«Projeto SOS Azulejo»
Virar uma página na salvaguarda e valorização global do património azulejar português
Résumés
Este artigo apresenta a história do «Projeto SOS Azulejo», criado pelo Museu de Polícia Judiciária em 2007, como reação – mas também agindo pró-ativamente – contra um cenário extremamente negativo de delapidação do património azulejar português. Com a parceria de entidades muito diversificadas, este projeto levou a cabo uma série inovadora de ações pragmáticas e de sensibilização para a salvaguarda, valorização e estudo deste património cultural único e identitário português, obtendo resultados extremamente positivos, como a dramática diminuição dos furtos registados de azulejos históricos e artísticos portugueses, o estancamento da vaga de demolições de fachadas azulejadas e remoção de azulejos das mesmas em todo o território nacional (através de proposta de nova legislação específica, aprovada no Parlamento em 2017) e, finalmente, a atribuição em 2013 do «Grande Prémio da União Europeia para o Património Cultural / Europa Nostra» (nunca antes nem depois atribuído a Portugal).
This article presents the history of the «SOS Azulejo Project» created by the Judicial Police Museum in 2007 as a reaction – but also acting proactively – against an extremely negative and destructive scenario of Portuguese historic and artistic tile heritage. With the partnership of several different entities, the project carried out an innovative series of pragmatic and awareness-raising actions to safeguard, enhance and study this unique and identity Portuguese cultural heritage, achieving extremely positive results, such as the dramatic reduction in registered thefts of Portuguese historic and artistic tiles; stopping the demolition wave of tiled facades and removal of tiles from the same facades in the whole Portuguese territory (through the proposal for a new specific legislation, approved by Parliament in 2017); and the attribution in 2013 of the «European Union Grand Prix for Cultural Heritage / Europa Nostra» (never before or after attributed to Portugal).
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Keywords : Portuguese tile heritage, active safeguard, valorisation, legislation
Palavras chaves : património azulejar português, salvaguarda ativa, valorização, legislação
Texte intégral
Introdução
1A partir de 2002, e como resposta a um quadro extremamente negativo e de grande desequilíbrio valorativo do património azulejar português na passagem do séc. XX, para o XXI – além de pouco denunciado ou até discutido1 –, o Museu de Polícia Judiciária (MPJ) ponderou criar o «Projeto SOS Azulejo». A génese deste projeto radicava nas seguintes ordens de razões:
2Em primeiro lugar, na segunda metade do séc. XX e início do séc. XXI registara-se uma grave e crescente delapidação do património azulejar português, nomeadamente por furto e vandalismo, mas também por ausência de cuidados de conservação e falta de valorização. Sendo dificilmente mensurável a totalidade deste fenómeno negativo, foi no entanto possível quantificar os furtos de azulejos históricos e artísticos registados na região de Lisboa e o número aproximado desses azulejos furtados a partir dos anos 80 do séc. XX. Vejamos o quadro estatístico correspondente até ao período imediatamente anterior à criação do «Projeto SOS Azulejo», ou seja, até 2006:
Figura 1. Azulejos históricos e artísticos furtados (com registo) na região de Lisboa, 1984–2006.

Fonte: Museu de Polícia Judiciária.
3O gráfico mostra-nos claramente um acentuado aumento do número de azulejos furtados em Lisboa e áreas circundantes sobretudo a partir de 2000. No entanto, importa aqui frisar que estes dados se referem apenas a furtos registados, ou seja, furtos que foram alvo de queixa apresentada na Diretoria da Polícia Judiciária (PJ) desta região, existindo fortes indícios que apontam para um número elevado de cifras negras.
4Em segundo lugar, refira-se que o MPJ possui, no seu espólio muito eclético e diferenciado, uma coleção de azulejos históricos furtados2 recuperados pela PJ mas que, por mais inacreditável que nos possa parecer, não foi possível devolver aos legítimos proprietários, por não se ter logrado a sua identificação3. Este facto é, em si, muito significativo e revelador, pois aponta para a já aflorada falta de valorização da azulejaria portuguesa no nosso país, não tendo os lesados apresentado queixas de furto, o que lhes permitiria tentar recuperar os azulejos furtados. Eis uma imagem de parte desta coleção azulejar do MPJ, que já tem sido exposta por diversas vezes pelo seu interesse pedagógico e de prevenção criminal.
Figura 2. Coleção azulejar do MPJ (parcelar).

Fonte: Museu de Polícia Judiciária.
5Estas últimas preocupações expositivas estão ligadas, precisamente, à terceira ordem de razões que levaram à criação do «Projeto SOS Azulejo»: o facto de o MPJ ter escolhido, desde a sua génese, em 1993, a «Prevenção criminal» como sua «função social»4, exercendo-a através de exposições e projetos extramuros. Deste modo, o MPJ presta um serviço de utilidade prática à comunidade, já que cidadãos informados estarão mais aptos a defender-se, prevenindo uma série de situações potencialmente criminosas, neste caso no âmbito do património azulejar. Esta opção radica no facto de que, entre as várias competências da PJ, se destaca por um lado a competência reservada dos crimes ligados ao património cultural e bens históricos e artísticos5 e, por outro, a competência da prevenção criminal6. De facto, e muito antes de surgir o «Projeto SOS Azulejo», já a Polícia Judiciária atuava a nível da investigação criminal neste tipo de crimes, através de brigadas especializadas em bens culturais, desvendando muitos dos furtos ocorridos, e recuperando e devolvendo muitos azulejos históricos e artísticos aos seus proprietários. Agora, porém, tratava-se de tentar uma ação complementar à investigação criminal, prevenindo um tipo de crimes que, como vimos, nos últimos tempos teimava em aumentar.
Interdisciplinaridade e necessidade de parcerias
6Como instituição museológica, o MPJ muito cedo teve a perceção de que o problema que afetava o património azulejar português não se cingia ao âmbito criminal, abarcando também a ausência de conservação e de valorização. Na realidade, assistia-se a um profundo desequilíbrio valorativo do património azulejar português: apesar de deter um museu nacional próprio e de ser estudada e apreciada por uma elite7, a azulejaria portuguesa continuava a ser ignorada por grande parte da população portuguesa que, vivendo quotidianamente rodeada de azulejos, não lhes conferia valor especial nem o caráter culturalmente diferenciador que, no outro prato da balança, a maior parte dos estrangeiros, a referida elite ou os «amigos do alheio» lhes atribuíam, num quadro que assim favorecia a falta de proteção e a consequente delapidação.
7O MPJ considerou, assim, que o problema exigia uma abordagem interdisciplinar e, portanto, parcerias que lograssem abarcar o espectro geral de competências requeridas, sobretudo no domínio da prevenção criminal, da conservação preventiva e da valorização do património. Após um longo e acidentado processo de obtenção de parcerias, as instituições que seguidamente se enumeram assinaram em 2007 um protocolo com a então Escola de Polícia Judiciária, hoje Instituto de Polícia Judiciária e Ciências Criminais (que tutela o MPJ), formalizando assim o início do «Projeto SOS Azulejo»8:
Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP);
Direção Geral do Património Cultural (DGPC);
Instituto Politécnico de Tomar (IPT);
Guarda Nacional Republicana (GNR);
Polícia de Segurança Pública (PSP).
8A estas se juntaram, em boa hora e por iniciativa própria, a «Rede de Investigação em Azulejo» da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (RIA-FLUL) em 2010 e, em 2014, a Universidade de Aveiro. Neste quadro, o MPJ assumiu, além da iniciativa, também a coordenação do projeto. De notar que o projeto não possui orçamento próprio, dispondo-se todos os parceiros a entabular tarefas que, no quadro das competências e valências de cada um, possam contribuir para um objetivo comum.
Iniciativas, ações, resultados
9Apesar dos inúmeros obstáculos e dificuldades, o «SOS Azulejo» logrou ao longo do tempo, através das suas múltiplas iniciativas, resultados positivos marcantes dos quais apresentaremos apenas os mais visíveis e mensuráveis. Em primeiro lugar, refiramos a página www.sosazulejo.com. Esta página marcou o arranque mais visível do «SOS Azulejo» e funcionou como uma poderosa ferramenta que permitiu a disseminação de uma assinalável quantidade de informação da maior relevância e utilidade no campo desta problemática, com máxima otimização de recursos. Da totalidade de dados informativos aí acessíveis destacamos a entrada «Azulejos furtados»: aí se pode aceder às imagens de azulejos figurativos furtados e procurados pela polícia, com o objetivo de possibilitar e facilitar a sua identificação, dificultar a sua circulação nos mercados e exercer um papel dissuasor e preventivo. Os efeitos imediatos desta disseminação de informação não podiam ter sido mais rápidos e positivos: logo no dia seguinte ao lançamento do site deu-se a primeira recuperação de um painel figurativo de azulejos furtados. Eis o painel em questão:
Figura 3. Painel de azulejos do início do séc. XX da autoria de Leopoldo Battistini, furtado em 2001 do Palácio da Rosa, Lisboa, e recuperado através do site www.sosazulejo.com.

Fonte: Museu de Polícia Judiciária.
10Será também na sequência da referida disseminação de imagens de azulejos figurativos furtados no site do «SOS Azulejo» – e da dissuasão que implicam – que se poderá compreender a dramática diminuição de furtos registados de azulejos na região de Lisboa a partir do momento em que o «Projeto SOS Azulejo» foi criado, conforme se pode ver no quadro estatístico que se segue:
Figura 4. Número de Furtos Registados de Azulejos Históricos e Artísticos 2006–2019 na Diretoria de Lisboa e Vale do Tejo da Polícia Judiciária.

Fonte: Museu de Polícia Judiciária.
11Verificamos que de facto a acentuada diminuição dos furtos registados em causa começou logo após a criação do «SOS Azulejo», em 2007, atingindo 87,1 % em 2011 e 2017, patenteando algum acréscimo nos anos intermédios e seguintes, e apresentando o valor de 74,2 % em 2019. Um problema que subsiste deve-se ao furto de azulejos de padrão, que se repetem em muitos edifícios e cidades diferentes e não podem ser identificados por imagem, como os azulejos figurativos disseminados no site do projeto. Nesta sequência, e considerando ser necessário adotar outro nível de medidas que logrem resolver o problema, o «SOS Azulejo» apresentou em 2016 uma proposta ao Parlamento no sentido de limitar e controlar a venda de azulejos antigos, a que adiante voltaremos a aludir.
12Todavia, e como referido, o MPJ tinha a noção de que a delapidação azulejar não se devia apenas a um problema criminal, mas também à falta de conservação e valorização, patentes na degradação de grande número de fachadas azulejadas e, sobretudo, na frequente remoção de azulejos e demolição de prédios azulejados. Assim, logo a partir de 2008, foram desenvolvidos contactos junto da Câmara Municipal de Lisboa (CML), cidade aparentemente mais afetada pelo problema, no sentido de alertar para a imperiosa necessidade de criar mecanismos específicos e concertados para estancar e reverter a tendência de destruição progressiva do património azulejar da capital. Em maio de 2009, conseguiu-se um seminário conjunto e a assinatura de um protocolo entre a CML e a PJ, com vista à salvaguarda do património azulejar lisboeta, que em 2010 teve como consequência indireta a constituição, no departamento da cultura da CML, do «Programa de Investigação de Salvaguarda dos Azulejos de Lisboa» (PISAL, entretanto extinto) e a primeira inserção de uma verba destinada à salvaguarda dos azulejos de Lisboa no orçamento camarário de 2011. Foi, porém, através do departamento de urbanismo da CML que o «SOS Azulejo» conseguiu uma alteração estrutural de enorme impacto e alcance, quando o novo Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação de Lisboa (RMUEL) de 2013 adotou a proposta do projeto de interdição de demolição de fachadas azulejadas e de remoção de azulejos das mesmas (salvo em exceções de diminuto valor patrimonial devidamente avaliadas pela própria CML)9. Esta medida significou, verdadeiramente, uma viragem de 180º na abordagem do património azulejar da cidade, que pela primeira vez foi visto como um todo. De facto, a continuar a demolição de prédios azulejados e a remoção azulejos da capital ao ritmo dos últimos 40 anos, Lisboa rapidamente deixaria de ser, nas palavras do eminente especialista José Meco, «a cidade com mais azulejos do mundo».
13Lisboa, contudo, constituiu apenas o início da batalha contra a vaga de destruição legal do património azulejar português dos últimos tempos. Através do parceiro ANMP, o «SOS Azulejo» procurou sensibilizar os restantes municípios para a adoção de regulamentação semelhante à do RMUEL em todo o território nacional, protegendo assim a totalidade do património azulejar português externo. Dado que em três anos apenas três dos mais de 300 municípios aderiram10, o «SOS Azulejo» mudou de estratégia: em fevereiro de 2016 apresentou no Parlamento11 várias propostas legislativas, uma das quais transpõe as supra referidas medidas do RMUEL para todo o território português, interditando a nível nacional a demolição de fachadas azulejadas e a remoção de azulejos das mesmas (salvo em exceções de diminuto valor patrimonial). As restantes propostas legislativas visavam a criação do Dia Nacional do Azulejo e, como já referido, a limitação e controlo da venda de azulejos antigos. Estas propostas foram discutidas e parte delas foram unanimemente aceites no Parlamento a 24 de março de 2017, fazendo hoje parte da legislação portuguesa, a saber:
Resolução da Assembleia da República n.º 144-2017 de 6 de julho: Cria o Dia Nacional do Azulejo (6 de maio)
Resolução da Assembleia da República n.º 145-2017 de 6 de julho: Recomenda ao Governo a proteção e a valorização do Património Azulejar Português, mediante medidas concretas.
Lei 79/2017, de 18 de agosto: Protege o património azulejar, procedendo à décima terceira alteração ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, na prática interditando a demolição de fachadas azulejadas e a remoção de azulejos das mesmas em todo o território nacional, salvo em «casos devidamente justificados, autorizados pela Câmara Municipal em razão da ausência ou diminuto valor patrimonial relevante destes».
14A partir do verão de 2017, Portugal passou, assim, a dispor de legislação específica e determinante para a proteção do património azulejar português proposta pelo «Projeto SOS Azulejo». O resultado implicou o estancamento gradual da verdadeira «sangria» de demolições e remoção de azulejos até aí ativa no país inteiro, assim como uma sensibilização anual para o tema e o encorajamento de medidas de salvaguarda como a inventariação e a conservação do património azulejar português. Para facilitar a nova implementação legal, o «SOS Azulejo» criou também um grupo de trabalho que elaborou um documento intitulado «Critérios de orientação para avaliação de fachadas azulejadas por parte dos municípios para aplicação da Lei 79/2017 de 18 de agosto», que distribuiu por todos os municípios e colocou online no seu site, onde pode ser acedido.
15Das muitas outras iniciativas do «SOS Azulejo», não poderemos deixar de mencionar aqui também o Movimento «SOS Azulejo» para a Salvaguarda do Património Azulejar dos edifícios alienados dos Hospitais Civis de Lisboa12, o protocolo assinado com a então REFER (hoje IP) em 201413 e duas iniciativas com caráter anual, a «Ação Escola SOS Azulejo» e os «Prémios SOS Azulejo». Estes últimos, cuja primeira edição teve lugar em 2010, pretendem dar visibilidade e encorajar as boas práticas ligadas ao património azulejar português que, na maior parte dos casos, passavam despercebidas.
16Assim, o «SOS Azulejo» tem vindo a premiar, em prestigiadas cerimónias que decorrem anualmente no Palácio Fronteira, um crescente número de trabalhos de excelência ligados ao estudo, proteção, conservação, valorização, divulgação e produção artística azulejar, que julgamos contribuírem de modo extraordinariamente positivo para o incremento desses mesmos vetores de ação ligados ao património azulejar português. Momentos altos desta iniciativa constituíram, logo no primeiro ano, a atribuição do «Prémio Excecional Contributo SOS Azulejo» à atual figura central dos estudos de azulejaria José Meco, e o «Prémio Boas Práticas» aos municípios de Aveiro, Porto e Ovar, pelos seus «Bancos de Azulejos»14, assim como os «Prémios Obra de Vida SOS Azulejo» aos artistas plásticos Eduardo Nery (2011), Maria Keil (2012), Querubim Lapa (2013), Júlio Pomar (2014), Manuel Cargaleiro (2015), Graça Morais (2016) e ao arquiteto Álvaro Siza (2017), assim como os «Prémios Personalidade» conferidos a Fernando de Mascarenhas (2011) e João Castel-Branco Pereira (2018)15.
Figura 5. Em maio de 2014, no Palácio Fronteira, Júlio Pomar recebe o Prémio SOS Azulejo «Obra de vida» das mãos do premiado do ano anterior, Querubim Lapa. Na retaguarda, ao centro, Fernando de Mascarenhas.

Fonte: Museu de Polícia Judiciária. Foto de Paulo Fernando.
17Quanto à «Ação Escola SOS Azulejo»: esta iniciativa anual pretende semear o gosto e o orgulho pela azulejaria portuguesa sobretudo nas camadas mais jovens da população. Esta ação pedagógica iniciada em 2011 apela à criatividade de alunos e professores e tem contado com uma adesão crescente, tendo atingido, em 2019, 163 escolas e quase 18 000 participantes, de todas as faixas etárias e todos os níveis de ensino, do pré-escolar ao universitário (incluindo universidades sénior e ensino especial). O nível dos trabalhos apresentados e o entusiasmo têm ultrapassado todas as expectativas, esperando-se assim que esta tão frutuosa sensibilização dê frutos e que as novas gerações estimem e passem a melhor cuidar do património azulejar português.
Figura 6. «Ação Escola SOS Azulejo 2017» em Ovar, com a participação de centenas de crianças, respetivos professores e o empenhado apoio da respetiva Câmara Municipal.

Fonte: Câmara Municipal de Ovar.
Figura 7. O resultado de três «Ações Escola SOS Azulejo» sucessivas (2014, 2015, 2016) numa das muitas escolas que têm participado repetidamente, a International Preparatory School de Bicesse: três pares de painéis de azulejos representando uma laranjeira, um limoeiro e uma macieira – e respetivos dísticos relativos ao projeto – elaborados pelos alunos da escola, sob orientação dos professores, e aplicados no pátio do recreio.

Fonte: International Preparatory School, Bicesse.
18No âmbito das mais importantes iniciativas deste Projeto, serão também de mencionar a sessão e exposição comemorativas dos 10 anos do «SOS Azulejo» realizadas em 2017 na nova sede da Polícia Judiciária em Lisboa e, no mesmo ano, a criação do «SOS Azulejo Brasil», a partir da Universidade Federal da Baía com a parceria da Universidade Federal do Pará. Nos anos seguintes (2018 e 2019), foi lançado a todos os municípios (através do parceiro ANMP) um questionário a nível nacional sobre inventários azulejares municipais, com vista à elaboração da «Carta nacional do Azulejo».
Figura 8. A Secretária de Estado da Justiça visita a exposição alusiva ao 10.º aniversário do «SOS Azulejo» (2007–2017) acompanhada pelo Diretor Nacional da PJ e pela coordenadora do Projeto.

Fonte: Museu de Polícia Judiciária.
19Finalmente, a nível internacional, o «Projeto SOS Azulejo» tem obtido bastante repercussão, e não só por parte dos órgãos de comunicação social (sobretudo televisão e imprensa). Mencionemos apenas alguns pontos de referência: em 2013, foi-lhe atribuído o «Grande Prémio da União Europeia para o Património Cultural / EUROPA NOSTRA» (nunca antes nem depois atribuído a Portugal); em 2014, o projeto foi convidado a integrar o prestigioso grupo «The Best in Heritage»16; em dezembro de 2015, um número especial do Boletim do ICOM dedicado ao novo conceito «Museus e paisagens culturais»17 publicou um artigo sobre o «SOS Azulejo» com o título «Azulejo awareness: towards the protection of a unique Portuguese cultural landscape»18; e, em 2018, uma publicação online da organização EUROPA NOSTRA intitulada Awareness-Raising & Advocacy alusiva ao ano europeu do património cultural dedicou um capítulo ao «Projeto SOS Azulejo» como sendo um de oito exemplos de boas práticas «que valem a pena partilhar»19.
Figura 9. Entrega do Grande Prémio da União Europeia para o Património Cultural / EUROPA NOSTRA 2013’ categoria 4 à mentora do «Projeto SOS Azulejo», por parte de Plácido Domingo e da Comissária Europeia para a Cultura, em Atenas.

Fonte: EUROPA NOSTRA.
20Por último, e na sequência de tudo o que ficou dito, gostaríamos de pensar que o «Projeto SOS Azulejo» tem contribuído de forma decisiva para o recente e inegável aumento da valorização generalizada da azulejaria portuguesa no nosso país, muito visível, por exemplo, nas redes sociais, no design, na moda, na opinião pública no geral, no aumento de estudos específicos e de recuperações azulejares, etc., interesse esse absolutamente vital para a salvaguarda, valorização e projeção futura deste património cultural identitário único no mundo. Tal conclusão não invalida que o «SOS Azulejo» continue os seus esforços no mesmo sentido, pois o património azulejar português está ainda longe de se encontrar totalmente valorizado e protegido.
Bibliographie
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Notes de bas de page
1 Santos Simões denunciou a delapidação do património azulejar português já nos anos 60 do séc. XX, cf. Simões, 1961, 233; Simões, 1964, 283–284. Porém, só voltamos a encontrar registos denunciando esta situação a partir do ano da criação do «SOS Azulejo», em 2007 (Nery, 2007, 101–105; Almeida Bastos et al., 2007).
2 Rececionada pelo MPJ em 2001.
3 No final do processo judicial, os referidos azulejos foram declarados «perdidos a favor do Estado» e sujeitos – por proposta do tribunal – a uma seleção e incorporação parcial, em primeiro lugar por parte do Museu Nacional do Azulejo e, em segundo lugar, por parte do MPJ.
4 O conceito de «função social dos museus», que surge da «Declaração de Santiago do Chile» (1972, Mesa-Redonda ICOM) e da «Declaração do Quebec, Princípios de Base de uma Nova Museologia» (1984), dissemina-se posteriormente na ação e bibliografia museológicas, sendo recentemente enfatizada na «Recomendação da UNESCO relativa à proteção e promoção dos museus e das coleções, da sua diversidade e do seu papel na sociedade» (2015). Sobre a escolha da «Prevenção Criminal» como «Função social» do MPJ (ex. MAHP – Museu e Arquivos Históricos de Policia Judiciária), veja-se: Sá, 2005, 5 (a partir de Sá, 1992): «Sob esta nova perspetiva conceptual, o museu já não se “limita” à sua função clássica de recolher, conservar, estudar e divulgar determinados testemunhos culturais ou naturais – por mais fundamental que tal função permaneça e mais trabalhosa que se apresente – mas, seguindo a especificidade da sua área temática, poderá escolher uma Função Social que lhe permita estabelecer uma ponte privilegiada com a comunidade, funcionando como interveniente ativo e impulsionador positivo de reflexão, evolução e mudança. / Nesta perspetiva, o MAHPJ não teve dúvidas em escolher a “Prevenção Criminal” como sua Função Social. De facto, a par da Investigação Criminal complexa, a Prevenção Criminal constitui uma das principais competências da Polícia Judiciária, e o museu, ao selecioná-la como sua função social, poderá (…) exercer a Prevenção Criminal de modo assertivo, pedagógico e lúdico, constituindo uma ponte privilegiada da PJ com a comunidade».
5 Art. 7.º da Lei 49/2008, de 27 de agosto.
6 Art. 4.º do Decreto-Lei n.º 137/2019 de 13 de setembro.
7 Para uma visão geral da evolução destes estudos, ver Meco, 2007, 23–28; Carvalho, 2007, 237–254; Flor, 2014.
8 As designações das instituições aqui registadas são as designações atuais, sendo que algumas se alteraram desde a sua adesão ao «SOS Azulejo».
9 Artigos 13.º e 14.º do RMUEL, Diário da República 2.ª série, n.º 74, 16 de abril de 2013.
10 São eles: Coruche, Santa Comba Dão, Vale de Cambra e, parcialmente, Carrazeda de Ansiães.
11 A apresentação do projeto e das suas propostas legislativas de salvaguarda e valorização do património azulejar português foi feita à 12.ª Comissão para a Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto no dia 10 de fevereiro de 2016.
12 Este «Movimento» desenvolveu três níveis de ações preventivas:
a) Visitas guiadas, sensibilizando a administração e o público em geral para o elevado risco a que estará sujeito este património azulejar quando os edifícios ficarem devolutos e para a necessidade de medidas preventivas adequadas;
b) Inventariação de todo o espólio azulejar de quatro hospitais, por parte do Parceiro RIA-FLUL; este inventário é importantíssimo a nível científico e também, nomeadamente, por ser altamente dissuasor de furto, já que torna estes azulejos conhecidos, identificáveis e muito difíceis de escoar nos mercados;
c) Contactos com o novo proprietário destes edifícios, a empresa Estamo/Parpública, catalisando um plano de segurança já implementado no 1.º e único hospital até agora devoluto. Até à implementação deste plano de segurança, atuou o parceiro PSP, com vigilância acrescida ao recinto em questão. O «SOS Azulejo» pretende replicar estes procedimentos se e/ou quando os restantes edifícios ficarem devolutos.
13 Os resultados mais importantes deste protocolo consistiram em:
a) afixação de placas de prevenção criminal em todas as estações ferroviárias azulejadas;
b) vigilância por parte do Parceiro GNR de apeadeiros desativados e em risco;
c) aceleração do inventário azulejar.
14 Os «Bancos de Azulejos» municipais recolhem, inventariam e classificam azulejos oriundos de obras e demolições que são depois disponibilizados aos munícipes que deles necessitem, para preencher lacunas azulejares.
15 Pode-se aceder às listas de todos os premiados em http://www.sosazulejo.com/?p=579
16 Sá, 2014.
17 O tópico «Museus e paisagens culturais» foi também o tema escolhido pelo ICOM em 2016 não só para presidir ao «Dia Internacional dos Museus», como também à sua 24.ª Conferência Geral, em Milão, tornando-se assim notória a sua atualidade e importância. O conceito de «Paisagem cultural» é relevado pela Carta de Siena, adotada em 2014 pelo ICOM, que defende um novo modelo de responsabilidade e ação para os museus, que vá para além das suas coleções e abranja o território e as «paisagens culturais». Consideramos que, ao criar o «SOS Azulejo» e outros projetos, o MPJ seguiu estas ideias avant la lettre.
18 Sá, 2015.
19 Sá, 2018.
Auteur
-
Leonor Sá
Museu de Polícia Judiciária / «Projeto SOS Azulejo»
leonor.sa@pj.pt

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