É preciso frisar que a ideia de Brasília já se enraizou no espírito dos homens de boa vontade, dos que não têm outro interesse e outro alvo senão o de querer arrancar da improdutividade uma imensa extensão territorial brasileira. (KUBITSCHECK, 1958).

Introdução

1Considerando que a Área Metropolitana de Brasília – AMB - tem um longo caminho para ser formalizada, o desafio que se apresenta é o da efetiva integração em termos socioeconômicos e territoriais (PAVIANI, 2010). Para esse escopo, há que ultrapassar algumas barreiras. De fato, no processo de metropolização, houve prioridades para resolver o problema da moradia. Os setores público e privado não atentaram para que, além de suprir a população com habitação, haveriam de dotar cada localidade com atividades produtivas que gerassem postos de trabalho próximos. Ao longo dos 60 anos de construção da urbs, o Plano Piloto de Brasília foi o locus da oferta de oportunidades de trabalho, sobretudo as de maior remuneração. Por isso, a concentração de atividades é histórica. Todavia, há sinais de que, paulatinamente, a desconcentração se realiza por inércia e não por deliberação do planejamento urbano-metropolitano. Assim, fica patente que a concentração de atividades é uma das tantas vulnerabilidades da metrópole. Na evolução espacial, é sintomático que a população da periferia metropolitana, próxima e remota, ainda congestione as vias para chegar ao trabalho e/ou às outras atividades nas localidades do Distrito Federal (DF), sobretudo no Plano Piloto. Portanto, é grande o desafio das políticas públicas para mudar esse quadro e alterar a tendência descrita com iniciativas para tornar a periferia metropolitana atrativa a investimentos em atividades produtivas. A integração metropolitana requer alteração no atual “perfil de empregos”, que se esgotou por se basear nos serviços em geral e na administração pública. Para tanto, deve-se ampliar as pesquisas para mapear as potencialidades da AMB e alargar o conhecimento do quadro socioespacial, ao mesmo tempo em que se analisa quais são suas carências e fragilidades, em termos educacionais e quanto às infraestruturas. No que tange às possibilidades, sabe-se que a AMB3 está reduzindo sua dependência em relação ao centro: os trabalhadores ganham mais acesso a postos de trabalho próximos ao local de residência, mas a baixos salários. Por fim, no rumo da integração e do entendimento político, o ente metropolitano exigirá planos e programas para igualar a produção e a oferta de bens de uso e de consumo em cada um dos municípios componentes da AMB. É o que este trabalho pretende abordar. Inicialmente, é necessário percorrer a evolução urbana interna ao DF e, mais adiante, indicar a forma como os municípios limítrofes ensejaram a recepção de moradores do DF que preferiram morar em casa própria, em razão do elevado custo da terra, da habitação e dos aluguéis em Brasília.

Breve história da capital

2Brasília foi criada na época em que se desenrolava o ciclo da “Marcha para o Oeste”, da Era Vargas, e que visava preencher os chamados “vazios demográficos” do Planalto Central e da fímbria amazônica. Desde o Império havia a resolução da transferência da Capital, inscrita igualmente na primeira Constituição republicana, que se apoiou nos extensivos estudos fisiográficos da expedição Luís Cruls (CRULS, 1995), de 1892/1895, a qual realizou estudos no Quadrilátero Cruls (de 14.400 km²)4, a base para a tomada de decisão do governo Kubitschek, em 1957, de transferir a Capital da República para o Centro-Oeste, em território de Goiás.

3Vencido o concurso internacional por Lucio Costa, seu plano piloto desenhava Brasília coincidindo com o que ele denominava “borboleta”, referida pela população como “avião” – com destaque para suas Asas Sul e Norte. A evolução urbana, todavia, alterou profundamente a aspiração dos fundadores. Nos dias atuais o mapa nos oferece outra geografia do território do DF. A abertura de espaço para Taguatinga, a 22 quilômetros do Plano Piloto, em 1958, deu ensejo à multiplicação das então denominadas cidades-satélites - hoje 30 Regiões Administrativas (RAs) - ocupando diferentes sítios do território do DF (o Plano Piloto passou a ser, por força de lei, a RA 1 – completando as 31 existentes no DF).5 Em razão da espacialização da população, pode-se afirmar que a Capital poderia ter sido uma só, “fechada no Plano Piloto” e que abrigaria, quando concluída, 500.000 habitantes. O Relatório do Júri salientou:

[...] Diversas reuniões foram realizadas a fim de escolher, entre os 26 projetos apresentados, o que melhor serve para base da nova Capital Federal. Inicialmente, procurou definir as suas atribuições. De um lado, considerou-se que uma Capital Federal, destinada a expressar a grandeza de uma vontade nacional, deverá ser diferente de qualquer cidade de 500.00 habitantes. A capital, a cidade funcional deverá além disso ter expressão arquitetural própria. Sua principal característica é a função governamental. Em torno dela se agrupam todas as outras funções, e para ela tudo converge (IBAM, 1965, p. 362-364).

4De fato, o presidente do júri, Sir William Holford, deixou suas “impressões” sobre o projeto vencedor, destacando:

[...] Não creio que se possa projetar uma cidade-capital para ser aumentada indefinitivamente. Se o centro, o sistema de tráfego, os parques e os edifícios públicos são adequados para uma população eventual de meio milhão a 600.000 pessoas, serão inadequadas para uma população de um milhão ou a um milhão e meio (IBAM, 1965, p. 362-364).

5Por isso, Sir Holford recomendou incisivamente ser necessário “haver alguma limitação do crescimento da cidade-mãe, uma vez alcançado o tamanho mais aconselhável”. Foi aí, que não houve precaução alguma, mesmo porque não imaginavam os técnicos e políticos de então, que houvesse tamanho afluxo de trabalhadores para os canteiros de obras. Estes, nos primórdios, foram atrativos para goianos e mineiros e, posteriormente, para migrantes nordestinos, que escapavam da crise provocada pela seca no Nordeste, ao final dos anos 1950. Em razão das migrações para Brasília, a evolução urbana do DF, nos anos 1970 e 1980, alterou profundamente o quadro urbano e a aspiração dos fundadores. Nos dias atuais o mapa nos oferece outra geografia do território do DF.

Desemprego e desigualdade desagregadora da capital

6A cidade deixou de ser uma só, com polinucleamento ensejado pela localização das sucessivas localidades no território do DF (Figura 1), o que culminou em uma Brasília cinco vezes maior do que o teto sugerido por Sir Holford, atingindo 2,970 milhões de habitantes (AGÊNCIA BRASÍLIA, 2018). A Capital é espacial e economicamente desigual, como acentuado em algumas pesquisas, como a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), do DIEESE et al. (2018). Nela, foram classificados quatro grupos por renda auferida, em média, pela população. Ao se avaliar essa classificação, pensada para o mundo do trabalho e condições socioeconômicas, surge um desenho bem diverso ao designado no final dos anos 50 para o DF. Essa avaliação também oferece questionamentos a respeito dos resultados: Eles consolidam algum laço de coesão interna da Capital? Ou, contrariamente, o tecido socioespacial se esgarçou com a “centrifugação” da população no território?

7Confirma-se que a cidade deixou de ser uma só.

8Em sua fundação foi decidido que o Plano Piloto de Brasília teria como função precípua a de ações político-administrativas de Capital Federal. Com isso, estabeleceuse o parâmetro básico de sua funcionalidade. Assim, os serviços são predominantes, sendo os serviços públicos esteios dos demais, embora não sejam os que detêm o maior número de pessoas ocupadas. De fato, em outubro de 2018, o DF apresentou uma PEA de 1,671 milhão de pessoas, das quais 1,363 milhão estavam ocupadas e 308 mil encontravam-se desempregados, representando 18,4% da PEA. Todavia, essa taxa de 2018 é inferior à de março de 2017 - 20,7% ou 336 mil desocupados. A administração pública detinha 186 mil funcionários, enquanto os serviços (exceto a função pública) ocupavam 953 mil empregados. O comércio e a reparação de veículos empregavam 234 mil pessoas. Pouco destaque para a indústria de transformação – 45 mil empregados e a construção civil – 66 mil ocupados. Em outubro de 2018, a administração pública continuava com 186 mil funcionários e os serviços (exceto administração pública) possuíam 964 mil pessoas. O comércio e recuperação de veículos ocupavam 237 mil empregados. A indústria de transformação tinha 47 mil empregados e a construção civil, apenas 61 ocupados. No entanto, a PED de junho de 19946 indicava PEA menor – 772 mil pessoas – mas, 15% delas desempregadas – 116 mil –, o que significa aumento contínuo tanto da PEA quanto do desemprego revelador da preocupante carência de atividades. Tal situação mostra-se incapaz de atender os jovens e adultos que desejam trabalhar.

9Ao desdobrar o desemprego no território do DF segundo Regiões Administrativas agrupadas em quatro grupos de acordo com os níveis de renda média (ver Mapa 8 no Caderno de Mapas), chega-se à noção da desigualdade socioespacial, indicadora da desintegração de Brasília, como se verá a seguir, examinando a taxa de desemprego nesses grupos. Em outubro de 2017, enquanto a taxa média de desemprego no DF era de 18,8% da PEA, o Grupo de Alta renda apresentou menos da metade ou 7,6%. Em outubro, a taxa média de desemprego teve pequena queda (de 18,8% para 18,4%). Ainda em 2017, a taxa de desemprego do Grupo de Baixa renda chegava a 25,1%, com pequena queda (de 25,1 para 23,6%, em 2018). O Grupo de média-alta renda indica pequeno aumento e o Grupo de média-baixa renda mostra pequena queda em um ano, conforme Tabela 1.

Tabela 1 – Taxa de desemprego por grupos de RAs. Distrito Federal, 2017 e 2018

10Com o crescimento de Brasília e em razão do desemprego – com feições de ser estrutural -, a proposta que parece ganhar força é a mudança do perfil de empregos no DF. Para alterar o modelo existente, com o argumento de que já se nota o esgotamento dos empregos gerados pela atividade de “Serviços” (públicos e privados). Algumas perguntas devem ser levantadas, como referimos em outro artigo recente:

A Capital seria mais complexa ainda se, ao tempo de elaboração de seu projeto, fosse permitida a instalação de indústrias para atender a demanda por parte de sua população, tida como possuidora de elevada renda per capita – a mais elevada do país. As indústrias localizadas no DF são de pequeno porte e se destinam ao atendimento conspícuo, isto é, do cotidiano da maioria dos habitantes locais. Ampliar esse modelo poderia comprometer a qualidade das condições da natureza ou do meio ambiente. Poderia ter atraído mais atividades? Talvez sim, talvez não. Se sim, quais ramos industriais – não poluentes – teriam vantagens comparativas para aqui se instalar? Se não, qual a razão? Terrenos caros? Infraestrutura incompleta (aqui a ferrovia regrediu, ao contrário dos países desenvolvidos no qual esse modelo tem alentada quilometragem para atender cargas e passageiros), energia e água no limite de oferta pela elevada demanda atual. Além da infraestrutura a ser ampliada, quais as possibilidades de uma dada indústria contar com mão de obra capacitada? Teriam as cidades-satélites (RAs) – onde mora grande parte dos atuais desempregados – oferta de trabalhadores com diferentes níveis educacionais e de preparo técnico? Por fim, haverá vontade de empresários aqui investirem? (PAVIANI, 2018)

A área metropolitana de Brasília e a integração necessária

11Ao ser caracterizada,7 há algum tempo, a Área Metropolitana de Brasília (AMB) visava à integração geoeconômica, social e espacial no âmbito regional, pois os doze municípios de Goiás são territórios complementares ao DF. Assim, esses municípios goianos próximos ao DF,8 e o DF formam um todo, necessitando de maior complementaridade e formalização. A AMB é, portanto, um subespaço da Região Integrada de Desenvolvimento do DF e Entorno (Ride-DF), conforme pode-se ver no Mapa 5 no Cadeno de Mapas.

12Em 2018, houve mudanças na Ride9 e foi aprovado decreto que permite a criação da Região Metropolitana de Brasília.^.10 Pensa-se, agora, numa segunda etapa e avançando rumo a soluções de problemas emergentes em relação ao que foi estabelecido para a Ride por Lei Federal.

13Em que consistiriam os novos passos para integrar esses doze municípios e o DF? Primeiro, será necessário o reconhecimento da AMB por parte das duas instâncias da Federação, Goiás e DF. Este, há alguns anos, criou a Secretaria de Estado de Desenvolvimento da Região Metropolitana, em substituição da Secretaria de Estado do Entorno do DF, que se constituiu em primeiro passo. A Secretaria foi extinta pelo governo Rodrigo Rollemberg e recriada por Ibaneis Rocha, que o sucedeu. Foram divulgadas iniciativas do DF e do governo de Goiás para integração da Região.11

14Atualmente, não se pode esperar que o desenvolvimento se dê “por manchas de óleo”, como se difundia nos anos 60. E não vai acontecer porque a matriz parece não dispor de capacidade de investimento para metas dessa estrutura regional. Aliás, o GDF não tem como aplicar recursos em outro Estado por falta de amparo legal. Portanto, uma nova ação surgiria no sentido dos entendimentos, como referido, entre o DF e o Estado de Goiás, isto é, convênio, parceria, ou gabinete conjunto que consubstanciasse múltiplas tarefas conjuntas. Nessas tarefas bilaterais, planos e programas iriam, a priori, levantar as potencialidades do subespaço, sobretudo dos doze municípios componentes do anel metropolitano. Será estratégico que se pense na PMB não como problema, mas como solução futura para o desenvolvimento regional.

15Devem compor as estratégias para alavancar a Ride-DF: dotar a PMB de infraestrutura completa, observando suas potencialidades; construir ferrovias para o transporte de passageiros e de cargas; aumentar o potencial de fornecimento de energia para atender as demandas de novas indústrias, comércio e serviços, implantar redes de esgotamento sanitário e de águas pluviais, bem como de abastecimento de água para novas atividades e para a população, estimada em quase 1,2 milhão de habitantes em 2020 (Anexo – Tabela 1); incrementar a oferta de Educação plena da creche ao ensino superior, construir novas Unidades de Pronto Atendimentos (UPAs) e hospitais regionais – públicos e privados – para atender a população.

16Além disso, em razão de o Plano Piloto deter o maior contingente das atividades de maior remuneração, atrai trabalhadores das demais RAs e da PMB, colaborando para manter a maior hierarquia como core da Capital e da metrópole. Por isso, o Plano Piloto se capacita a ser o integrador das 30 cidades-satélites, embora já se note tênue surgimento de outros subcentros, sendo os mais evidentes o de Taguatinga/Ceilândia/Samambaia e os emergentes Gama e Sobradinho.12

17O surgimento de subcentros, todavia, não amortece os movimentos pendulares para o trabalho e a procura de serviços, seja das RAs seja do colar metropolitano. Isto é evidente na lentidão ou mesmo na congestão do tráfego em direção ao Plano Piloto, diariamente. O movimento centrípeto é maior, no período da manhã, na BR 010 – que serve Planaltina (Brasilinha) para o DF; na BR 020, a qual liga Planaltina, Sobradinho e condomínios ao Plano Piloto; a BR 040, a qual liga o fluxo de veículos dos municípios goianos ao sul do DF, de Santa Maria, Gama e Recanto das Emas; a BR 060 serve aos que se deslocam de Samambaia, Riacho Fundo, Riacho Fundo 2 e Taguatinga Sul; e a BR 070 serve aos procedentes de Águas Lindas de Goiás para o DF. As mais congestionadas são as BRs 20, 40, 60 e 70 (Figura 3), com destaque para a Estrada Parque Taguatinga (EPTG) e a Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA), em razão do afluxo de pessoas para trabalhar no Plano Piloto, pela manhã, e em sentido contrário no fim da tarde.

18Para uma visão abrangente da mobilidade e tráfego urbanos do DF, há Textos para Discussão (TDs) elaborados por técnicos da Codeplan.13

19Como o metrô de Brasília é insuficiente e o transporte coletivo por ônibus é precário, o refluxo, ao fim da tarde, igualmente ocasiona enormes congestionamentos. Por isso, a utilização de automóveis é extensiva e, apesar da duplicação das rodovias, o tráfego e a mobilidade são gargalos de difícil solução, mantidos os modais em uso (PAVIANI, 2016).14

À guisa de conclusão

20A rapidez do povoamento e a evolução urbana da Capital Federal, demonstrada nos censos do IBGE, não levaram como previu Lucio Costa ao “desenvolvimento planejado da região”. Pelo contrário, tanto interna como externamente ao DF, o crescimento urbano aconteceu por projetos pontuais, executados tanto pelo poder público como pela iniciativa privada. Assim, em decorrência do custo da terra no DF, dois movimentos ocasionaram - a) sucessivas transferências de moradores de favelas do Plano Piloto, surgimento de “condomínios rurais” e doação de lotes em novos núcleos habitacionais; b) a opção de muitos moradores por terrenos mais acessíveis em loteamentos privados nos municípios da PMB, principalmente em Luziânia, Cidade Ocidental, Águas Lindas de Goiás, Valparaíso de Goiás e Santo Antônio do Descoberto, hoje com volumosa população urbana. Esse processo motivou a formação de extensa periferia, nos moldes assemelhados aos das demais metrópoles brasileiras.

21Na direção da integração e funcionalidade da AMB, as ações sugeridas devem estar presentes na agenda de ambos os parceiros, DF e Goiás, com forte apoio do Governo Federal para que sejam incluídas em programas e planos para desenvolvimento regional a médio e longo prazo. O futuro da AMB requer essas iniciativas para que avance e possa ter crescimento socioeconômico para não estar no ranking de região deprimida.

22Ao concluir, importa repetir: será fundamental e necessária a integração regional, se houver ânimo para estabelecer políticas públicas que superem limites e administrações das unidades federativas envolvidas. O processo poderá ser demorado. Demandará não apenas ações internas do GDF, mas também solidariedade e parceria com o Estado de Goiás. Por isso, programas e projetos do Governo Federal devem ter um olhar para toda a AMB, pois ela poderá apresentar não apenas problemas, mas constituir acervo de potencialidades em direção ao desenvolvimento socioespacial – integrando as duas Unidades da Federação.