Experiência e práticas governativas num império de distâncias
A carreira de Jerónimo de Azevedo (séculos xvi e xvii)
p. 127-141
Texte intégral
A experiência no governo de um império de distâncias
1O império ultramarino português era um império de distâncias, distâncias que colocavam enormes desafios à sua governabilidade1. Por essa razão, desde muito cedo se procurou introduzir soluções administrativas que passavam, inevitavelmente, pela escolha dos indivíduos que ocupariam os cargos governativas nas múltiplas geografias do império. O problema colocado pelas distâncias era mais evidente ainda no caso do Estado da Índia. Acreditava-se, naturalmente, que, quanto mais distantes dos centros de poder, mais desligados estariam estes territórios dos interesses da Coroa e mais entregues aos proveitos próprios dos oficiais portugueses que por lá andavam e que negligenciavam a luta contra os inimigos do Estado da Índia em prol de benefícios económicos e comerciais individuais. De facto, a enorme dilatação do Estado da Índia não se traduzia apenas nas dificuldades práticas de governabilidade ou nos elevados custos de manutenção de tão largas distâncias, exacerbados por todas as ameaças que os portugueses enfrentavam para lá do cabo da Boa Esperança. A distância abria também portas para uma grande autonomia governativa por parte das autoridades e poderes ultramarinos portugueses, autonomia essa que foi simultaneamente o problema e a solução. Solução porque a morosidade de comunicação e transmissão de ordens e decisões régias tornava impraticável a dependência permanente dos polos de decisão que se articulavam entre Madrid/Valladolid e Lisboa. Problema porque o controlo efectivo por parte da Coroa e da monarquia, bem como a aplicabilidade das decisões régias, eram de muito difícil concretização, se não impossível2.
2Se a autonomia governativa era tão problemática quanto necessária, o governo da distância obrigava a uma escolha minimamente criteriosa dos agentes nomeados para representar a Coroa nos territórios ultramarinos e para exercer autoridade em nome dela. A criteriosidade nos processos de nomeação, por sua vez, ainda que variasse consoante a importância do cargo a ser ocupado, passava invariavelmente por um requisito: a experiência. Experiência governativa, experiência no império, experiência militar. Esta era recorrentemente invocada no governo quotidiano das matérias ultramarinas, ora para justificar nomeações, ora para justificar decisões, ordenadas ao longe ou tomadas in loco. Por outras palavras, a experiência fazia parte do dia-a-dia do governo do império.
3A experiência era um atributo sempre exigido na nomeação de indivíduos e provimento de cargos para o governo do império, quer na metrópole, quer nos territórios ultramarinos, ainda que na hierarquia de atributos necessários para o governo ultramarino não ocupasse sempre a mesma posição, sendo ponderada a par de outros aspectos como a riqueza e, sobretudo, o estatuto social. No caso dos cargos e serviços desempenhados na administração central — os mais almejados porque associados a benefícios sociais mais compensadores3 e oferecidos muitas vezes como remuneração dos serviços prestados nos espaços ultramarinos —, um bom exemplo do peso da experiência é a escolha do presidente do efémero Conselho da Índia. Aqui, a experiência era elemento fundamental para a nomeação do presidente, ainda que indissociável do lugar do candidato na hierarquia social, e traduzia-se na anterior ocupação de cargos de chefia militar ou política, presença em campanhas militares na Índia, governo de praças ultramarinas, ou capitanias de armadas4. A curta existência do conselho, criado em 1604 e extinto em 1614, só lhe permitiu conhecer três presidentes, qualquer um deles com experiência no governo ultramarino, ainda que maioritariamente na Ásia, espaço então privilegiado à hora de conceder benefícios à fidalguia5
4A mesma relação entre a experiência e o estatuto de fidalguia se apresentava como necessária à hora de atribuir os cargos ultramarinos. Para cargos maiores, por exemplo o de governador ou vice-rei, a exigência de autoridade social era maior, uma vez que o estatuto social reconhecido legitimava o exercício de poder. Na Índia, aliás, como apontam Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro, os cargos de governo superiores, bem como a maioria das fortalezas na Ásia, foram atribuídos quase sempre a «fidalgos inquestionáveis», tendência que se manteve até ao século xviii, não só na Índia como nas restantes partes ultramarinas6. Já no caso de cargos menores, como por exemplo os de capitães-mores no Brasil, era costume seleccionar-se indivíduos de menor estatuto social que tinham à partida, por essa razão, uma maior predisposição para depender de e obedecer a quem estava hierarquicamente por cima7.
5O peso da experiência nos processos de nomeação, por outro lado, também variou consoante as conjunturas, como o demonstraram Mafalda Soares da Cunha e Nuno Gonçalo Monteiro nos seus estudos sobre o recrutamento e caracterização social dos governantes no império ultramarino português8. Em territórios com conflitos acesos e necessidades militares mais prementes, acontecia a Coroa aligeirar as exigências, quaisquer que elas fossem e nomeadamente a experiência. O mesmo acontecia nos territórios em que o recrutamento era mais difícil por a aceitação por parte dos nomeados encontrar maiores relutâncias. Era o caso da Índia, sobretudo a partir do século xvii, onde os riscos eram demasiados, pese embora as honras associadas a estes cargos, que muito deviam ao facto de a guerra aqui ser maioritariamente contra os muçulmanos, o que no imaginário militar da nobreza constituía uma dignidade maior do que a luta contra indígenas americanos ou africanos. Por exemplo, notaram os autores que no que diz respeito aos cargos de vice-rei e governadores do Estado da Índia o panorama alterou-se bastante a partir de meados do século xvii: se durante a centúria de quinhentos e primeira metade de seiscentos, o peso da experiência e dos serviços anteriormente prestados na Índia era determinante, a partir de meados do século xvii, foi desvalorizado, face às estratégias de fidelização utilizadas pela monarquia9.
6Por outro lado, ainda que a discussão de assuntos ultramarinos por parte de conselheiros e ministros que nunca tinham saído da corte acontecesse amiúde, também era frequente estes ministros reconhecerem a sua falta de conhecimento sobre muitas das matérias que estavam em cima da mesa. Nessas alturas convocavam-se os pareceres de gente «prática e informada». Só isso explica, por exemplo, o sucesso e boa recepção de muitos arbítrios e arbitristas, sobretudo aqueles que baseavam os seus avisos ou alvitres na experiência de muitos anos de serviço10.
7A experiência teve um lugar maleável, mas sempre presente, no governo do império ultramarino. Era um elemento central na atribuição de funções ou cargos metropolitanos e ultramarinos, ainda que andasse sempre a par com o estatuto de fidalguia. Reconhecida como indispensável ao bom governo do império, esteve também na origem de alguns conflitos e tensões entre representantes metropolitanos e ultramarinos, sendo a sua ausência apontada como responsável por más decisões e revezes sofridos nas partes ultramarinas. A experiência necessária ao bom governo, por outro lado, não se encontrava apenas nos agentes e representantes da Coroa, independentemente do espaço em que exerciam as suas funções, mas buscava-se muitas vezes em indivíduos que tinham circulado pelo império, e que conheciam bem os seus espaços, os seus equilíbrios e desequilíbrios. Como se verá em seguida, através de uma análise mais próxima ao percurso de Jerónimo de Azevedo, a experiência é um factor determinante também na construção de uma carreira ultramarina, sobrepondo-se, inclusivamente, a outros aspectos fundamentais como a justiça ou o bom governo.
Experiência em prática: a carreira de Jerónimo de Azevedo
8Dom Jerónimo de Azevedo foi um fidalgo português nascido, de acordo com algumas fontes, em 1540, filho ilegítimo de Dom Manuel de Azevedo (1486-1578), senhor das honras de Barbosa, e neto de Dom João de Azevedo (ca. 1430-1517), bispo do Porto. Foi irmão do beato Inácio de Azevedo (1526-1570), martirizado juntamente com 39 companheiros jesuítas por um grupo de huguenotes, quando a caminho do Brasil para onde tinha acabado de ser eleito Provincial da Companhia de Jesus11. Fez toda a sua carreira no Estado da Índia, para onde terá ido ainda novo. Foi capitão-mor de diferentes armadas durante mais de dez anos, nomeadamente da armada da costa do Malabar, capitão-geral de Ceilão durante uns longos 18 anos (1594-1612), e vice-rei da Índia durante cinco anos (1612-1617). Se é certo que o objectivo principal dos fidalgos nascidos no reino que serviam na Índia em cargos cimeiros era recolher as honras dos seus serviços no regresso ao reino, onde aspiravam morrer12, também eram vários os indivíduos cujos objectivos de carreira, poder e riqueza se concentravam na Ásia. Jerónimo de Azevedo seria um destes «coloniais» do Estado da Índia13.
9A carreira de Jerónimo de Azevedo foi marcada por cargos ocupados durante largos períodos de tempo, episódios de aclamada bravura e por polémicas recorrentes. Se pouco se sabe sobre os seus primeiros anos na Índia e sobre as acções que levaram à sua nomeação como capitão-mor da costa do Malabar, a correspondência sobre os seus anos enquanto capitão-geral de Ceilão e enquanto vice-rei da Índia é bastante prolífera, corroborando as muitas páginas que lhe dedicou também a cronística seiscentista. Neste seu percurso ascendente, a sua experiência, sobretudo militar, parece ter sido decisiva. É certo que a sua condição de fidalgo também não terá sido alheia a estas nomeações. No entanto, enquanto fidalgo, não se classificaria como parte da primeira nobreza do reino, era filho ilegítimo e do pai não herdou qualquer título. Assim, a análise das muitas fontes ao respeito leva-nos a crer que a experiência acumulada nos diferentes cargos, sobretudo a experiência na guerra na Ásia, foi factor fundamental, sobrepondo-se, inclusivamente, às muitas polémicas que rodearam esta figura ao longo de toda a sua carreira.
10Depois de ter servido em Moçambique, o primeiro cargo de relevo de Jerónimo de Azevedo terá sido o de capitão-mor da armada da costa do Malabar, teatro onde já tinha participado em várias campanhas como capitão de navio, ao lado de figuras como Matias de Albuquerque ou André Furtado de Mendonça. No início da década de 1580, por exemplo, fez parte da armada comandada por Matias de Albuquerque, ao lado de um dos seus irmãos, Dom Manuel de Azevedo14. Em 1586, ainda seria nomeado como capitão-mor da armada enviada para Malaca para defender esta cidade do sultão de Johor15, para voltar pouco depois aos mares do Malabar, onde terá sido nomeado capitão-mor da sua armada, por volta de 1590,16 um cargo que terá ocupado até à sua nomeação para a capitania-geral de Ceilão. As várias batalhas que travou enquanto capitão-mor de armada ter-lhe-ão trazido fama e sido fundamentais para a escolha que nele recaiu para a conquista de Ceilão. Manuel de Faria e Sousa dá conta, por exemplo, que em 1587, Dom Jerónimo de Azevedo, depois da empresa de Malaca, socorrera a cidade de Cochim, «com zelo fidelíssimo, com liberalidade grande, y com dichosa presteza. Fue lo mismo que resuscitarla»17.
11É na nomeação para o cargo de capitão-mor do Malabar que encontramos a primeira grande polémica em torno de Jerónimo de Azevedo. É que no momento em que foi nomeado para o cargo respondia pela morte da mulher por adultério, em Moçambique, e ainda que o ouvidor da fortaleza de Moçambique tivesse decidido a seu favor, o processo ainda corria na Relação de Goa sem que se tivesse produzido sentença. Por essa razão, a sua nomeação não agradou a Filipe I — Felipe II de Castela —, que numa carta enviada ao então vice-rei da Índia, Matias de Albuquerque, mostrava o seu desagrado, pedindo ao vice-rei que pressionasse o tribunal para finalizar o processo contra Dom Jerónimo de Azevedo, pois tendo sido nomeado capitão-mor da armada do Malabar não era conveniente que estivesse a responder por um crime de tamanha gravidade: «ainda que nele concorram as partes que escreveis para o encarregardes desta armada é de tanta consideração não estar livre da morte de sua mulher que me parece dever-vos mandar que façais nisto toda a diligência necessária a bem da justiça»18.
12Para o rei, a boa administração da justiça era o mais importante:
E sempre haverei por meu serviço que em casos semelhantes se façam todas as diligências que convém para justificação e clareza da justiça e das partes que a tiverem se por ventura faltar quem por elas a requeira pelo desamparo que muitas vezes há nestas tais cousas, e da resolução que se nesta matéria tomar vos encomendo me aviseis, e que hajais por um dos principais pontos de governo assim na paz como na guerra dar-se à justiça o primeiro lugar que consiste em se ter mais respeito a ela que a outras coisas que ainda que necessárias ficam acessórias19.
Alertava ainda Filipe I que, de futuro, as nomeações para cargos de relevo não recaíssem sobre indivíduos que estivessem em situação similar, culpados por crimes sem terem sido julgados, independentemente do seu valor20. No ano seguinte, em 1595, uma outra carta enviada pelo rei para o vice-rei Matias de Albuquerque dava mais algumas informações: afinal, Jerónimo de Azevedo era acusado de duas mortes e o tribunal da Relação de Goa já havia, inclusivamente, decidido pela sua culpa, não estando ele delas «livre nem posto em livramento, tendo-se assentado na Relação dessas partes por duas vezes que lhas não perdoásseis». Filipe I estranhava, assim, a escolha de Matias de Albuquerque e ordenava que o vice-rei fizesse «logo livrar [Dom Jerónimo de Azevedo] das ditas mortes»21. Matias de Albuquerque, provavelmente, assim o fez22.
13A gravidade da culpa era inegável no caso da morte da mulher de Dom Jerónimo de Azevedo, mas a sua actuação ao serviço do Estado da Índia continuava a ser louvada, como cedo se tornaria evidente pela sua nomeação para a capitania-geral do Ceilão. Assim já o indiciavam as cartas que chegavam do reino a esse respeito, enviadas quando Jerónimo de Azevedo ainda serviria como capitão-mor do Malabar. Em 1596, em cartas enviadas por Filipe I ao vice-rei da Índia, agora Dom Francisco da Gama, o rei procurava averiguar se Jerónimo de Azevedo já estava livre da acusação da morte da mulher, ao mesmo tempo que indagava se o capitão continuava a proceder bem no seu serviço. A carta do rei, no entanto, adquiria agora um tom diferente: o rei ordenava o vice-rei que fizesse justiça a Jerónimo de Azevedo de modo a que se separasse aquele processo dos seus méritos pessoais23. Pouco tempo depois, numa outra carta enviada ao mesmo vice-rei, Filipe I volta a recomendar que se faça justiça aos relevantes serviços prestados por Jerónimo de Azevedo24. O que é certo é que, em 1594, Dom Jerónimo de Azevedo seria nomeado capitão-geral do Ceilão, cargo criado no mesmo ano25, e, apesar de não se conhecer nenhum documento onde os argumentos para a sua nomeação se encontrem plasmados, nem tão-pouco as instruções com que foi incumbido, uma das principais razões para a sua escolha foi, sem dúvida, a sua experiência de guerra e liderança nos mares asiáticos, bem como, provavelmente a experiência já adquirida nas matérias de Ceilão, onde já havia peleado em mais do que uma ocasião26.
14O largo tempo em que serviu no Ceilão foi, porventura, o cargo mais marcante da sua longa carreira na Índia, podendo-se mesmo afirmar que Jerónimo de Azevedo foi a figura deste ambicioso, e violento, projecto de conquista. A «conquista do Ceilão», como a ela se referiram as fontes coevas, foi um duradouro processo, desenvolvido entre a última década do século xvi e meados do século xvii (ca. 1590-1658), em que os portugueses procuraram a ocupação integral da ilha do Ceilão, desde onde se acreditava ser possível a recuperação de toda a Índia, no caso de ela se perder27. A pretensão de ocupar integralmente o território obrigou a um confronto directo e intenso com as populações nativas, já por si divididas por complexas relações de rivalidade e conflito, resultado da diversidade política, social, étnica e religiosa que as caracterizavam28. Foi por isso um processo extremamente violento que autores como Diogo do Couto ou Fernão de Queiroz descreveram com detalhe29. Enquanto capitão-geral da conquista do Ceilão, Jerónimo de Azevedo teve um papel central neste processo: tentou eliminar a ameaça dos reis locais e de outros opositores jogando com as alianças e rivalidades internas, construi fortes em todo o território, procurou recuperar territórios perdidos e tentou conquistar novos territórios e reinos na ilha.
15Este não foi, contudo, um período menos repleto de controvérsias e a sua actuação ao longo dos dezoito anos em que serviu como geral da conquista do Ceilão colheu tantos louvores como reprimendas, tanto por parte dos vice-reis e governadores do Estado da Índia, como por parte dos próprios monarcas Habsburgo. De Madrid e de Lisboa chegavam recorrentemente às mãos dos governantes do Estado da Índia pareceres tão contraditórios como as informações que a eles lhes chegavam, ora enaltecendo os feitos protagonizados por Jerónimo de Azevedo, ora condenando a sua conduta e exigindo que as suas acções fossem averiguadas. Chegado havia pouco tempo ao Ceilão, já o rei se congratulava com as boas novas enviadas por Matias de Albuquerque que, depois da morte de Pero Lopes de Sousa, o primeiro capitão-geral daquela conquista e antecessor de Jerónimo de Azevedo, e de outros fidalgos e soldados que com ele tinham sido mortos ou capturados, alimentavam «as esperanças bem fundadas de não somente se restituir o perdido, mas de se ganhar o desejado»30.
16O contentamento pelas suas acções tão depressa era demonstrado como substituído pela preocupação em relação à sua conduta. As queixas sobre Jerónimo de Azevedo não tardaram a chegar ao rei. Em 10 de março de 1598, pedia Filipe I informações sobre o que se passava em Ceilão, pois por carta de frei Cristóvão da Madre de Deus, guardião do convento de São Francisco, tinha sido alertado sobre os «agravos» feitos ao rei da terra pelos feitores e escrivães da fortaleza com a cumplicidade de Jerónimo de Azevedo e do próprio Matias de Albuquerque, quando este era ainda vice-rei. Frei Cristóvão da Madre de Deus denunciava ainda as desordens cometidas pelo capitão-geral daquela conquista que, a troco de dinheiro, tinha permitido a rebelião do Modeliar, uma das muitas revoltas que marcaram a tentativa portuguesa de conquistar integralmente esta ilha. Acusava ainda o capitão-geral de um sem-fim de abusos e de vexames: não defendia a ilha como se lhe exigia, arrecadava o dinheiro da venda dos elefantes, apropriava-se de terras reais e oprimia os naturais da terra. Tudo comportamentos que iam contra os próprios interesses do Estado da Índia e da Coroa no território31.
17Motivado pelas queixas ou não, o que é certo é que, no mesmo ano, o vice-rei Dom Francisco da Gama ponderava substituir Jerónimo de Azevedo, «já velho e cansado», por André Furtado de Mendonça no cargo de capitão-geral daquela ilha, medida que o rei, agora já Filipe II de Portugal — Felipe III de Castela —, aprovava, recomendando simultaneamente que Jerónimo de Azevedo fosse recompensado pelos serviços que prestara32. A substituição, no entanto, não foi levada a cabo e Jerónimo de Azevedo prosseguiu como o geral da conquista de Ceilão. Da mesma maneira, também prosseguiram as contradições em torno do seu governo e os sucessivos pedidos de informações a respeito da sua conduta, sempre intercalados, porém, com elogios às suas acções. Em 1601, Filipe II afirmava numa carta enviada ao vice-rei da Índia, Aires de Saldanha, que Dom Jerónimo de Azevedo procedia em Ceilão com prudência e zelo, pelo que deveria ser auxiliado com tudo o que fosse necessário33. Em outras cartas enviadas ao mesmo vice-rei, Filipe II dizia ainda que só o excepcional procedimento de Jerónimo de Azevedo permitia que se aguentassem os esforços de conquista daquela ilha e enaltecia a vitória alcançada pelo capitão-geral sobre Dom João, «alevantado de Cândia»34. É que o processo de conquista desta ilha foi marcado por levantamentos recorrentes por parte dos líderes e populações nativos, e Jerónimo de Azevedo ficou conhecido tanto por motivar muitos deles, como por abafá-los.
18Depois dos elogios, vinham novamente as reservas. Em 1602, o rei ordenava de novo que se tirassem informações sobre a conduta de Jerónimo de Azevedo no Ceilão35. Mais tarde, em outra carta enviada por Filipe II para o agora vice-rei da Índia, Dom Martim Afonso de Castro, ordenava o rei que se fizessem inquéritos sobre os procedimentos dos capitães e oficiais que levavam a cabo a conquista do Ceilão, acusados de crueldade para com as populações nativas, para pouco depois estabelecer que o mesmo Jerónimo de Azevedo deveria integrar o Conselho de Estado da Índia ao lado de figuras como o Arcebispo de Goa ou André Furtado de Mendonça e, logo a seguir, reiterar a sua confiança no capitão-geral, entendendo-o como «pessoa de muita confiança e experiência»36.
19O seu desempenho à frente dos destinos do Ceilão assim se manteve, numa oscilação permanente entre os louvores à sua experiência, zelo e prudência, e as averiguações ou reprimendas à sua conduta. Assim, perante tamanhas e tão frequentes polémicas, a sua nomeação, em 1612, como vice-rei da Índia, não deixa de surpreender. Infelizmente, não se conhecem pormenores muito concretos sobre o seu regimento ou as instruções régias que lhe terão sido dadas no momento da nomeação. De novo, a sua experiência, sobretudo aquela que adquirira ao longo dos dezoito anos de serviço na conquista — e na guerra — do Ceilão foram um factor fundamental, pois era o Ceilão, de acordo com Manuel de Faria e Sousa, «escuela em que se graduaron sempre nuestras más doctas espadas de la Asia»37. Como vice-rei, a sua actuação manteve-se tão polémica como sempre, ora sendo louvada, ora sendo repreendida, repreensões frequentemente acompanhadas de pedidos de explicação por determinadas medidas ou decisões.
20Durante o seu governo como vice-rei da Índia, Jerónimo de Azevedo manteve a conquista do Ceilão como seu objectivo caro. Assim o ditavam as muitas ordens que chegavam do reino. Se durante o seu mandato como capitão-geral do Ceilão as ordens do rei iam no sentido de se procurar informações acerca do seu comportamento, as cartas que lhe eram agora enviadas enquanto autoridade máxima do Estado da Índia assumiam um tom claro de repreensão. Ainda que a violência no Estado da Índia não se esgotasse na ilha de Ceilão, o seu caso manteve-se paradigmático. De facto, agora desde Goa, Jerónimo de Azevedo mantinha a mesma política de violência na conquista da ilha, como se torna evidente pelo regimento que passa a Manuel de Mascarenhas Homem, quando este é nomeado capitão-geral do Ceilão, em 1614. Escusando a agressividade da sua política no carácter dúbio da «nação chingala», ordenava o agora-vice-rei que o novo capitão-geral ordenasse a morte de todos os «cabeças de gente ou de aldeias» que traíssem os portugueses, ressalvando que «não sejam estas mortes em público senão de noite […] porque a Justiça pública por semelhantes casos faz Espanto aos outros». Rematava tais instruções com a sua própria experiência enquanto capitão-geral, considerando a sua actuação implacável como responsável pela acalmia da ilha: «porque o estar hoje Ceilão tão quieto procede de a terra estar mondada de velhacos e alevantados de que mandei matar infinitos no decurso de tempo que estive naquela Ilha»38.
21Era este recurso constante à violência o foco das repreensões recorrentes por parte da Coroa, que procurava insistentemente refrear essa violência. Isto porque uma das principais consequências do uso recorrente da violência era a sua relação directa com os levantamentos e a resistência por parte dos grupos naturais, ocorrências especialmente frequentes no Ceilão que prejudicavam os objectivos de controlo do território e das suas populações. Podemos, inclusivamente, assumir que a relação directa entre a violência do processo de conquista e as revoltas constantes por parte dos grupos nativos no Ceilão foram uma das principais causas para o fracasso deste empreendimento39. Assim, em 1615, Filipe II urgia Jerónimo de Azevedo a repor a justiça no Ceilão, dizendo que estava ao corrente das muitas «forças e tiranias» que oprimiam os naturais da ilha. Entendia ainda Filipe II que «sem se fazer justiça àquelas gentes, não se pode conservar o governo das terras, nem mantê-las em lealdade, sendo assim que se tem entendido que este procedimento é muita parte de se não acabar a conquista daquela ilha (que tanto tempo há que dura)»40. Estas opressões estendiam-se a outras partes do Estado da Índia, de onde chegavam frequentemente queixas a Lisboa ou a Madrid. Numa outra carta datada de 26 de fevereiro de 1616, o mesmo rei voltava a repreender o vice-rei Jerónimo de Azevedo, alertando para as «grandes vexações e semjustiças, com que nas minhas fortalezas e casas de direitos desse Estado são tratados por os capitães e oficiais delas os naturais dessas partes», razão que justificava, no entender de Filipe II, a «maior parte do ódio que geralmente nelas se tem aos portugueses»41. Os apelos e ordens para que o vice-rei corrigisse estas práticas e castigasse os culpados por elas repetiam-se, chegando a alcançar, inclusivamente, um tom ameaçante:
E não posso deixar de vos estranhar muito de que com algum castigo rigoroso dado aonde se merecer, pois se afirma que há culpados, não hajais dado exemplo tão eficaz para ao diante neste caso, que resulte dele emenda […]. E assim tende por certo que de maneira me hei de mandar informar do que para remédio deste dano proverdes, e das diligências que fizerdes para sabere inquirir o procedimento de todos os ditos capitães e ministros em todas as praças desse Estado […] advertindo que do que em certeza alcançar, há de resultar igualmente a demonstração de rigoroso castigo, ou de devida gratificação, do vosso cuidado, ou descuido neste particular42.
22No entanto, apesar das palavras fortes do rei, além da sua política de violência, um dos problemas apontado à conduta de Jerónimo de Azevedo era a forma como ele se relacionava com a justiça, foco recorrente nas condenações que Filipe II fez à sua actuação como vice-rei. A 6 de março de 1616, o monarca Habsburgo criticava Jerónimo de Azevedo pelos ofícios feitos com os desembargadores da Relação de Goa sobre negócios particulares, algo que, no entender do rei, resultava no «perturbar-se a justiça». E porque era ao vice-rei que cabia administração da dita, Filipe II ainda via o sucedido como «maior inconveniente […] e mais de estranhar»43. Filipe II criticava também que Jerónimo Azevedo fosse à Relação mais do que uma vez por mês, como o rei tinha ordenado. Além disso, recebia os desembargadores deste tribunal em sua casa, em juntas particulares, para tratar de negócios que deveriam ser tratados na Relação, demonstrando uma vez mais a forma como interferia, indesejavelmente, em matérias de justiça do Estado da Índia44. Esta era a razão, entendia o rei, para se cometerem «cada ano muitos e mui escandalosos casos contra o serviço de Deus e meu e a boa administração da justiça, em grande descrédito dela e de minhas leis»45.
23Se as repreensões continuavam, continuavam também, sempre intercalados, os elogios. Em 6 de fevereiro de 1616, Filipe II reforçava a sua confiança no vice-rei, depois de ter tido conhecimento de uma jornada que Jerónimo de Azevedo fez ao Norte, jornada que o rei considerou muito digna, levando-o a agradecer e certificando-lhe que o que naquela ocasião fizera se conformava muito com a «opinião que de vós tenho, e com a confiança que faço de vossa pessoa»46. Pouco depois, reiterava a sua confiança respondendo às notícias que lhe chegavam do Estado da Índia:
Recebeu-se a vossa carta, em que me dais conta do estado em que ficam as cousas dessas partes; e assi por ela, como por outras vias, tenho entendido com quanto cuidado procurais acudir a vossa obrigação com particular zelo de meu serviço, que é o que deveis à confiança com que no tempo presente vos escolhi para o governo desse Estado47.
Esta oscilação entre as reprimendas e a confiança foi, assim, uma constante ao longo de toda a carreira de Jerónimo de Azevedo, desde o primeiro cargo de capitão-mor da costa do Malabar até à ordem de prisão que dita o fim do seu governo como vice-rei da Índia, ordem que o seu sucessor, Dom João Coutinho, leva consigo na sua chegada a Goa, em 1617. No mesmo ano, regressa então Jerónimo de Azevedo preso a Lisboa, ficando o seu nome ao lado de figuras como o governador da Índia Duarte de Meneses (1522-1524) ou o vice-rei da Índia Manuel de Saldanha e Albuquerque (1758-1765).
Experiência em desgraça
24Para se explicar o súbito afastamento de Jerónimo de Azevedo e a sua irreversível desgraça não se deverá colocar de parte os equilíbrios e desequilíbrios de interesses no seio das elites governativas do reino e do Estado da Índia, mas não deixam de ser particularmente sugestivas as acusações que dizem respeito ao seu desempenho em diversos conflitos e guerras na Ásia, sobretudo se pensarmos que a experiência militar da sua longa carreira na Ásia foi o principal critério considerado em cada uma das suas nomeações — nenhuma delas de somenos —, abafando, inclusivamente, muitas das polémicas em que se foi vendo envolvido e muitas das queixas de que foi alvo.
25O primeiro cargo a que teve que responder, que recuava aos primeiros momentos do seu governo como vice-rei da Índia, acusava Jerónimo de Azevedo de ter provocado a guerra contra o Melique, que estaria então, segundo o dito cargo, em paz:
Que entrando no governo da Índia estando de paz com todos os Reis gentios adjacentes àquele estado encomendando-lhe Sua Majestade a conservação dela e boa correspondência com os ditos, e pedindo o Melique os foros das Aldeias de Baçaim, e que lhe eram devidos de justiça estando por este respeito alterado com o visorey Rui Lourenço entrando no governo o dito Dom Jerónimo[,] por não diferir as instâncias e requerimentos que o dito Melique por seus embaixadores lhe fez, rompeu com guerra, por não guardar justiça mandando-lhe pagar seus foros de que resultaram tantas mortes, despesas desnecessárias e diminuição dos rendimentos das alfândegas48.
Obrigava-se agora Jerónimo de Azevedo a «satisfazer a fazenda de Sua Majestade». A esta acusação, Jerónimo de Azevedo respondia invocando o desconhecimento revelado pelas ordens que recebera ao assumir o governo da Índia, argumentando que ele já tinha encontrado o território em conflito: «E foi o movimento de guerra sobre os moradores de Chaul não quererem entregar as terras aos Mouros vassalos do Melique cujas eram e veio-se a romper a guerra estando eu ainda fora do governo». Defendia-se ainda dizendo que «não moveria a dita guerra que era forçado ser perigosa e custosa quando dela nem a mim, nem ao estado não resultava nenhuma honra nem proveito que são os fundamentos que obrigam a mover guerra»49.
26Outras culpas pelas quais respondia diziam respeito à forma como geriu a ameaça de ingleses e holandeses no Estado da Índia. A Jerónimo de Azevedo agora se lhe imputava vários fracassos militares contra ingleses e holandeses, «em grande descrédito seu e da nação Portuguesa»: ora porque não levava a gente necessária para atacar as naus rivais permitindo a perda de embarcações e de pessoas, ora porque desviava o dinheiro necessário para a defesa e para acções militares no Estado da Índia para propósitos pouco transparentes. Tudo isso permitira o crescimento de ingleses e de holandeses na Ásia para prejuízo irrecuperável do Estado da Índia. A este respeito, responsabilizava-se o antigo vice-rei de ter permitido que os holandeses se fortificassem em Paliacate, na costa do Coromandel, «sendo manifesto e notório o grande prejuízo que se segue de os holandeses terem aquela praça donde levam todas as roupas com as quais alcançam as drogas malucas que sem elas não poderiam alcançar»50.
27Ainda no plano dos insucessos militares, Jerónimo de Azevedo respondia também pelo fiasco da armada conjunta que deveria ter armado com Juan de Silva, governador das Filipinas. Foi durante o seu governo, em pleno período de união de coroas, que se discutiu largamente a possibilidade de montar uma armada que juntasse as forças portuguesas do Estado da Índia com as forças castelhanas das Filipinas, de modo a fazer frente ao «grande aperto e miserável estado em que estavam as Índias orientais e ocidentais»51. Pelo lado dos portugueses, uma das medidas a ser levada a cabo para conseguir o montante necessário para pôr de pé uma armada de tal envergadura deveria provir da venda de todas as fortalezas, cargos e viagens do Estado da Índia52. Esta foi uma medida encontrada para gerar os rendimentos necessários para debelar os múltiplos desafios e despesas com que o Estado da Índia se confrontava nesta segunda década de seiscentos. O montante que resultasse da dita venda, ordenava o rei, deveria ser utilizado apenas para estes fins, pois «do contrário se haveria por desservido, e que a ele só [Jerónimo de Azevedo] lhe imputaria a culpa como a causa dela». E assim se sucedeu. De acordo com a acusação, Jerónimo de Azevedo,
antes despendeu o dinheiro com outras cousas não fazendo Armada, nem indo com ela[,] escrevendo ao dito Governador Dom João da Silva viesse com a sua, como fez[,] com excessivos gastos a Malaca aonde morreu ficando-se perdendo ocasião em tão grande risco como é notório a ambas as Índias Orientais e Ocidentais e desobedecendo as ordens expressas de Sua Majestade e leis da Melícia na cousa mais grave e de mais importância nestes nossos tempos por depender da conservação daqueles estados e de se lançarem os inimigos deles aquietação e conservação de todos os mais53.
28Neste episódio em concreto, o antigo vice-rei fundamentava a sua defesa na sua experiência de guerra e no conhecimento que tinha do equilíbrio de forças nos mares asiáticos, no mau estado das embarcações e na insuficiência dos fundos para preparar a armada. Dos apoios financeiros que tinham chegado da «nau de Meca de Surate» e da «frota da China», pouco tinha sobrado para ajudar na preparação da armada que fosse além de dívidas e de despesas. Lamentava-se ainda sobre a dificuldade que, enquanto vice-rei, tinha em gerir a falta de recursos financeiros que o tornavam «malquisto» perante as populações: «porque o frade se lhe não pagam a ordinária logo prega contra o vice-rei, o Bispo logo quer excomungar, as viúvas andam clamando pelas ruas, e o pobre do vice-rei há de suprir e remediar tudo»54. Continuava reiterando que não devia «cousa alguma à fazenda de sua Majestade», pois nunca havia despendido de tal dinheiro em seu serviço ou no pagamento dos seus ordenados, que tudo se lhe devia, e que tudo o que tinha gasto tinha sido em despesas lícitas conforme os regimentos55.
29Jerónimo de Azevedo era um experto na guerra. A esse respeito não sobram dúvidas. Teve uma relação próxima com a guerra e a sua larga experiência nos empreendimentos militares do Estado da Índia ao longo de toda a sua carreira asiática permitiu-lhe ter as suas próprias concepções sobre a guerra e sobre a experiência daqueles que a lideravam. O regimento que passa enquanto capitão-geral do Ceilão a um capitão nomeado para a fortaleza de Gale é disso bem revelador:
As cousas e sucessos de guerra são de qualidade que mais se deve deixar na experiência e bom talento do Capitão da Jornada que regularem-se por regimentos precisos que como ela em tudo ou pela maior parte perdendo tempo e de ocasiões e acidentes que pela maior parte saem muito encontrados do que na paz se trata e desenha […] terei sempre por mais acertado remeter tudo ao capitão que for eleito para a tal empresa fazendo-lhes somente lembrança que vai fazer guerra ou paz a tal inimigo ou defender tal praça […] porque a guerra era de tal qualidade que nem ele com ter tanto uso e experiência se atrevia a tratar dela se não quando visse os esquadrões dos inimigos diante de si e suposta esta regra tão recebida na milícia o em que mais deve esmerar-se um príncipe ou pessoa que suas vezes tenha no governo é em saber eleger tal capitão tão prático e consumado na arte militar que possa ter dele tal confiança que lhe fique ela mesma servindo de regimento isto mesmo se me representou nesta ocasião quando assentei comigo que devia prover a fortaleza de [Galle] de capitão-mor com guarnição bastante a defendê-la dos holandeses se a pretendessem assaltar e entre todos os que me ocorreram à memória para os eleger para esta empresa foi [Vossa Mercê] a que escolhi por benemérito dela pelo grande zelo que nele enxergo do serviço de Sua Majestade junto a um ânimo militar e desapegado de interesses a que esta nossa nação na Índia hoje anda muito sujeita e fundado nesta doutrina militar e na confiança que de vossa mercê faço não determinava dar-lhe mais regimento se não que vai a defender dos holandeses a fortaleza e porto com os capitães soldados e lascarins que lhe tenho destinados para esta empresa56.
30Apesar de um percurso louvado pela cronística dos séculos xvi e xvii, no fim, todos os excessos e abusos de que foi acusado ao longo da sua carreira na Índia foram condensados nas 23 acusações que lhe foram feitas aquando a sua prisão. Mas, ainda que a ordem de prisão seja já por si surpreendente, os «cargos» a que teve que responder depois de preso tinham outra particularidade: é que muito daquilo que foi enaltecido como experiência durante os largos anos em que serviu no Estado da Índia tornava-se agora argumento para a sua prisão. Entre as muitas acusações de que era alvo, contavam-se as guerras que tinha provocado, as estratégias militares fracassadas, a má administração da justiça e a má gestão dos dinheiros e rendimentos do Estado da Índia. Pese embora a eloquência da sua defesa, tão evidente agora como em toda a correspondência trocada durante os seus serviços na Índia, o que é facto é que Jerónimo de Azevedo morreu na prisão do castelo de São Jorge, em Lisboa, em 1625, nunca conseguindo libertar-se das muitas polémicas que gritavam os seus abusos e o seu mau governo. Em 1630, cerca de cinco anos após a sua morte, ainda se procurava em Goa o espólio do falecido Jerónimo de Azevedo. Todo o dinheiro e bens que arrecadou durante a sua longa carreira na Índia não foram, porém, encontrados57.
Notes de bas de page
1 Este trabalho é financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projeto UIDB/00057/2020.
2 Ver, ao respeito, Almeida Borges, 2018; Id., 2020.
3 Cunha, 2009, pp. 240-241.
4 Cunha, Monteiro, 1995, p. 98.
5 Cardim, Miranda, 2012, p. 188.
6 Cunha, Monteiro, 2012, p. 269.
7 Cunha, 2005, p. 75.
8 Cunha, Monteiro, 1995; Ead., 2012.
9 Ead., 1995, p. 99.
10 Almeida Borges, 2014.
11 Gaio, Nobiliário de Famílias de Portugal, p. 118. Ver também Cardoso, 2018b, pp. 413-459; Id., 2018a.
12 Cunha, Monteiro, 2012, p. 272.
13 Disney, 2009, p. 167.
14 Faria e Sousa, Ásia Portuguesa, fo 4.
15 Ibid., fo 38.
16 Uma carta de Filipe I para o vice-rei da Índia, Matias de Albuquerque, datada de 12 de janeiro de 1591, já se refere a Jerónimo de Azevedo como ocupando este cargo: «[…] Dom Jerónimo de Azevedo que andava por capitão-mor no Malabar aquele ano». Ver Carta de Filipe I para o vice-rei da Índia, Matias de Albuquerque, Lisboa, 12/1/1591, em Cunha Rivara, Archivo Portuguez-Oriental, doc. 76, p. 249.
17 Faria e Sousa, Ásia Portuguesa, fo 43.
18 Carta de Filipe I para o vice-rei da Índia, Matias de Albuquerque, Lisboa, 1/3/1594, em Cunha Rivara, Archivo Portuguez-Oriental, doc. 140, p. 428.
19 Carta de Filipe I para o vice-rei da Índia, Matias de Albuquerque, Lisboa, 10/3/1594, FUP, vol. 1, no 2, doc. 75.
20 Deverá ter-se em conta a morosidade com que as cartas do reino chegavam a Goa. A renomeação de Jerónimo de Azevedo para o cargo de capitão-mor do Malabar terá sido anterior a 1594, uma vez que 1594 é o ano em que é nomeado para a capitania-geral de Ceilão.
21 Carta de Filipe I para o vice-rei da Índia, Matias de Albuquerque, Lisboa, 15/3/1595, em Cunha Rivara, Archivo Portuguez-Oriental, doc. 179, pp. 531-532.
22 Matias de Albuquerque e Jerónimo de Azevedo teriam, ao que parece, uma boa relação. Algumas fontes indicam que Jerónimo de Azevedo terá chegado à Índia juntamente com Matias de Albuquerque, e apesar de não ter sido possível confirmar esta informação, o que é facto é que, além de terem lutado juntos nos mares do Malabar, foi durante o governo de Matias de Albuquerque que Jerónimo de Azevedo foi nomeado tanto como capitão-mor da costa do Malabar como capitão-geral do Ceilão.
23 Carta de Filipe I para o vice-rei da Índia, Dom Francisco da Gama, Lisboa, 28/1/1596, em Cunha Rivara, Archivo Portuguez-Oriental, doc. 206, pp. 591-592.
24 Carta de Filipe I para o vice-rei da Índia, Dom Francisco da Gama, Lisboa, 5/2/1597, FUP, vol. 1, no 3, doc. 49.
25 Flores, 2001, p. 22.
26 De acordo com Faria e Sousa, Ásia Portuguesa (fos 7-8 e 57), pelo menos em 1582 e em 1588.
27 Carta de Filipe I para o vice-rei da Índia, Dom Francisco da Gama, Lisboa, 1/3/1596, em Cunha Rivara, Archivo Portuguez-Oriental, doc. 207, pp. 595-597; Carta de Filipe II ao vice-rei Dom Martim Afonso de Castro, Lisboa, 12/1/1607, em Documentos Remetidos da Índia (doravante DRI), t. I, doc. 18, pp. 57-61.
28 Sobre o processo de conquista integral que os portugueses procuraram implementar no Ceilão, ver Abeyasinghe, 1966; Silva, 1972; Biedermann, inédita; Strathern, 2007; Flores, 2007; Biedermann, 2018.
29 Couto, Da Ásia; Queiroz, Conquista temporal e espiritual de Ceilão.
30 Carta de Filipe I para o vice-rei da Índia, Matias de Albuquerque, Lisboa, 1/3/1596, em Cunha Rivara, Archivo Portuguez-Oriental, doc. 207, pp. 595-597.
31 Carta de Filipe I para o vice-rei da Índia, Dom Francisco da Gama, Lisboa, 10/3/1598, FUP, vol. 1, no 2, doc. 48.
32 Carta de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Francisco da Gama, Lisboa, 10/12/1598, ibid., doc. 81.
33 Cartas de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Aires de Saldanha, Lisboa, 25/3/1601 e 6/1/1602, ibid., no 3, docs. 7 e 9.
34 Cartas de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Aires de Saldanha, s. l., s. d., ibid., docs. 44 e 46.
35 Carta de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Aires de Saldanha, Valladolid, 7/3/1602, ibid., doc. 13.
36 Cartas de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Martim Afonso de Castro, Lisboa, 26/2/1605 e 10/3/1605, ibid., docs. 28 e 13; Carta de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Martim Afonso de Castro, Lisboa, 12/1/1607, em DRI, t. I, doc. 18, pp. 57-61.
37 Faria e Sousa, Ásia Portuguesa, fo 225.
38 Regimento que deu a Manuel de Mascarenhas Homem, quando foi por general do Ceilão, enviado pelo vice-rei Dom Jerónimo de Azevedo, Goa, 23/4/1614, em Abeyasinghe, 1974, pp. 42-46.
39 Almeida Borges, 2018; Id., 2020.
40 Carta de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 22/2/1615, em DRI, t. III, doc. 564, pp. 278-279.
41 Carta de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 26/2/1616, ibid., doc. 662, pp. 413-414.
42 Ibid.
43 Carta de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 6/3/1616, ibid., doc. 708, pp. 448-449.
44 Carta de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 6/3/1616, ibid., doc. 713, pp. 452-453.
45 Carta de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 14/3/1616, ibid., doc. 732, pp. 470-471.
46 Carta de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Jerónimo de Azevedo, Lisboa, 6/2/1616, ibid., doc. 628, pp. 370-372.
47 Carta de Filipe II para o vice-rei da Índia, Dom Jerónimo de Azevedo, Madrid, 22/2/1616, ibid., doc. 658, p. 410.
48 «Respostas que dá Dom Jerónimo de Azevedo, visorey que foi das Índias Orientais [1612-1617] aos 23 cargos a que lhe mandaram responder. Vai trasladado o cargo e logo a resposta, e no fim delas se responde ao intuito [?] dos cargos», PNA/BA, cód. 51-VII-27, fos 146-186 (doravante «Respostas»).
49 Ibid.
50 Ibid.
51 Carta de Filipe II ao vice-rei da Índia, Jerónimo de Azevedo, Madrid, 5/3/1615, em DRI, t. III, doc. 576, pp. 294-295.
52 Carta de Filipe II ao vice-rei da Índia, Jerónimo de Azevedo, Madrid, 5/3/1615, ibid., doc. 575, pp. 290-294.
53 «Respostas».
54 Ibid.
55 Ibid.
56 «Regimento que o capitão geral do Ceilão, D. Jerónimo de Azevedo, deu a um capitão que enviou à fortaleza de Galle», PNA/BA, cód. 51-VII-11, fo 294.
57 Ibid.
Auteur
Universidade Autónoma de Lisboa – CIDEHUS, Universidade de Évora
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