Introdução

1O ensino superior no âmbito da Ciência da Informação em Portugal remonta a 1887, segundo Borges, Freitas e Oliveira (2019), inicialmente como curso superior, depois pós-graduação, que, em 1982, com um novo formato, procurou responder a uma necessidade há muito sentida. Esta pós-graduação, denominada Curso de Especialização em Ciências Documentais, foi criada inicialmente na Universidade de Coimbra, tendo na altura duas opções: Arquivo e Documentação e Biblioteca (SOUZA et al., 2009).

2No Decreto-Lei n.º 87/82 de 13 de julho, que criou o referido curso, é dito (PORTUGAL, 1982, 2089–2090):

«A transferência da informação nas suas diferentes modalidades, sendo um importante factor de desenvolvimento do país, pressupõe a criação e a dinamização de infra-estruturas na área dos serviços de documentação, de biblioteca e de arquivo.
Perante a grande evolução das actividades profissionais nas últimas décadas neste domínio, torna-se indispensável planear uma formação adequada que permita, inclusive, alargar a capacidade de utilização dos sistemas de informação já existentes a nível mundial, sendo que o investimento que neste campo se fizer terá um poderoso efeito multiplicador».

3Seguiu-se depois a criação do Curso de Especialização, em outras universidades públicas e privadas, alargando assim a oferta de formação superior na área um pouco por todo o País.

4Como refere Pinto (2008), o Curso tinha como objetivo dotar os profissionais na área das ciências documentais com conhecimentos que lhes permitissem conceber, planificar, gerir, desenvolver e assegurar o funcionamento dos serviços de documentação e informação, de biblioteca e arquivo,

«sendo admitidos como candidatos ao curso os detentores de licenciatura em qualquer área do saber, com o domínio de uma língua (inglês, francês ou alemão), no caso de Coimbra, de uma língua e Latim (para a opção arquivo) e de duas línguas (para a opção Documentação e Biblioteca), no caso de Lisboa e exigindo, no caso do Porto, o conhecimento de pelo menos uma língua estrangeira, bem como a frequência prévia das disciplinas de Paleografia e Latim, para os alunos da opção de Arquivo que não fossem titulares das mesmas» (13).

5Criado com estatuto de «pós-graduação», passou a constituir condição indispensável para o provimento dos lugares de técnicos superiores de Arquivo ou de Biblioteca e Documentação nos quadros da administração pública portuguesa.

6Anos mais tarde, para além dos cursos de especialização, surgem as licenciaturas em Ciência da Informação, tendo a primeira das quais surgido em 2001 na Universidade do Porto (RIBEIRO et al., 2002). No dizer de Ribeiro, Leite e Cerveira (2004), com a criação desta licenciatura:

«Abriu-se um novo campo para a formação de gestores de informação, preparados para enfrentar os desafios colocados pela tecnologia e para responder com soluções eficazes aos problemas informacionais que ocorrem nos mais variados contextos» (31).

7Tal como havia acontecido com os cursos de especialização, também outras licenciaturas surgiram em Portugal, passando a coexistir nas várias instituições de ensino superior com estes. A etapa seguinte passou, naturalmente, pela criação de Mestrados e Doutoramentos na área da Ciência da Informação, que vieram substituir os cursos de especialização um pouco por todo o País com a implementação do Processo de Bolonha. A criação destes cursos de pós-graduação, de mestrado e doutoramento fora dos grandes centros (Lisboa, Porto e Coimbra) proporcionaram um acesso mais fácil à formação especializada a quem se encontrava noutros pontos do País.

8Atualmente, a nível nacional, na sequência dos processos de acreditação, decresceu a oferta formativa, nomeadamente nos cursos dos 2.º e 3.º ciclos, e a sul de Lisboa não existe nenhum curso na área da Ciência da Informação (BORGES et al., 2019).

9O novo modelo curricular, com diferentes graus de ensino implementados, veio, por um lado, propiciar uma formação profissionalizante e, por outro, o desenvolvimento da vertente de investigação, fundamental à consolidação científica desta área do saber.

10Vários autores, apesar das alterações ao longo dos anos (CALIXTO, 2008; RIBEIRO et al., 2009; BORGES et al., 2019; SILVA, 2013), têm referido a escassez de trabalhos científicos e que só recentemente a investigação científica na área da Ciência da Informação se tem desenvolvido em Portugal. Como apontava Calixto em 2008, apesar do número de alunos ter aumentado com a oferta formativa nos vários ciclos de estudo do ensino superior, não foi expressiva a sua «afirmação no meio universitário» (CALIXTO, 2008, 64). Em 2009, existiam 17 cursos na área e, de acordo com Ribeiro e Pinto (2009), o número de estudantes era cerca de 600 por ano. Não se localizou informação sobre a situação atual, mas naturalmente que a diminuição de cursos ativos nesta área do conhecimento influencia o número atual de alunos.

11Com o presente estudo, e pretendendo-se conhecer a investigação em Ciência da Informação sobre o Sul do País, fez-se um levantamento e uma análise da produção académica e científica ao nível das teses e dissertações produzidas nesta área do conhecimento em todas as instituições do ensino superior portuguesas.

12Assim, consideraram-se para análise do estudo sobre o Sul de Portugal cinco instituições a Sul: Instituto Politécnico de Setúbal, Instituto Politécnico de Beja, Instituto Politécnico de Portalegre, Universidade de Évora e Universidade do Algarve. Apenas na Universidade do Algarve e na Universidade de Évora se encontraram trabalhos de mestrado e doutoramento no âmbito da Ciência da Informação, por terem oferecido, até 2015, formação superior nessa área. Deste modo, no caso da Universidade do Algarve, consideraram-se trabalhos do Mestrado em Ciências Documentais e, da Universidade de Évora, do Mestrado e do Doutoramento em Ciências da Informação e Documentação.

13Porém, e uma vez que com o presente estudo se pretendia efetuar uma análise da investigação em Ciência da Informação, sobre o Sul do País, recuperaram-se, através de pesquisa, trabalhos de mestrado e doutoramento de outras instituições de ensino superior do País, mas que versavam sobre factos, temas e instituições geograficamente situadas no Sul de Portugal.

14Dos estudos publicados sobre a investigação em Ciência da Informação, em Portugal, que tiveram por base diferentes fontes de informação (Cadernos BAD, Páginas A & B, Atas de congressos e Encontros, Web of Science, Scopus, Dissertações de Mestrado e Teses de Doutoramento, entre outras), não se investigou a perspetiva da área geográfica de onde provêm ou sobre a qual incidiram. Assim, o objetivo deste estudo, para além de se justificar pela obra em que se insere, é inovador por ser direcionado para o Sul e permite dar a conhecer que temas e instituições foram alvo de investigação em Portugal ao nível dos trabalhos académicos.

Metodologia

15A existência dos repositórios em acesso aberto nas várias instituições de ensino superior nacionais permitiu, na primeira fase desta investigação, fazer o levantamento dos trabalhos de mestrado e doutoramento em Ciência da Informação nos repositórios das 15 instituições de ensino nacionais que oferecem ou ofereceram cursos de mestrado e doutoramento em Ciência da Informação, Ciências Documentais e Ciências da Informação e Documentação, no período entre os anos de 2005 e 2020. Este levantamento teve como objetivo a recolha das teses e dissertações no âmbito da Ciência da Informação sobre assuntos e instituições do Sul do País.

16Posteriormente, e sendo o presente trabalho um estudo sobre a investigação em Ciência da Informação ao Sul e apesar de apenas a Universidade do Algarve e a Universidade de Évora terem oferecido num passado próximo formação nesta área, optou-se por realizar, igualmente, uma pesquisa nos repositórios das restantes três instituições de ensino superior do Sul do País: Instituto Politécnico de Setúbal, Instituto Politécnico de Beja e Instituto Politécnico de Portalegre para aferir a existência de algum trabalho sobre Ciência da Informação, Bibliotecas ou Arquivos relacionado com esta região.

17O processo de pesquisa nos repositórios revelou-se muito trabalhoso e moroso, uma vez que foi necessário realizar pesquisas individuais em cada um dos repositórios e aceder individualmente a cada um dos trabalhos recuperados, inicialmente, para aferir se tratavam temáticas e ou instituições do Sul do País, e, após esta verificação, para a recolha de informação diversa sobre cada trabalho: instituição, ano, nome do autor, título, nome do curso, grau, palavras-chave e método de investigação. Todas as palavras-chave foram analisadas e uniformizadas para evitar a sinonímia e a existência de singular e plural nos diferentes termos.

18A dificuldade na pesquisa, localização e identificação destes trabalhos poderá ter limitado a exaustividade da mesma. Apesar de os trabalhos académicos estarem acessíveis, de forma individual nos respetivos repositórios e agregados nos Repositórios Científicos de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP), os seus sistemas de pesquisa são limitados, como referem alguns autores: os repositórios não permitem identificar os trabalhos de determinado mestrado ou doutoramento (SILVA, 2013); é inexistente um único agregador, ou base de dados, onde esteja reunida toda a informação especificamente sobre os trabalhos produzidos em Ciência da Informação em Portugal (CALIXTO, 2008),

«afigura-se oportuno sublinhar que o facto de ter sido necessário convocar um conjunto tão diverso de fontes denota, à partida, uma manifesta fragilidade no sistema de organização e recuperação da informação científica tal como ainda se nos oferece atualmente, à semelhança do que experimentámos para a recuperação das teses de doutoramento, não havendo uma fonte única capaz de nos restituir resultados totais.» (BORGES et al., 2019, 269).

19Este estudo utiliza a bibliometria, que, como refere Cerqueira e Silva (2007), visa analisar quantitativamente a produção científica, utilizando métodos estatísticos e matemáticos. González-Alcaide (2021) refere que, ao longo dos anos, tem havido um grande crescimento no número de estudos que utilizam a bibliometria.

20Para Pritchard (1969), os estudos bibliométricos são aqueles que analisam o modo como determinado campo de estudo, disciplina ou área científica usa e dissemina a informação através dos canais de comunicação formais e informais, recorrendo para o efeito à aplicação de métodos estatísticos para análise de conteúdo de livros, revistas e outros meios de difusão académica. No presente caso, a análise foi feita com base nas teses e dissertações recuperadas a partir dos vários repositórios institucionais, com o objetivo de conhecer e dar a conhecer a produção científica no âmbito da Ciência da Informação sobre instituições, temáticas ou personalidades do Sul do País.

21Tendo em vista a análise dos dados recolhidos, os mesmos foram inseridos numa folha do programa Excel da Microsoft e a partir daí elaborados diversos gráficos e tabelas.

22Efetuou-se uma abordagem empírica de tipo qualitativo, com investigação documental e documental, procurando identificar tendências, áreas e temáticas de investigação, mas foi utilizada também uma abordagem quantitativa de análise e quantificação dos resultados obtidos. No dizer de Coutinho, «a análise de conteúdo é, pois, um conjunto de técnicas que permitem analisar de forma sistemática um corpo de material textual, por forma a desvendar e quantificar a ocorrência de palavras/frases/temas “chave”» (COUTINHO, 2016, 217). Esta abordagem permitiu, assim, analisar e quantificar os resultados obtidos a partir da recolha das teses e dissertações dos vários repositórios.

Resultados

Instituição

23Das pesquisas efetuadas nos repositórios das 15 instituições nacionais com formação em Ciência da Informação, para o período entre os anos 2005 e 2020, foram recuperados um total de 713 trabalhos, dos quais 669 são dissertações de mestrado e 44 teses de doutoramento, como se pode observar no Gráfico 1.

24Esta significativa diferença é resultado do tipo de oferta formativa que existiu e existe em Portugal, sendo na sua maioria cursos de mestrado. Já em 2008, Calixto referiu que, apesar de o número de dissertações de mestrado e teses de doutoramento ter aumentado, considera, no seu total (23 na altura), o número reduzido comparado com o número de alunos inscritos.

Gráfico 1. Número total de trabalhos por ciclo de estudos entre 2005–2020

25Na Tabela 1, pode observar-se a lista das instituições em cujos repositórios se pesquisou e que têm ou tiveram formação em Ciência da Informação, bem como a designação dos respetivos cursos de mestrado e doutoramento.

Tabela 1. Instituições com cursos de mestrado e doutoramento em Ciência da Informação em Portugal

26Dos 713 trabalhos contabilizados, verificou-se que apenas 44 (cf. Anexo 1) eram no âmbito da Ciência da Informação sobre o Sul (instituições, personalidades, temas e/ou factos), sendo provenientes de sete das quinze instituições de ensino superior em análise. A maioria são dissertações de mestrado, tendo sido localizada apenas uma tese de doutoramento. Verificou-se que as instituições com mais trabalhos neste âmbito são a Universidade do Algarve, com 17 dissertações, e a Universidade de Évora, com 15 dissertações e uma tese de doutoramento, como se pode observar na Tabela 2.

Tabela 2. Instituições e número de trabalhos por Curso

27De referir que, do conjunto dos oito cursos com trabalhos identificados, apenas dois se mantêm ativos, tendo os restantes sido descontinuados, quer por iniciativa da própria instituição de ensino superior, quer pela ação da A3ES, ao não acreditar os respetivos cursos, como se pode observar na Tabela 3.

Tabela 3. Situação dos Cursos em Ciências da Informação e Documentação em 2020

28Porém, no decurso do levantamento realizado a partir dos repositórios institucionais, fez-se, igualmente, o levantamento e a recolha global de trabalhos das instituições de ensino superior do Sul do País para aferir a existência de outros estudos que, sendo de outros cursos que não no âmbito da Ciência da Informação, abordavam de alguma forma esta temática; recuperam-se mais 15 dissertações (cf. Anexo 2). A identificação destes cursos (Tabela 4) revela-se pertinente, porque deste modo se engloba e enriquece o conhecimento sobre os estudos realizados na formação de 2.º e 3.º ciclo do ensino superior, sobre a Ciência da Informação, na área geográfica em questão.

Tabela 4. Outros cursos com trabalhos em Ciência da Informação

29Assim, e apesar de o presente trabalho não ter como objeto de estudo a análise destas dissertações, a sua existência não pode deixar de ser referida e reforça não só a interdisciplinaridade da Ciência da Informação, como revela sobretudo que as bibliotecas desempenham um papel fundamental, por exemplo, ao nível da Educação Pré-Escolar. Na Tabela 5, é possível consultar a lista destas 15 dissertações e perceber que a maioria é sobre o papel das bibliotecas, a importância da leitura e a formação dos leitores no ensino pré-escolar e no 1.º ciclo.

Tabela 5. Lista de trabalhos de mestrado em outros cursos

30Destas 15 dissertações (cf. Tabela 5), verificamos que seis são da Universidade do Algarve, cinco do Mestrado em Promoção da Leitura, e destacam-se sobretudo as questões da leitura e das bibliotecas escolares. Nas restantes três instituições, Instituto Politécnico de Portalegre, Instituto Politécnico de Beja e Instituto Politécnico de Setúbal, cada uma tem três dissertações, destacando-se quer as bibliotecas públicas quer as escolares. De referir ainda que, apesar de a maioria dos trabalhos ser no âmbito de Mestrados de Educação, há duas dissertações sobre planos de emergência em bibliotecas, do Mestrado de Segurança e Higiene no Trabalho, do Instituto Politécnico de Setúbal, versando sobre os riscos, internos e externos, existentes nos edifícios das bibliotecas. Geograficamente, estes 15 trabalhos são todos sobre instituições que se localizam no Sul do País.

31Como já mencionado, neste trabalho procurou-se fazer o levantamento dos trabalhos de mestrado e doutoramento em Ciência da Informação sobre temas, factos e instituições do Sul do País, pelo que, a partir de agora, os dados apresentados serão exclusivamente de cursos nessa área, em todo o País, e já identificados na Tabela 2.

Evolução anual

32No período em análise, 2005 a 2020, foram recolhidos um total de 43 trabalhos, sendo que os anos com maior número foram 2012 e 2013, com 10 e 12 trabalhos respetivamente, como se pode observar no Gráfico 2. Nos anos seguintes, ocorreu um grande decréscimo com apenas dois trabalhos em 2014, subindo ligeiramente, com quatro em 2015, e desceu em 2016 (dois) e em 2017 (um). Nos anos de 2006, 2018 e 2020, não se localizaram quaisquer trabalhos. Não é de estranhar o número reduzido de trabalhos nos últimos cinco–seis anos, uma vez que a maioria dos cursos já não se encontra a funcionar (Tabela 3). Da lista de cursos e instituições, com trabalhos sobre o Sul do País, apenas se mantêm ativos o Mestrado em Ciências da Documentação e Informação da Universidade de Lisboa e o Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação do ISCTE. A média anual, no universo em análise, no decurso dos 16 anos foi de 2275 trabalhos.

Gráfico 2. Número de trabalhos por ano, entre 2005 e 2020

Tipologia

33Do total de trabalhos recuperados, verifica-se, como já referido, haver apenas uma tese de doutoramento. Dos restantes 43 trabalhos, 29 são dissertações de mestrado e 14 relatórios de estágio, apresentados como trabalho final de mestrado. Esta proporção era expectável, já que no total dos 713 trabalhos identificados na área da CI apenas 44 eram teses de doutoramento. A maioria dos trabalhos de mestrado foram apresentados na Universidade do Algarve, incidindo a maioria sobre a Biblioteca Municipal de Faro (quatro trabalhos) e a de Albufeira (três trabalhos).

Gráfico 3. Número total de trabalhos por tipo tipologia entre 2005–2020

Tipo de acesso

34A criação dos repositórios institucionais está ligada ao movimento do Acesso Aberto, com a disponibilização dos trabalhos das várias instituições de ensino superior, que visa a partilha do conhecimento e cria a expetativa de que os mesmos estejam acessíveis em texto integral. Porém, constatou-se que os 16 trabalhos da Universidade de Évora têm o acesso embargado, por razões não identificadas, tornando impossível aceder ao texto integral dos documentos, o que teve consequências na análise dos dados destes trabalhos, que se basearam unicamente no título, resumo e palavras-chave. Os restantes 28 trabalhos estão acessíveis na íntegra a partir dos repositórios, por isso, foi possível descarregá-los sem qualquer restrição e proceder à sua análise.

Gráfico 4. Número total de trabalhos por tipo de acesso

Género

35Relativamente à tipologia do género dos autores, e como se pode observar no Gráfico 5, verifica-se que a maioria dos trabalhos, 34 em 44, foram realizados por alunos do sexo feminino, o que é uma tendência no ensino superior em Portugal e já foi constatado noutros estudos, como o de Silva (2013), sobre os autores das dissertações de mestrado em Ciência da Informação, em que as mulheres representavam 67 % e os homens 33 %. Apesar do contexto e profundidade do nível de estudos ser diferente, a análise mais recente de Borges, Freitas e Oliveira (2019) confirma esta tendência nos estudantes de doutoramento, em que 82 % dos trabalhos foram realizados por estudantes do sexo feminino. Apesar da diversidade de contextos, essa tendência também se observa neste estudo.

Gráfico 5. Número total de trabalhos por género

Região

36Como já anteriormente referido, o objetivo do presente trabalho visa o levantamento das teses e dissertações no âmbito da Ciência da Informação sobre o Sul do País. Neste âmbito, procurou saber-se sobre que regiões, mais especificamente, versavam os trabalhos identificados (cf. Tabela 6).

37Percecionou-se um grande equilíbrio entre o Alentejo e o Algarve, com 20 e 18 trabalhos respetivamente, e da região de Setúbal recuperaram-se seis trabalhos. Nestas duas regiões mais a Sul, a grande maioria dos trabalhos está relacionada com os seus grandes centros urbanos, Évora e Faro.

Tabela 6. Número total de trabalhos por região e localidade: número e percentagem

38Dos 20 trabalhos sobre o Alentejo, oito são sobre a localidade de Évora, quatro de Portalegre, havendo ainda trabalhos sobre Alcácer do Sal, Beja, Borba e Sines. Há ainda dois trabalhos, um sobre o Baixo Alentejo e outro sobre o litoral alentejano. A única tese de doutoramento é um trabalho sobre esta região (Alentejo), mais concretamente um trabalho que estuda a bibliofilia de D. Frei Manuel do Cenáculo.

39Da região do Algarve, temos 18 trabalhos, dos quais sete são sobre bibliotecas de Faro (públicas, escolares e ensino superior) e quatro de Albufeira. Os restantes sete estão distribuídos por outras localidades do Algarve (Aljezur, Loulé, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António), havendo um sobre o Algarve no geral, ou melhor, sobre O Santo Oficio e o Algarve (1700-1750).

40A região de Setúbal é a que tem menor número de trabalhos, apenas seis, distribuídos por Almada, Palmela, Seixal, Sesimbra e Setúbal.

41Pode-se induzir que os autores destes trabalhos aproveitam os cursos de pós-graduação para aprofundar de forma científica o conhecimento sobre a sua região, na área da Ciência da Informação, e que poderá ter como consequência a prestação de melhores serviços nas instituições, onde por vezes desenvolvem a sua atividade profissional.

Região e área temática

42Relativamente às áreas temáticas, é interessante verificar que, nas várias regiões, predominam os trabalhos sobre bibliotecas, com exceção de Setúbal, em que, dos seis trabalhos, quatro são sobre arquivos, como se pode observar na Tabela 7.

Tabela 7. Número total de trabalhos por região e temática: número e percentagem

Áreas temáticas e assuntos

43Relativamente aos assuntos dos trabalhos recuperados, com base nas palavras-chave, conseguiu-se perceber que, relativamente à área dos arquivos, a maioria dos trabalhos é sobre arquivos históricos, com nove em catorze. No que respeita às bibliotecas, as públicas são aquelas com maior número de trabalhos, 18 em 30, seguidas das bibliotecas escolares com cinco trabalhos.

Tabela 8. Número total de trabalhos por área temática e assunto: número e percentagem

44Relativamente aos trabalhos sobre arquivos históricos, dois são sobre arquivos de Portalegre (Arquivo da Sé e Arquivo Municipal) e os restantes de localidades diversas do Sul do País, como se pode observar na Tabela 9.

Tabela 9. Número total de trabalhos sobre arquivos históricos por localidade

45Sobre as bibliotecas públicas, sete dos trabalhos realizados são relatórios de estágio; destes, três são sobre a Biblioteca Municipal de Faro António Ramos Rosa, três sobre a Biblioteca Municipal Lídia Jorge, em Albufeira, e um da Biblioteca da Fundação Manuel Viegas Guerreiro, no concelho de Loulé.

46Há três dissertações sobre a Biblioteca Pública de Évora, duas sobre a Biblioteca Municipal de Beja e duas sobre a Biblioteca Pública de Portalegre. Como já se mencionou, um dos trabalhos é sobre Beja e um dos trabalhos sobre Portalegre é sobre bibliotecas itinerantes, extensões do serviço público prestado pelas bibliotecas municipais junto das zonas mais isoladas dos concelhos.

47De referir ainda que quatro dos dezoito trabalhos sobre bibliotecas públicas são simultaneamente sobre bibliotecas escolares, destacando quer a cooperação entre estas duas tipologias de bibliotecas, quer o apoio prestado pelas bibliotecas públicas às bibliotecas escolares.

Tabela 10. Número total de trabalhos sobre bibliotecas públicas por localidade

48Assim, e no que se refere às bibliotecas escolares, para além dos quatro acima mencionados sobre a colaboração existente estre bibliotecas públicas e bibliotecas escolares, foram recuperados mais cinco trabalhos sobre bibliotecas escolares que destacam sobretudo a importância destas instituições na promoção da leitura e da literacia da informação.

Tabela 11. Número total de trabalhos sobre bibliotecas escolares por localidade

49Para além destas temáticas e respetivos assuntos, pode observar-se na Tabela 12 o conjunto de todos os trabalhos recuperados, classificados por assunto e temática. Esta classificação foi realizada com base nas palavras-chave de cada um dos 44 trabalhos e permite identificar o foco de interesse dos diferentes autores. Ma (2021), no seu estudo sobre os temas e métodos utilizados em mais de 3000 artigos publicados na área da Ciência da Informação, procedeu de igual modo: «All the keywords included in the retrieved bibliographic data were those supplied by the author(s)» (1065).

Tabela 12. Total de trabalhos por temática e assuntos: número e percentagem

50É possível verificar que, no âmbito dos arquivos históricos, predominam os trabalhos sobre descrição arquivística (seis em nove); ao nível das bibliotecas, para além das públicas que já se referiram, sobressaem os trabalhos sobre literacia da informação.

51Considerando que este capítulo faz parte de uma obra que tem como objetivo homenagear Maria José Moura, que se destacou no panorama das bibliotecas em Portugal, em especial pelo papel determinante que teve para a implementação da Rede Nacional das Bibliotecas Públicas no País, não se pode deixar de realçar o interesse dos autores dos trabalhos académicos pelos temas relacionados com as bibliotecas públicas, nomeadamente a área da dinamização da leitura, os fundos documentais quanto à sua gestão e tratamento documental, o marketing, a cooperação, os profissionais e a sua ação, para além do espaço físico, com as bibliotecas itinerantes, que podem alcançar as comunidades mais isoladas.

Metodologias e Métodos dos trabalhos

52A recolha de informação sobre os métodos foi realizada mediante a consulta do texto integral e resumos dos trabalhos académicos, nos respetivos repositórios institucionais. Como ilustra o Gráfico 6, a maioria dos autores (73 %) optou pelo uso de uma metodologia qualitativa.

53Dos restantes 12 trabalhos, quatro utilizaram metodologias mistas, outros quatro quantitativas, e não foi possível identificar as metodologias utilizadas nos outros quatro trabalhos, uma vez que o acesso ao documento estava embargado.

Gráfico 6. Trabalhos por método de investigação: número

54Para além da opção do tipo de metodologia usado, identificou-se qual o método empregue para a recolha de dados (Tabela 13). Como anteriormente referido, grande parte optou por metodologias qualitativas (31), com destaque para o método do estudo de caso (21). «O estudo de caso permite explorar a complexidade de determinados contextos, utilizando uma variedade de fontes de dados» (ESCALANTE GÓMEZ, 2021, 8). De facto, o estudo de caso tem vindo a ganhar popularidade crescente na investigação em Ciências Sociais e Humanas, nas quais a Ciência de Informação se enquadra, pelo que este era um resultado esperado. Ao nível dos métodos qualitativos, pode ainda salientar-se a análise documental com oito trabalhos. No dizer de Silva:

«a investigação documental é um método muito usado na atividade investigativa, de forma isolada ou com recurso à triangulação de métodos para o estudo de um determinado fenómeno. Permite obter uma sólida descrição de um fenómeno, evento ou organização, a partir da identificação e da análise das fontes de informação de natureza diversa.» (2021, 120).

Tabela 13. Total de trabalhos por método de investigação e de recolha de dados: número e percentagem

55Quatro dos trabalhos recorreram a métodos mistos e outros quatro a métodos quantitativos, com destaque para o inquérito por questionário. Em quatro trabalhos, não foi possível de todo aceder aos documentos, pelo que não foi possível obter qualquer informação sobre o método aplicado.

Considerações finais

56Os repositórios das instituições de ensino superior públicas portuguesas, apesar das dificuldades sentidas neste tipo de estudo na área da Ciência da Informação, proporcionam ótimas condições de pesquisa por autor, título ou assunto e consequente acesso à produção académica e científica das várias instituições, permitindo de forma remota aceder ao texto integral da grande maioria das teses e dissertações. No entanto, apesar de no caso deste estudo alguns trabalhos de mestrado não estarem disponíveis em texto integral, foi feito o levantamento dos dados e efetuada a respetiva análise, através do uso de métodos qualitativos e quantitativos.

57Do total de 713 trabalhos, localizados em todas as instituições portuguesas de ensino superior, apenas 44 são sobre o Sul de Portugal. Com a análise realizada, foi possível identificar as instituições de ensino superior que aprovaram trabalhos de mestrado e doutoramento enquadrados nesta área geográfica, em grande parte divididos entre a Universidade do Algarve (17) e a de Évora (16). O grande número de concelhos e localidades sobre os quais ainda não se realizaram estudos mostra que há um amplo leque de possibilidades a ser alvo de investigação.

58A apresentação dos trabalhos ocorreu entre os anos 2005 e 2020, mas foi em 2012 e 2013 que se atingiram os valores máximos de 10 e 12, respetivamente.

59Nos 44 trabalhos, apenas há uma tese de doutoramento, sendo as restantes dissertações (29) ou relatórios de estágio (14), que conduziram à obtenção do grau de mestre nas instituições de ensino superior.

60A pesquisa realizada nos repositórios permitiu identificar trabalhos nos repositórios de oito instituições, porém, no caso da Universidade de Évora, não foi possível aceder ao texto integral dos 16 trabalhos. Foi possível aceder aos restantes 28 trabalhos na íntegra.

61Os alunos, autores que obtiveram o grau de mestre ou doutor, foram na sua maioria do sexo feminino, o que foi também concluído noutros trabalhos em Ciência da Informação.

62A maioria dos trabalhos incidiu sobre a região do Alentejo (20), seguindo-se o Algarve (18) e, por fim, Setúbal (6). Relativamente aos temas, os trabalhos sobre o Alentejo e Algarve versaram maioritariamente sobre bibliotecas (15 e 13, respetivamente), enquanto que os sobre a zona de Setúbal abordaram na maioria os arquivos (4). Apesar da dispersão temática, foi possível verificar que os principais assuntos que se identificaram foram as bibliotecas públicas (18), seguidos dos arquivos históricos (9) e das bibliotecas escolares (5). Não foi, pois, de estranhar que o método de investigação mais utilizado tenha sido o estudo de caso.

63Realça-se a inexistência de outros estudos, que permitam identificar e analisar a situação existente nas bibliotecas e arquivos a nível das zonas geográficas. Com o crescimento das redes regionais destas instituições em todo o país, seria interessante investigar as realidades locais e regionais que poderiam servir de base para o desenvolvimento destas redes.

64Por fim, referir que Maria José Moura era originária do Sul do País (Évora) e certamente lhe daria satisfação observar estes resultados, apesar de que, com o seu grau de exigência, ambicionaria muito mais. Dedicamos-lhe este capítulo, com muito apreço por todo o esforço que dedicou à causa da Ciência da Informação, em Portugal, e em especial à Rede Nacional de Bibliotecas Públicas.