1Quando consideramos a prosperidade de Portugal quando o seu primeiro rei, D. Afonso Henriques, subiu ao trono no ano de 1139; a altiva posição que ocupava no século XV, quando Vasco da Gama partiu de Lisboa para espantar o mundo civilizado com a descoberta de uma passagem para a Índia pelo Cabo da Boa Esperança; o seu brilhantismo contido até que a ambição provocou o passo fatal da perda do Brasil, o ponto na sua história que marca o início do seu declínio; e a sua posição atual entre outras nações; temos material para a mais interessante e instrutiva reflexão.

2Enquanto outras nações, com poucas exceções, continuaram a progredir na obtenção de riqueza e importância, Portugal, por seu lado, tem regredido visivelmente.

3A extensão de caminhos-de-ferro no continente europeu tem feito muito pelos países que o compõem, onde têm sido judiciosamente assentes e administrados; mas mesmo a este respeito, Portugal está atrasado e só recentemente acordou para a importância de introduzir um moderno sistema de locomoção nos seus reinos.

4Estima-se que o desenvolvimento de caminhos-de-ferro em Portugal será especialmente interessante para a nação inglesa, tão grande é a quantidade de capital inglês neles investida, uma situação que talvez não encontre paralelo em nenhum outro país no continente.

5No entanto, sem embargo da facilidade com que o capital inglês entra em Portugal e do espaço criado recentemente para a sua aplicação na construção de caminhos-de-ferro, é algo estranho observar a fraca proporção entre o comprimento das linhas-férreas em Portugal e a sua área geográfica, quando comparada com outros países da Europa.

Por exemplo, atualmente, existem

6Mesmo assim, é gratificante perceber que Portugal já iniciou a construção de caminhos-de-ferro e que o seu governo contempla estender o sistema ferroviário, desde que suficiente capital estrangeiro apareça para esse fim.

7Atualmente, os caminhos-de-ferro em Portugal, cuja bitola é de 1.67 m, são dois, sendo o do Norte e Leste de primeira importância. Esta ferrovia parte da margem direita do Tejo em Lisboa e dirige-se para leste para Badajoz, na fronteira espanhola, a 282 km de distância. Tem uma ramificação para o Porto, que parte do km 107 do tronco principal da linha de Lisboa a Badajoz. Do entroncamento até ao Porto a distância é de 226 km, pelo que a totalidade do sistema de Norte e Leste mede 508 km. As obras de arte estão construídas para via dupla, enquanto os movimentos de terra estão ao presente apenas preparados para via simples.

8A diretriz desta linha está indicada no mapa de Portugal, que acompanha este relatório, por uma linha preta simples1.

9O outro caminho-de-ferro português, atualmente em construção, é o do Sueste, o qual é analisado em particular neste relatório.

10O término metropolitano do caminho-de-ferro do Sueste está situado no Barreiro, um ponto na margem esquerda do Tejo, em frente a Lisboa. A ligação entre a estação e Lisboa é efetuada por vapores que pertencem à companhia do caminho-de-ferro

11Saindo do Barreiro, a linha do Sueste segue em direção a leste até um ponto chamado Casa Branca, a 90 km do Barreiro, onde se divide em duas vias-férreas, uma em direção a Beja (a 64 km de Casa Branca) e a outra, continuando para leste, até à cidade de Évora (a 26 km de Casa Branca). A esta extensão de 180 km, temos que adicionar os 13 km da extensão do ramal de Setúbal, que parte da linha principal desde um ponto a 15 km do Barreiro, o que faz com que a totalidade do sistema meça 193 km. A rota deste caminho-de-ferro é também mostrado no mapa de Portugal, com uma linha preta dupla.

12Antes de avançar para uma descrição mais detalhada dos trabalhos na linha do Sueste, é necessário elaborar uma breve narrativa sobre a sua história, uma vez que ela foi construída por secções, em diferentes períodos e por companhias diferentes. Só recentemente a totalidade do caminho-de-ferro foi unificado sob uma só gestão.

13Em 1854, o governo de Portugal concedeu ao que era então considerado uma Companhia Nacional o privilégio de construir um caminho-de-ferro desde o Barreiro a Vendas Novas, uma localidade na província de Portugal chamada de Alentejo, a 57 km de distância, com um ramal para Setúbal na extensão de 13 km ou mais.

14De acordo com os termos da concessão, o Estado concedeu a esta companhia um subsídio de 7.9 contos/km, o fornecimento gratuito da madeira das florestas do governo necessária à construção do caminho-de-ferro, a importação livre de direitos de material não disponível em Portugal, juntamente com a isenção de todas as taxas municipais e gerais e um prazo de concessão de 99 anos; ao mesmo tempo, o governo exigiu que a companhia construísse uma linha singela de caminho-de-ferro, com as características mais simples possíveis, estipulando, contudo, que o raio mínimo de curvas deveria exceder 300 m e que o máximo das inclinações não deveria exceder 6 mm/m2.

15O peso dos carris a serem usados não deveria ser inferior a 27 kg3 e a bitola deveria medir 1.44 m de comprimento.

16Nestas circunstâncias, esta linha através de um território extremamente favorável à construção foi realizada e aberta ao trânsito em 1859, com um custo quilométrico ligeiramente superior ao valor do subsídio.

17No ano de 1861, o governo de Portugal comprou a linha do Sul ou do Barreiro a Vendas Novas, com o seu ramal para Setúbal, aos seus proprietários (portugueses), pagando pelo caminho-de-ferro e pelo seu material circulante 939 contos4 ou 13.4 contos/km5. A linha continuou a ser mantida e operada pelo governo desde a data da sua compra até 1864.

18No ano de 1860, uma companhia inglesa, autodenominada de South Eastern Railway Company of Portugal6 propôs ao governo uma concessão, obtendo-a, para construir uma ferrovia desde Vendas Novas, o término provincial da linha do Sul, até Évora e Beja, que deveria chamar-se caminho-de-ferro do Sueste de Portugal.

19As condições segundo as quais a linha do Sueste deveria ser construída eram semelhantes às que foram impostas à companhia do caminho-de-ferro do Sul, com as diferenças de que a bitola deveria ser de 1.67 m em vez de 1.44 m, o raio mínimo de curvas deveria ser 500 m e os declives máximos 10 mm/m7. Simultaneamente, o Estado concedeu à companhia uma subvenção de 16 contos/km8, pagável à medida que cada quilómetro da via fosse completo.

20Os trabalhos nesta linha foram executados por um empreiteiro inglês e o caminho-de-ferro foi aberto ao trânsito público em 1863. O empreiteiro recebeu pela construção da obra e fornecimento de material circulante 24 contos/km. Uma vez que esta quantia excedia o subsídio pago pelo governo, este autorizou a companhia a emitir obrigações no mercado britânico. A companhia formou assim o seu capital.

21Em 1864, o governo, pretendendo livrar-se da exploração do caminho-de-ferro do Sul, vendeu-o a South Eastern Company, com todo o seu material fixo e rolante, pela soma de 1,008 contos ou 14.4 contos/km. A South Eastern Company comprometeu-se ainda a alargar a bitola da linha do Sul para a medida das suas próprias linhas, ou seja, 1.67 m, a reassentar a via com carris Vignoles de 34 kg/m e a colocar travessas novas. O ramal de Setúbal devia ser reassente com a nova bitola, usando os carris então lá existentes, mas não teria chulipas novas.

22A South Eastern Company também aceitou certas condições para ampliar o seu sistema de Évora a Estremoz e Crato e de Beja ao rio Guadiana numa direção e a Faro noutra. Estas extensões, que já foram começadas em determinados pontos, estão assinaladas no mapa geral de Portugal com linhas vermelhas.

23Estes vários compromissos da parte da South Eastern Railway Company foram devidamente ratificados pelo governo. Em 1864, a linha do Sul foi incorporada na South Eastern e ambas as vias-férreas tornaram-se um só sistema, denominado de caminho-de-ferro do Sueste de Portugal.

24Deu-se uma breve exposição de como a linha do Sueste se tornou realidade. Agora propõe-se proceder à descrição do caminho-de-ferro e trabalhos ali realizados. Para conveniência da exposição, divide-se o caminho-de-ferro em duas secções.

25Uma desde o Barreiro a Vendas Novas com o ramal para Setúbal; outra desde Vendas Novas até Évora e Beja.

26Na planta do caminho-de-ferro, que acompanha este trabalho, são mostradas as linhas isométricas do território por onde a via-férrea passa e as secções em que a linha está dividida estão assinaladas com letras.

27A primeira secção corresponde às letras AB e a segunda às letras BCDE.

28Procede-se então à descrição da primeira secção, AB.

29O principal trabalho com alguma magnitude nesta secção é a estação terminal do Barreiro, um edifício grande e imponente em aparência. No centro, estão as plataformas e linhas de caminho-de-ferro e de cada lado estão barracões. O colocado no lado norte, como se pode ver na planta número 3 deste edifício, é usado como oficina de reparação das máquinas, enquanto o situado ao sul é utilizado como cocheira das locomotivas.

30A parte central da estação é coberta por um teto de ferro com 31.69 m de vão. As treliças estão colocadas a 3.65 m de distância umas das outras. O edifício lateral tem um telhado apoiado por treliças de madeira, extremamente leves e elegantes, dispostas a 3.65 m umas das outras e com um vão de 17.68 m. O telhado central está coberto com ferro ondulado, mas os telhados dos edifícios laterais são de telhas assentes sobre placas previamente aparafusadas às treliças. Os compartimentos no lado poente do edifício são usados como escritórios e salas de espera para os passageiros.

31Desenhos detalhadas destas treliças (números 4 e 5) acompanham este texto.

32A gare da estação do Barreiro está munida com todas as infraestruturas necessárias à eficiente operação da linha, que a experiência tem demonstrado serem suficientes para as exigências do tráfego. A planta número 6 da gare da estação, como atualmente se encontra, está anexa a este relatório e engloba a propriedade da companhia situada entre a primeira passagem de nível para lá da estação e o início do cais da madeira, junto ao rio, onde os passageiros embarcam nos vapores na sua viagem para Lisboa e desembarcam na sua chegada ao Barreiro.

33Deixando o Barreiro, a direção da linha pode ser seguida no traçado indicado na planta. As curvas indicam os pontos em que a direção do caminho-de-ferro muda. A secção mostrada por baixo da planta oferece os meios para determinar a frequência na mudança de declive.

34As tabelas seguintes indicam o número e extensão dos declives e curvas na primeira secção, ou troço de Vendas Novas e Setúbal, da linha do Sueste. Nota-se que dos 70 km de extensão desta secção, há 63 km em que as inclinações variam entre 5 mm/m e 1 mm/m, restando 7 km de linha plana.

35A tabela de curvas demonstra que, dos 70 km da linha, 11 km são em curva de raios entre 500 e 3,000 m, enquanto 59 km são em reta.

36O terreno por onde passa a primeira secção do caminho-de-ferro de Sueste é composto inteiramente de areia, o que tornou a construção da linha extremamente fácil. O mesmo material serviu de balastro, assim aliviando os construtores de uma despesa que em Inglaterra não infrequentemente torna um contrato não-remunerativo, ao passo que a abundância de balastro pode tornar um empreendimento uma especulação eminentemente bem-sucedida.

37No ramal de Setúbal deste troço, encontra-se uma pedra arenosa vermelha, que é ocasionalmente apropriada para a construção. Uma vez que a sua ocorrência é isolada, a sua presença nunca ofereceu um obstáculo real para a execução da empreitada, sendo aliás útil para a construção das obras de arte próximas.

38Notou-se, todavia, uma grande escassez de material de construção, sobretudo na linha do Sul, que assim levou a um aumento frequente dos preços de tubos de ferro para aquedutos e escoadouros.

39Segue-se uma lista de todos os aquedutos e escoadouros usados na primeira secção, ou troço Barreiro, Vendas Novas e Setúbal, da linha do Sueste, ilustrados pelo desenho número 7.

Tubos redondos de ferro

18 tubos de 61 cm de diâmetro

1 “ 91 “ “ “

2 “ 106 “ “ “

Aquedutos de tijolo e cascalho

6 aquedutos semicirculares de 61 cm de largura

1 “ “ “ 72 cm “ “

1 “ “ “ 92 cm “ “

2 “ “ “ 152 cm “ “

3 escoadouros quadrados de 61 cm “ “

5 “ “ “ 72 cm “ “

2 “ “ “ 92 cm “ “

3 “ “ “ 106 cm “ “

2

2 galerias de 396 cm “ “

40A via permanente com que foi assente a porção da linha situada entre o Barreiro e Vendas Novas é similar àquela mostrada na planta número 8, anexa a este relatório. Os carris, como já foi referido, têm a forma designada de Vignoles com 12.7 cm de altura, com uma base de 11.43 cm de largura. Têm 7.31 m de comprimento com éclisses de 45 cm de comprimento e 8.3 cm de profundidade, fixados de cada um dos lados dos carris com quatro parafusos e porcas de 2.5 cm.

41Cada par de carris é apoiado por oito travessas semicirculares, medindo 274 cm x 23 cm x 11.5 cm, colocadas a uma distância de 94 cm entre si, deixando 38 cm entre o centro da última chulipa e o fim do carril. Os carris são afixados às travessas por tirefonds quadrados de 15 cm de comprimento e 1.27 cm de largura, excepto no final dos carris e nas travessas centrais, em que os carris são seguros por parafusos perfurando a chulipa e apertado por baixo por uma anilha dentada. O parafuso mede 11.43 cm de comprimento e 1.59 cm de diâmetro.

42As travessas usadas nesta linha são de madeira do Báltico, preparadas com sulfato de cobre, mas, uma vez que elas só têm sido usadas durante três anos, nada se pode dizer sobre a sua durabilidade.

43Embora este tipo de via permanente seja extensivamente utilizado em Espanha, e seja, pela sua simplicidade, recomendável para caminhos-de-ferro com tráfego ligeiro, o autor sente-se compelido a condená-lo como impróprio para o mais ordinário trânsito, a não ser que mais despesas do que as justificáveis fossem feitas no seu assentamento, aproximando-se assim do preço de um caminho-de-ferro de primeira ordem.

44Descobriu-se, no caso presente, que com parafusos e anilhas nas pontas e no centro dos carris, a via é muito propensa a alargamentos muito alarmantes da bitola, muito embora os comboios não sejam pesados e sua velocidade não exceda 32 km/h em circunstâncias normais.

45A única maneira de remediar este defeito parece ser ou aumentando o número de parafusos, que não são desde logo a melhor forma de fixação de carris, ou perfurar as orlas dos carris, substituindo os tirefonds de 15 cm de comprimento por aguilhões. Trata-se de uma solução que irá ser adotada à experiência e gradualmente introduzida em toda a linha assente com este tipo de via permanente. Primeiramente, tratar-se-á da parte externa dos carris nas curvas. Os aguilhões serão entretanto minuciosamente observados e a bitola da via frequentemente medida.

46O custo do assentamento dos 57 km entre Barreiro e Vendas Novas, com o tipo de via permanente até aqui descrito, foi o seguinte:

ou 3.907 contos/km.

47Como já foi referido anteriormente, o ramal de Setúbal, parte desta secção, foi, quando a bitola foi alargada de 1.44 m para 1.67m, reassente com o material antigo e travessas novas, de 2.74 m de comprimento x 22.9 cm x 15.24 cm.

48Aqui, os carris pesam 27 kg/m e têm 5.48 m de comprimento e 12.7 cm de altura. São seguros por coxins de ferro de 9 kg com cunhas de madeira e fixados às travessas com escápulas redondas de metal. As pontas dos carris são seguras por uma éclisse dupla de ferro forjado de 30.48 cm, indo de um lado do carril ao outro e segura por um parafuso de 2.54 cm em cada ponta do carril. O desenho número 9 desta via permanente é submetido com este relatório. Mostra a éclisse numa escala maior.

49A única peculiaridade desta descrição da via permanente é a éclisse, que é bastante nova para o autor, e parece, na sua presente forma, ser de pouco uso além de impedir as pontas dos carris de se moverem ou de se danificarem mutuamente.

50Este tipo de via permanente foi usado em apenas 12.8 km no linha do Sueste e, uma vez que os comboios são poucos e leves no ramal de Setúbal, onde existe, responde a todas as necessidades práticas, sem ser extraordinariamente dispendioso de manter.

51Desde que o autor tomou conta deste caminho-de-ferro, ele introduziu uma longa junta nestas éclisses duplas de ferro forjado, onde os carris assentam. Ao mesmo tempo, a junta impede os carris de se mexer verticalmente, como acontecia antes da sua introdução, devido à existência de um parafuso de éclisse em cada um dos seus lados.

52As travessas com as quais o ramal foi reassente durante o processo de alargamento da bitola eram de madeira de pinho, cortada nas florestas limítrofes. Eram da melhor qualidade para aquele tipo de madeira, mas não tinham qualquer tipo de tratamento químico.

53A forma irresponsável como a floresta tem sido cortada em Portugal nos últimos anos levou a uma escassez de madeira boa e grande. Quando uma grande quantidade é necessária, é frequentemente menos caro importá-la do que obtê-la localmente. Isto também se deve ao alto custo do transporte terrestre provocado pela falta de estradas. Contudo, ainda se consegue adquirir madeira curta, como chulipas, entre 450 e 675 réis.

54O custo do alargamento da bitola no ramal de Setúbal da primeira secção da linha do Sueste com o material antigo, mas travessas novas, juntamente com a substituição, ao longo dos 13 km do ramal, dos coxins partidos durante o processo de levantamento da linha antiga, foi o seguinte.

ou 1.256 contos/km.

55Observou-se que quando o governo vendeu a linha do sul à South Eastern Company, o material fixo e circulante passou simultaneamente com a linha para a companhia inglesa.

56Todo este material foi mais tarde cuidadosamente avaliado. As tabelas constantes neste relatório apresentam em detalhe o número de cada classe de veículos, bem como os detalhes do stock de locomotivas de bitola estreita9, com o respetivo valor.

57Com o alargamento da bitola na linha do Sul, ou primeira secção do caminho-de-ferro do Sueste, o material circulante teve também que ser aumentado em largura, mediante acordo com o governo. Esta alteração já foi efetuada em seis das sete máquinas indicadas na lista de locomotivas anexa, mas o alargamento de carruagens e vagões ainda não está completa. Somente alguns veículos foram tratados, uma vez que existe na linha do Sueste material circulante suficiente para todas as necessidades, assim que a bitola foi uniformizada.

58A seis locomotivas aludidas foram alargadas pelo adicionamento de eixos e caixas de eixos e por ligeiras alterações nas estruturas a um custo médio de 0.87 contos por máquina. O valor do material foi precisamente o mesmo em cada caso, havendo apenas uma pequena diferença de máquina para máquina no custo do trabalho.

59A tabela seguinte fornece os detalhes do conjunto de locomotivas da linha do Sul, quando esta foi vendida à South Eastern Company pelo governo de Portugal, e os seus valores.

60Os desenhos número 10 e 10A, submetidos com este relatório, representam uma das seis locomotivas-tanque compradas pela companhia do Sul, descritas na tabela anterior.

61Devido ao tamanho dos seus cilindros, 36 cm, e da sua limitada capacidade para transportar água, estas máquinas não se adaptam a comboios pesados. São, contudo, muito úteis para ramais e comboios especiais, fins para os quais são conservadas e usadas. Permite uma poupança considerável na exploração e não são tão desgastantes para a via como o seriam as máquinas maiores.

62São, além disso, extremamente bem proporcionadas e custam comparativamente pouco para manter, enquanto são capazes de mover uma carga maior em proporção com o tamanho dos seus cilindros, do que as máquinas maiores, uma circunstância que o autor atribui à perfeição do seu desenho. Têm uma distância entre eixos de 4.26 m, enquanto as suas caldeiras têm de 3.2 m de comprimento com uma superfície de aquecimento de 68.19 m².

63A tabela anexa detalha o número, tipo e valor das carruagens e vagões, originalmente propriedade da companhia do Sul, agora em curso de alteração da bitola estreita para a bitola larga.

64A tabela seguinte oferece o valor estimado dos 70 km da linha do Sul, com o ramal de Setúbal, mostrando como o custo da linha excedeu minimamente o valor do subsídio

65Propõe-se agora proceder à descrição do troço do caminho-de-ferro de Sueste localizado entre Vendas Novas, Évora e Beja, que forma a segunda secção desta linha, na qual os trabalhos de cada classe são semelhantes em tipo e mão-de-obra.

66Depois de sair de Vendas Novas, o caminho-de-ferro do Sueste segue em direção a leste e, com o auxílio de curvas cujo raio não excede 500 m e de inclinações máximas de 10 mm/m, chega ao entroncamento de Casa Branca, onde a linha se bifurca em duas, uma continuando até à cidade de Évora (a 26 km de distância do ponto de partida), a outra prosseguindo em direção a Beja (a uma distância de 64 km desde o entroncamento). Juntamente com os 33 km de Vendas Novas ao entroncamento de Casa Branca e com os 26 km desde este ponto até Évora, a extensão total desta secção é de 123 km ao todo.

67As tabelas seguintes indicam as extensões de curvas e inclinações neste troço do caminho-de-ferro do Sueste. Nelas pode notar-se que dos 123 km totais, 91.25 km são em reta e o resto em curva de raios entre 500 m e 5,000 m. No que respeita aos declives, pode ver-se que dos 123 km totais, somente 20.75 km são em linha horizontal, sendo os restantes 102.25 km com inclinações entre os 10 mm/m e os 1.66 mm/m.

68A composição do solo nesta secção da linha difere um pouco do material encontrado na linha do Sul, sendo de uma natureza mais cascalhuda, enquanto uma quantidade considerável de pedra dura e escura foi encontrada durante a abertura das trincheiras, independentemente da sua profundidade. Devido ao carácter ondulante do território, mais abrupto neste troço da linha do que na secção ocidental, a quantidade de escavação e movimento de terra foi aumentada proporcionalmente à distância, um facto que é observável na comparação das estimativas das duas secções da linha. No caso da primeira secção, existem 70 km com uma quantidade média de 11,291 m³ de movimentos de terra por cada um deles, enquanto no troço de sueste, há uma quantidade média de 12,424 m³ de movimentos de terra por cada um dos 123 km da linha ou 1,133 cm³/km em excesso em relação à quantidade da primeira secção.

69As obras de arte são também superiores em número e magnitude nesta secção, embora não se possa dizer que elas são excessivas em cada um dos casos.

70A lista seguinte contém a totalidade das obras de arte localizadas neste troço da linha, com as suas dimensões, enquanto o desenho n.º 7 fornece uma representação de cada classe de trabalho, exceto pontes de ferro, uma das quais é ilustrada no desenho n.º 11. A quantidade e valor de todo o trabalho de ferro e alvenaria na linha são descritos na seguinte estimativa de custos desta secção.

Declaração discriminada das obras de arte na segunda secção do caminho-de-ferro do Sueste

6 pontes em arcos com vãos entre 3.04 m e 7.01 m de comprimento

13 pontes com vigas de ferro forjado com vãos entre 6.09 m e 10.36 m de comprimento

57 aquedutos em arco com vãos entre 91 cm e 3.04 m de comprimento

66 escoadouros circulares com vãos entre 38 cm e 1.21 m

4 escoadouros circulares duplos com vãos desde 61 cm de comprimento

4 aquedutos com topo aberto com vãos entre 61 cm e 1.21 m de comprimento

26 aquedutos quadrados com vãos entre 45 cm e 83 cm de comprimento

71Esta linha foi escavada e os aterros construídos para receber um único par de carris, embora as pontes e outras obras de arte tenham sido erigidas para permitir o acrescentamento de uma segunda linha, assim que tal medida se torne necessária.

72A via permanente foi construída com carris de cabeça dupla, de 6.4 m de comprimento e 34 kg/m de peso, assentes em coxins de ferro fundido de 9.97 kg cada. Os carris foram fixados aos coxins da maneira usual, com chaves modernas. Os coxins foram fixados às travessas com cavilhas de madeira e escápulas de ferro.

73As travessas usadas têm forma retangular. Medem 2.74 m de comprimento, 25.4 cm de largura e 12.7 cm de profundidade e foram tratadas com creosote Mennel.

74Um desenho desta via permanente, com o n.º 12, é anexo a este relatório.

75O autor considera que o uso de cavilhas na via permanente em climas quentes é altamente questionável, uma opinião à qual chegou depois de uma ponderada análise sobre o assunto, tanto aqui como na Índia. Descobriu que as cavilhas com quatro a seis meses de duração se tornam extremamente quebradiças e consequentemente inseguras, especialmente nas curvas. Devido a esta circunstância, está-se neste momento a trocar na linha do sueste as escápulas de madeira por escápulas de ferro.

76A diferença entre a espessura de uma cavilha e de uma escápula de ferro é compensada pela inserção de um casquilho ou uma arruela de ferro, cuidadosamente inserido no coxim antes da colocação da escápula para evitar a quebra do coxim, que geralmente resulta do facto de a escápula e a arruela não caberem perfeitamente no buraco do coxim.

77Os assentadores, por norma, gostam das cavilhas, por considerarem que uma via pode ser fixada mais adequadamente com cavilhas do que com ferro. Isto talvez seja verdade, mas depois de uma linha ser aberta ao trânsito, as escápulas de ferro devem ser usadas o quanto antes para evitar acidentes. As cavilhas foram originalmente usadas na construção do caminho-de-ferro.

78A ação química do enferrujamento do coxim, provocado pela passagem da água das chuvas entre o coxim e a cavilha, provoca uma deterioração rápida e inevitável. O autor amiúde encontrou partes da linha em que as cavilhas, à primeira vista, estavam em perfeita condição. Contudo, após uma inspeção mais atenta, notava-se que o coxim apenas estava em posição por se ter enterrado na travessa, em virtude da deterioração da junção entre o coxim e a travessa, onde a cavilha, no seu estado de decadência parcial, normalmente cede por ação da orla mais afiada do coxim e do movimento dos comboios. O detalhe mais alarmante é que só a mais cuidada inspeção deteta uma fratura numa cavilha, uma vez que pela sua aparência exterior a peça parece perfeitamente funcional.

79A bitola da segunda secção da via permanente do Sueste, como indicada no desenho n.º 12, é de 1.67 m entre carris. As chulipas estão colocadas a uma distância média de 1.05 m, existindo seis travessas para cada par de carris, os quais são presos uns aos outros através de éclisses de 48 cm de comprimento com quatro parafusos e porcas.

80Já se referiu que esta secção do caminho-de-ferro do Sueste foi originalmente construída mediante uma soma predeterminada por quilómetro. Mas como pode ser interessante saber a exata quantidade de trabalho na linha, bem como o seu custo detalhado, oferece-se uma estimativa da despesa da construção, a qual pode ser tomada como uma base fiável para todas os projetos similares em Portugal.

81As tabelas seguintes contêm uma descrição e os valores do material circulante, que fazem parte da estimativa fornecida em anexo.

E o stock de carruagens e vagões, com que a mesma secção foi munida ao tempo da sua abertura está detalhado com o seu valor na lista seguinte

A totalidade desta secção tem 123 km ou 77 milhas de extensão, juntamente com o seu material circulante, custou o seguinte

82Da leitura da lista de locomotivas fornecidas à segunda secção do caminho-de-ferro do Sueste, nota-se que, à exceção de uma máquina-expresso e uma máquina de mercadorias, as outras seis são de um tipo semelhante.

83Estas seis máquinas têm quatro rodas acopladas, com rodas traseiras mais pequenas por baixo da cabine da locomotiva, cilindros de 41 cm de diâmetro, com rodas motrizes de 1.52 m, superfície de aquecimento de 105 m², caldeiras de 3.35 m de comprimento e distância entre eixos de 4.42 m.

84Os tênderes são ordinários e apoiados por três pares de rodas, cada uma com 1.14 m de diâmetro. Têm capacidade para transportar 7,273 l de água.

85Sem querer de maneira alguma desvalorizar o design destas locomotivas, mostrado no desenho n.º 13, que, para os fins de caminhos-de-ferro ordinários, é excelente, as máquinas não parecem ser de modo algum apropriadas para uma linha como a que do Sueste há-de se tornar quando os seus prolongamentos, agora em construção, estiverem prontos.

86A experiência demonstra que muita potência é perdida e combustível gasto com estas locomotivas para vencer os declives atuais, rebocando comboios pesados a velocidades de 16 km/h.

87Por exemplo, supondo que o vapor entre nos cilindros a uma pressão de 6.89 bar, cortado em um quarto do ciclo, quando o pistão chega ao fim do ciclo a pressão caiu de 6.89 bar para 1.72 bar e é expelida pela chaminé a uma velocidade e força equivalentes àquela pressão. Quando o vapor é cortado a meio do ciclo, a velocidade é consequentemente maior à medida que o vapor entra no escape a 3.45 bar de pressão e a força assim criada é proporcionalmente intensificada.

88O efeito de tudo isto é que, em circunstâncias como as tentamos explicar, o vapor é levantado da caldeira antes de ter sido suficientemente queimado e de ter feito o seu trabalho, e é transportado através dos tubos para a caixa de fumo, de onde tem que ser removido na forma de cinzas, mais ou menos frequentemente ao longo da ferrovia.

89Isto é devido, na opinião do autor, a uma insuficiente superfície de aquecimento, que precisa de uma força que gere a necessária quantidade de vapor, mas que tem um efeito sobre o fogo que seria desejável remediar.

90Na extensão do caminho-de-ferro para lá de Beja, em direção a Faro na província do Algarve, os raios de curva mínimos serão de 200 m, ao passo que o gradiente máximo será igual a 25 mm/m. Para que esta linha possa ser operada com facilidade e economia, propõe-se a construção de uma locomotiva que possa transportar cargas pesadas mistas de passageiros e mercadorias, tanto a fazer curvas apertadas, como a vencer declives acentuados.

91A máquina de bogies apresenta-se como adequada a este fim, mas contra esta solução levantam-se algumas objeções. Em primeiro lugar, embora não seja necessário erguer a caldeira a uma altura excessiva para inserir rodas suficientemente grandes por baixo do próprio bogie, é necessário levantá-la tão alto acima dos carris que se coloca em risco a estabilidade da locomotiva. Além disso, é aceite que máquinas de bogies, sempre que possam ser dispensadas, não devem ser usadas, pois estão sujeitas a desconjuntar-se na confluência entre a caldeira e o próprio bogie. Em países estrangeiros, em caminhos-de-ferro com trânsito leve ou com poucos comboios, a manutenção destas máquinas torna-se mais dispendiosa, em particular onde o uso de dispositivos mecânicos para as içar não é possível. É geralmente referido por quem já teve que lidar com este tipo de locomotivas, que elas necessitam de içamentos e ajustamentos mais frequentes do que qualquer outra classe de locomotiva.

92Tendo em vista estas objeções à locomotiva de bogies, bem como a construção de uma máquina adequada a percorrer curvas de 200 m com a menor fricção possível e com a potência necessária para subir declives de 25 mm/m puxando comboios pesados a 32 km/h, o autor preparou um esquema para uma locomotiva deste género.

93Esta máquina, que está representada no desenho n.º 14, foi desenhada com uma distância entre eixos de 4.5 m. Para fazer face à curvatura extrema da linha, prevê-se a instalação, nas rodas dianteiras, do aparelho de translação Slaughter & Caillet. Trata-se de uma invenção simples e bem concebida que, através de molas de controlo fixadas ao centro do eixo principal e com as extremidades a pressionar o interior da estrutura da locomotiva, possibilita um deslocamento transversal das rodas principais, o que por meio de uma ligeira aumento da ação das bronzinas permite um maior ajuste à curvatura dos carris. Por outro lado, as molas espirais, ao readquirir a forma retilínea trazem as rodas de volta à sua posição normal sem choque ou perturbação à distribuição de peso da locomotiva sobre os seus eixos.

94Para que estas máquinas possam vencer declives acentuados com cargas pesadas, sem perturbar as suas caldeiras, propõe-se, como já foi referido, uma distância entre eixos de 4.5 m, cilindros externos de 43 cm com cursos dos êmbolos de 56 cm e rodas motrizes de 1.67 m de diâmetro. As rodas dianteiras, com o aparelho de translação, têm 1.14 m de diâmetro. As caldeiras têm 3.65 m de comprimento e uma superfície de aquecimento de 131 m².

95A potência adicional destas máquinas em relação às que estão agora a ser usadas torna-se evidente através dos cálculos anexos sobre os méritos comparados de ambas, usando a fórmula de Pambour para cotejar a força de tração de locomotivas, pois esta não será tão subitamente ejetada como nas máquinas existentes.

Força de tração

d = diâmetro dos cilindros

S = curso dos êmbolos

P = pressão media nos pistões

D = diâmetro da roda motriz

T = força de tração

96Assim, no caso das locomotivas existentes

97Os prolongamentos da linha do Sueste, mostrados a vermelho no mapa que acompanha este relatório, terão, quando terminados, 300 km de extensão: o primeiro irá de Évora, por Estremoz, ao Crato; o segundo, de Beja ao rio Guadiana, com o objetivo último de chegar a Sevilha, em Espanha10; o terceiro e último desde o mesmo ponto de Beja a Faro, na costa sul de Portugal. Acredita-se que, assim que concluídos, estas linhas irão não só aumentar o comércio do país, por causa das grandes facilidades de transporte que proporcionarão, mas também ser remuneradores para a companhia do caminho-de-ferro.

98A região em torno de Estremoz é também extremamente rica em minério de cobre e várias minas importantes estão correntemente em exploração naquele concelho, que exporta grandes e crescentes quantidades de minério.

99O objetivo do prolongamento da linha de Beja ao rio Guadiana é ligar Sevilha e Cádis a Inglaterra e aos Brasis através de Lisboa, sendo simultaneamente possível que um trânsito de minério possa também resultar da sua construção, já que o território até à fronteira é rico em minério de cobre e ferro.

100A construção da linha de Beja até Faro tem em vista o transporte de manganês, que existe em abundância nos primeiros 80 km da linha após sair de Beja. Espera-se também que as produções da rica província do Algarve, em vez de serem expedidas por mar desde Faro e outros portos da costa sul – nenhum deles capaz de receber, sem inconvenientes, navios de 300 t de peso – sigam por terra até Lisboa, de onde podem ser expedidos até ao seu destino final. Se este resultado for atingido, contribuirá grandemente para tornar esta linha remunerativa. Ao mesmo tempo, a existência do caminho-de-ferro proporcionará emprego a uma grande faixa da população, a quem o governo tem ao presente dificuldade de manter e pagar adequadamente.

C. F. White.

Lisboa, 2 de Janeiro de 1868.