma taxa de 14,7% entre 2005 e 2013. Esse crescimento foi superior ao das transferências correntes, de 10,5%, indicando uma tendência de aumento da participação de arrecadações próprias nas suas receitas correntes. Entre os 12 municípios contemplados, apenas Planaltina apresentou uma retração de sua autonomia financeira em relação às receitas correntes, com quatro municípios (Cocalzinho de Goiás, Formosa, Novo Gama e Valparaíso de Goiás) demonstrando crescimentos de suas arrecadações cinco ou mais pontos percentuais acima de suas transferências correntes.

28Durante o período recessivo, porém, esse comportamento se inverteu. As receitas tributárias agregadas desses municípios indicaram uma queda de -3,8% ao ano entre 2014 e 2016 enquanto suas transferências correntes se estabilizaram em um baixo crescimento, de 0,4% ao ano. Apenas três municípios da PMB mantiveram expansões de sua autonomia financeira (Águas Lindas de Goiás, Cocalzinho de Goiás e Planaltina), enquanto os demais se retraíram.

29Já Brasília não replicou o comportamento de sua área metropolitana. Entre 2005 e 2013, suas transferências correntes cresceram a 6,2% ao ano, mesma taxa que suas receitas correntes. Suas receitas tributárias, por sua vez, apresentaram uma taxa ligeiramente inferior, de 6,0%. Assim, ao contrário do presenciado na PMB, Brasília viu sua autonomia financeira sofrer um pequeno recuo no período anterior à recessão, com uma queda da participação de sua receita tributária de 1,2 pontos percentuais.

30Na recessão, porém, houve uma nova inversão desse comportamento, de forma que Brasília e sua área metropolitana indicaram trajetórias opostas. Enquanto suas receitas correntes e tributárias sofreram uma queda de -1,5% ao ano no período recessivo, nas suas transferências correntes esse valor foi de -1,9%, indicando uma recuperação relativa de autonomia financeira.

31A arrecadação tributária revela a grande heterogeneidade existente entre os municípios da PMB, bem como a disparidade entre Brasília e esses municípios. Em 2016, os principais tributos municipais (ISS, IPTU e ITBI) corresponderam a 7,5% das receitas correntes. Em comparação com Antinarelli (2012), esse valor se encontra entre aqueles verificados para os municípios mineiros do corte populacional de 10 mil a 100 mil habitantes, que foi de 5%, e o corte de 100 mil a 300 mil habitantes, de 9% (dados de 2009). De forma semelhante, Furtado, Mation e Monasterio (2013) identificam que essas receitas tributárias próprias corresponderam a cerca de 8% das receitas correntes dos municípios das periferias metropolitanas brasileiras entre 2000 e 2010. Já Rezende e Garson (2006), com dados de 2002, encontram que 15,6% das receitas correntes desses municípios provêm de seus três tributos próprios. Os valores dessa arrecadação por município da AMB estão indicados na Tabela 1.

Tabela 1 – Proporção dos impostos ISS, IPTU e ITBI nas Receitas correntes, Municípios da AMB, 2016

Município (ISS+IPTU+ITBI)/RC
Cocalzinho de Goiás 6,4%
Alexânia 9,3%
Padre Bernardo 3,6%
Cristalina 2,9%
Cidade Ocidental 11,8%
Santo Antônio do Descoberto 4,4%
Planaltina 6,3%
Novo Gama 4,7%
Formosa 11,8%
Valparaíso de Goiás 12,9%
Águas Lindas de Goiás 9,0%
Luziânia 8,5%
Brasília 11,4%
Brasília1 50,7%
Mediana AMB 7,5%

NOTA: Os municípios estão ordenados segundo volume populacional em 2015 (Tabela 1 no ANEXO).
1Considerando os tributos estaduais (ICMS, IPVA e ITCD).

Fonte: Brasil (2017b). Elaboração: Codeplan/Dieps

32Apesar da proximidade dos valores encontrados na literatura, a razão entre receitas tributárias próprias e receitas orçamentárias variou em um intervalo de dez pontos percentuais (entre 2,9% e 12,9% das receitas correntes) em 2016.

33No entanto, considerando as singularidades de como o Distrito Federal se constitui, agregando atribuições tanto de município quanto de estado, não faria sentido analisar apenas sua arrecadação de tributos municipais, uma vez que o ente também conta com tributos estaduais. Assim, incorporando à análise a arrecadação de IPVA, ITCD e, principalmente, de ICMS, a proporção apresentada na Tabela 1 para Brasília salta de 11,4% para 50,7% das receitas correntes em 2016. Essa disparidade entre o município-sede e os demais municípios metropolitanos se torna muito superior à encontrada na literatura.

34Para Furtado, Mation e Monasterio (2013), cerca de 20% da receita total das sedes provêm de receitas arrecadadas pelo próprio município, frente a aproximadamente 8% para os demais municípios metropolitanos – diferença de 12 pontos percentuais. A mesma diferença, encontrada por Rezende e Garson (2006), foi de 11 pontos percentuais. No caso da PMB, a diferença se revela de 4 pontos percentuais considerando apenas os tributos municipais, mas de 43 pontos percentuais agregando os tributos estaduais.

Despesas correntes

  • 24 A amostra do boletim contempla os municípios com mais de 100 mil habitantes.

35Segundo o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais (BRASIL, 2017), os municípios brasileiros24 apresentaram um crescimento de 7,1% das despesas correntes de 2015 para 2016. No mesmo período, os municípios da AMB apresentaram uma redução de -1,4%. No acumulado da recessão, esses municípios indicaram um aumento total de 2,3% em suas despesas correntes, enquanto que essas últimas cresceram a uma taxa de 10,2% ao ano entre 2005 e 2013.

36Segundo o mesmo boletim, um importante componente das despesas municipais é a despesa com pessoal que, nos municípios brasileiros, elevou-se em 9,5% de 2015 para 2016. No caso da AMB, houve, de forma oposta, uma queda de -1,6% dos gastos com pessoal nesse período. Antes da recessão o crescimento anual dos gastos com pessoal foi de 13,1%, contra um aumento acumulado de 1,5% durante a crise.

37A Figura 3 mostra o comportamento das despesas correntes nos municípios goianos da AMB e seus gastos com pessoal segundo a delimitação proposta em Santos et al. (2017). A uniformização desses gastos é necessária pois, segundo os autores, o que é entendido como gasto com pessoal para fins de reporte à Lei de Responsabilidade Fiscal por cada Tribunal de Contas pode variar tanto entre os entes quanto para um mesmo ente ao longo do tempo. Essa proposta de padronização das contas originalmente elaborada para as unidades da Federação foi aqui extrapolada para municípios.

Figura 3 – Despesas correntes e Gasto com pessoal, Municípios da PMB, 2005-2016

Figura 3 – Despesas correntes e Gasto com pessoal, Municípios da PMB, 2005-2016

NOTA: As informações de Gasto com Pessoal de Novo Gama e Santo Antônio do Descoberto não foram disponibilizadas para 2016. Também não foram consideradas as despesas correntes de Santo Antônio do Descoberto em 2016, valor correspondente a um décimo do anterior, interpretado como erro de preenchimento..

Fonte: Brasil (2017a). Elaboração: Codeplan/Dieps

38Similarmente às receitas correntes, as despesas correntes dos municípios da PMB apresentaram tendência de crescimento, com taxas variando entre 8,4% (Novo Gama) e 14,4% (Valparaíso de Goiás), no período anterior à recessão. Os gastos com pessoal cresceram cerca de três pontos percentuais acima dessas despesas, com taxas entre 10,6% (Luziânia) e 18,5% (Planaltina) ao ano nesse mesmo período.

39Essas taxas apontam para uma expansão relativa da participação dos gastos com pessoal nas despesas correntes. De fato, entre 2005 e 2013, apenas dois municípios (Cidade Ocidental e Valparaíso de Goiás) quebraram esse padrão, com poucos casos discrepantes, como Planaltina, que chegou a apresentar crescimentos anuais de seus gastos com pessoal 7,5 pontos percentuais acima de suas despesas correntes.

40Durante a recessão, alguns municípios passaram a apresentar não apenas retração no crescimento, mas quedas reais em suas despesas correntes, como Alexânia, Cidade Ocidental e Novo Gama, enquanto os demais apresentaram crescimentos positivos, mas consistentemente inferiores aos do período precedente. Os gastos com pessoal, de maneira similar, tiveram seu crescimento retraído de 13,1% para 1,3% durante a crise.

Figura 4 – Despesas correntes e Gasto com pessoal, Distrito Federal, 2005-2016

Figura 4 – Despesas correntes e Gasto com pessoal, Distrito Federal, 2005-2016

Fonte: Brasil (2017a). Elaboração: Codeplan/Dieps

41Em Brasília, as despesas se comportaram de forma similar aos municípios goianos de sua área metropolitana, embora com taxas inferiores (Figura 4). Entre 2005 e 2013, suas despesas correntes cresceram a uma taxa de 6,4%, pouco acima dos 6,2% de suas receitas. Houve uma expansão relativa de seus gastos com pessoal no período, que cresceram a uma taxa ainda maior, de 9,2%, resultando em uma forte expansão de sua participação nas despesas correntes, que era de 49,4% em 2005 e foi para 60,1% em 2013.

42Durante o período recessivo, esse comportamento passou a divergir. As despesas correntes, após subirem 13,3% de 2014 para 2015, atingindo o ponto mais alto da série, retornaram no ano seguinte aos patamares do início da recessão. Já os gastos com pessoal indicaram uma elevação menos acentuada, de 5,9% de 2014 para 2015, e uma queda mais intensa, de -16,1% em 2016, chegando a um nível inferior ao do início da recessão.

Conclusão

43Este capítulo se propôs a analisar como se comportaram as finanças da AMB de 2005 a 2016, com foco no período de crise, dado seu contexto federativo e metropolitano. Os resultados se encontram próximos aos parâmetros da literatura, exceto quando se acumulam as atribuições de Brasília de municipalidade e estado, o que exacerba as disparidades entre município-sede e periferia. Verificou-se que o período recessivo se refletiu nas receitas e despesas de forma pró-cíclica, conforme observado na literatura, e que gastos com pessoal foram penalizados pela necessidade de ajuste fiscal.

44As receitas, apesar de crescentes em todos os municípios observados, são opostas na sua composição: enquanto Brasília mostra forte autonomia, dependendo predominantemente da sua arrecadação própria, os municípios da PMB dependem fundamentalmente das transferências dos demais entes. Na PMB, quanto menores os municípios, maior tende a ser a dependência de transferências de outras esferas.

45No que se refere ao efeito do ciclo, foi verificada uma desaceleração notória das receitas. Tanto Brasília quanto a sua área metropolitana apresentavam taxas de crescimento aceleradas no período anterior à recessão, de 6,2% e 11,8% respectivamente, e quando a crise se iniciou suas taxas caíram para -1,5% e 0,9%.

46O crescimento das despesas da PMB caiu abruptamente no período de crise, enquanto em Brasília – onde o crescimento das despesas era ligeiramente superior ao das receitas antes da crise – houve um pico de gastos em 2015 que só registrou queda no ano seguinte, voltando ao patamar de despesas de 2014.

47Os gastos com pessoal, tanto em Brasília quanto na mediana dos municípios metropolitanos, cresciam a taxas mais aceleradas que as despesas antes da crise. Durante a recessão, ambos – gastos com pessoal e despesas correntes - foram incisivamente afetados, retraindo-se aproximadamente à mesma taxa na AMB. Já em Brasília, após o pico de gastos de 2015, a queda dos gastos com pessoal foi mais intensa que a queda das despesas.

48Um último ponto de destaque é que a dependência das transferências de outras esferas é relevante para se determinar o impacto de uma recessão sobre cada ente, objeto de estudo de futuras investigações. A maior dependência das transferências de outras esferas de governo, por municípios de menor porte, funciona por um lado como um colchão, amortecendo uma queda brusca das receitas, dado que a crise afeta as receitas tributárias de forma mais imediata; e por outro, confirma a baixa capacidade arrecadatória dos municípios de menor porte, já constatada na literatura.

49Por fim, a força com que a crise afetou as finanças da região é indiscutível e essencial para se analisar outros aspectos regionais. Não se pode ignorar, por exemplo, que a dinâmica do mercado de trabalho é afetada pela queda do gasto com pessoal, particularmente em Brasília, que é fortemente marcada pela presença do setor público.

Bibliographie

Referências bibliográficas

ANTINARELLI, M. E. P. B. Federalismo, autonomia municipal e a constitucionalização simbólica: uma análise da dependência financeira dos pequenos municípios mineiros. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 61, p. 445-472, 2012.

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Notes

22 Como apresentado no capítulo precedente de autoria de Bruno Cruz, o CODACE é um comitê independente de especialistas que tem como finalidade determinar uma cronologia de referência para os ciclos econômicos brasileiros, estabelecida pela alternância entre datas de picos e vales no nível da atividade econômica.

23 Os valores reportados encontram-se nas Tabelas 2 e 3 do Anexo.

24 A amostra do boletim contempla os municípios com mais de 100 mil habitantes.

Table des illustrations

Titre Figura 1 - Receitas correntes, Receitas tributárias e Transferências correntes, Municípios da PMB, 2005-2016
Légende NOTA: Cidade Ocidental e Planaltina não tiveram seus dados disponibilizados na base da STN para o ano de 2005.
Crédits Fonte: Brasil (2017a). Elaboração: Codeplan/Dieps
URL http://books.openedition.org/irdeditions/docannexe/image/35779/img-1.jpg
Fichier image/jpeg, 50k
Titre Figura 2 - Receitas correntes, Receitas tributárias e Transferências correntes, Distrito Federal, 2005-2016
Légende NOTA: Nos anos de 2015 e 2016 parte das transferências provenientes do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), que já eram realizadas anteriormente, passaram contabilmente pelo orçamento do governo local, não incluídas anteriormente. Para manter a comparabilidade da série, foram deduzidos os valores presentes no Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO), de autoria da Secretaria de Estado de Fazenda (SEF/DF) denominados Transferência da União para Educação e Saúde referentes a esses anos.
Crédits Fonte: Brasil (2017a). Elaboração: Codeplan/Dieps
URL http://books.openedition.org/irdeditions/docannexe/image/35779/img-2.jpg
Fichier image/jpeg, 32k
Titre Figura 3 – Despesas correntes e Gasto com pessoal, Municípios da PMB, 2005-2016
Légende NOTA: As informações de Gasto com Pessoal de Novo Gama e Santo Antônio do Descoberto não foram disponibilizadas para 2016. Também não foram consideradas as despesas correntes de Santo Antônio do Descoberto em 2016, valor correspondente a um décimo do anterior, interpretado como erro de preenchimento..
Crédits Fonte: Brasil (2017a). Elaboração: Codeplan/Dieps
URL http://books.openedition.org/irdeditions/docannexe/image/35779/img-3.jpg
Fichier image/jpeg, 44k
Titre Figura 4 – Despesas correntes e Gasto com pessoal, Distrito Federal, 2005-2016
Crédits Fonte: Brasil (2017a). Elaboração: Codeplan/Dieps
URL http://books.openedition.org/irdeditions/docannexe/image/35779/img-4.jpg
Fichier image/jpeg, 27k

Auteurs

Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná. Gerente de Monitoramento de Finanças e Avaliação da Gestão Pública da Companhia de Planejamento do Distrito Federal.

Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília. Estagiário da Gerência de Monitoramento de Finanças e Avaliação da Gestão Pública da Companhia de Planejamento do Distrito Federal.

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