Branqueamento de pele

Isabel Pires et Chiara Pussetti

p. 48-51


Texte intégral

1Branquear voluntariamente a pele não é algo de novo na história da humanidade.

2O uso cosmético de substâncias de branqueamento da pele é uma prática que se encontra um pouco por todo o globo: da Europa à Ásia, do Médio Oriente à África ou às Caraíbas, passando pela América, do Norte ao Sul. De igual forma, é transversal do ponto de vista de idade, género, situação económica, nível de escolaridade ou profissão.

3Apesar dos motivos serem pessoais, transpondo os indivíduos a prática constitui-se como um fenómeno social, intimamente relacionada com questões de “raça” e de classe social.

4Das várias investigações realizadas sobre este tema, as opiniões unanimes sugerem que adquirir um tom mais claro de pele significa, para os seus executantes, que se está a tentar adquirir, ou demonstrar, uma elevação de estatuto social.

5Ainda centrada na beleza normativa branca – vejam a cultura popular, onde um individuo que encarna o “sucesso” é, invariavelmente, branco, jovem, heterossexual – ostentar uma pele clara revindica uma posição de privilégio.

6Para muitas pessoas, tornar a pele mais clara não significa apenas torna-la, aos olhos dos padrões hegemónicos, mais bonita. Esta questão vai muito para além da beleza aos olhos de quem a vê.

7A correlação pele clara-sucesso é inequívoca: melhores oportunidades escolares, laborais ou matrimoniais. Mas não é única: correlaciona-se também com o local onde se habita, a sua salubridade, a esperança média de vida, a mortalidade infantil.

8A ideia de “branquitude” – disseminada pela colonização europeia, mas que encontrou eco em sociedades já marcadas por hierarquias sociais rígidas – está associada a valores morais positivos e a múltiplos privilégios estruturais. Pessoas mais claras são percebidas como mais atraentes, mas também mais educadas ou sofisticadas. Mais inteligentes até.

9Se na Ásia se utilizava, desde tempos longínquos, pó de arroz para conseguir uma pele de porcelana ou jade, símbolo de virtude e pureza, quase todos os produtos cosméticos a partir do séc. XVI na Europa, eram direcionados para o branqueamento da face. A ideia de requinte manteve-se.

10Hoje, encontramos em qualquer supermercado, farmácia, drogaria ou perfumaria, loções que prometem uma pele “pura”, “perfeita”, “luminosa”, “glamorosa”, “angelical”, “luxuosa”, perpetuando a ideia de pele branca como “melhor”.

11Todavia, quem procura aclarar a pele (dito muitas vezes tonalizar), procura também outros produtos que, devido aos seus constituintes, são potencialmente perigosos para a saúde, não apenas da pele, mas de forma geral. Chumbo, mercúrio, corticoides de larga potência, hidroquinona. Também formulações caseiras, com lixivia, pasta de dentes, líquido de bateria de carros ou detergentes de limpeza. Tudo depende da capacidade monetária para adquirir estes produtos.

12Durante os anos de investigação do projeto deparámo-nos com muitos destes produtos cosméticos – para além de cremes, também comprimidos, supositórios e injeções – vendidos de forma não controlada legalmente, em supermercados ou salões de estética.

13Se os médicos dermatologistas desconhecem estas práticas, também a maioria dos indivíduos que as pratica não está consciente dos seus riscos: queimaduras, infeções, glaucoma, hipertensão, diabetes, problemas renais, hepáticos e neurológicos – dependendo do composto utilizado.

14O risco impende sobretudo sobre as mulheres, as principais consumidoras – afinal, não é sobre elas que o Mito da Beleza pesa? – mas também sobre crianças, mesmo durante a gravidez.

15Ouvindo as experiências das pessoas implicadas entendemos quão imbricada está esta prática em relações históricas, sociais, políticas e económicas. Mas também afetivas e íntimas.

16Assumindo a perpetuação das heranças coloniais, que racializam ainda hoje a maneira como olhamos o nosso corpo e a nossa pele, é necessário, mais do que nunca, descolonizar a beleza.

***

Skin bleaching

17Voluntary whitening of the skin is not new in human history. The cosmetic use of skin whitening substances is a practice that can be found all over the globe: from Europe to Asia, from the Middle East to Africa over the Caribbean to America, from North to South. Not only geographically, it is also transversal from the viewpoint of age, gender, economic situation, level of education and profession.

18Although the motives to engage in skin whitening are personal, the practice is a social phenomenon, closely related to issues of “race” and social class.

19From the various researches conducted on this topic, the unanimous opinions suggest that acquiring a lighter shade of skin means, for its performers, that one is trying to acquire, or demonstrate, an elevation of social status.

20When we look at popular culture, where an individual who embodies “success” is invariably white, young and heterosexual, we can see that light skin revendicates a position of privilege.

21This focus on normative white beauty further means that for many people, making their skin lighter does not only mean making it more beautiful, in the eyes of hegemonic standards. It reaches well beyond the old saying “beauty lies in the eye of the beholder”.

22The correlation between fair skin and success is unequivocal: it gives you better opportunities in school, in work or in marriage. And that the benefits go even further: it improves the place where you live, its healthiness, your life expectancy and even infant mortality.

23The idea of “whiteness” – disseminated by European colonization and echoed in societies already marked by rigid social hierarchies – is associated with positive moral values and multiple structural privileges. Lighter people are perceived as more attractive, are also more educated or sophisticated, even more intelligent.

24Colorism (which is discrimination by skin tone within communities of the same color) marks a clear relationship between opportunities for social mobility, ethical-racial discrimination and social exclusion… of those who do not conform.

25When in Asia, since ancient times, rice powder was used to achieve a porcelain or jade skin, symbol of virtue and purity; almost all cosmetic products since the 16th century onwards in Europe were aimed at whitening the face. The idea of refinement remained.

26Today, we can find in any supermarket, pharmacy, drugstore or perfumery lotions that promise a “pure”, “perfect”, “luminous”, “glamorous”, “angelic”, “luxurious” skin, perpetuating white skin as “better”.

27However, those who seek to lighten their skin (also called toning), also seek other products that, due to their composition, are potentially dangerous for the health, not only for the skin but also in general. Think of components as lead, mercury, high potency corticoids and hydroquinone. Also, homemade formulations, with bleach, toothpaste, car battery fluid or cleaning detergents. Everything depends on the purchasing capacity to acquire these products.

28During the years of project research, we came across many of these cosmetic products – in addition to creams, also tablets, suppositories and injections – sold without legal framework in supermarkets or beauty salons.

29If even dermatologists are unaware of these practices, then most individuals who use them are certainly unaware of the risks: burns, infections, glaucoma, hypertension, diabetes, kidney, liver and neurological problems - depending on the product used.

30Women, who are the main consumers, are most at risk. After all, isn't it on them that the Beauty Myth weighs? But the risk goes further, to – children and pregnant women.

31Listening to the experiences of the people involved, we understand how imbricated this practice is in historical, social, political and economic relations.

32Assuming the perpetuation of colonial heritages, which still today racialize the way we look at our bodies and our skin, it is necessary, more than ever, to decolonize beauty.


Le texte seul est utilisable sous licence Licence OpenEdition Books. Les autres éléments (illustrations, fichiers annexes importés) sont « Tous droits réservés », sauf mention contraire.