Anúncios publicitários e condutas de beleza
Uma análise dos conteúdos presente na revista Anuário das Senhoras
Résumé
A revista destinada ao gênero feminino Anuário das Senhoras teve sua primeira publicação em 1934, a divulgação do lançamento ocorreu meses antes e foi vinculada nacionalmente a partir de 1940 pela Sociedade Anônima O Malho1. O Magazine Anuário das Senhoras continha em suas páginas, assim como outras revistas da época, variados assuntos de interesses femininos, que iam desde conselhos de moda e beleza, a receitas culinárias, cuidados com os filhos, cuidados com o lar, dicas de modas, bordados, chochet, tricots e orientações de como deveriam se comportar frente a determinadas situações sociais à época. A vista disso, a análise do conteúdo deste magazine é relevante e motiva esse capitulo, pois auxilia na compreensão de como as informações nele contidas e os anúncios publicitários vinculados a ele, determinaram e ditaram os padrões sociocomportamentais de suas leitoras.
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Palavras chaves : anúncios publicitários, beleza, revistas femininas
Texte intégral
A publicidade como forma de convencimento
1 A asserção de Sampaio2, ao dizer que “a propaganda seduz nossos sentidos, mexe com os nossos desejos, revolve nossas aspirações, fala com nosso inconsciente, nos propõe novas experiencias, novas atitudes, novas ações”, evidencia um certo poder. A propaganda, bem como a publicidade, diz o autor, tem poder de influenciar comportamento, costumes, cultura e valores de indivíduos e sociedades desde sua criação.
2 Muitos autores distinguem, com bases históricas, a propaganda e a publicidade, alertam que uma diz respeito às ideologias que se pretende divulgar, e outra, às formas e ferramentas de convencimento3. A primeira visa persuadir e provocar a realização de uma ação predeterminada, e, para isso, busca conquistar mercados e a confiança dos consumidores4. A publicidade, por sua vez, tem como objetivo despertar no público o desejo de consumo levando-o a consumir; tem o papel de transformar desejos em realidades, de construir imagens e de autoafirmar seus consumidores. Por meio da comunicação, a publicidade quer gerar ações e reações, afetando com intenção definida, ou seja, busca pinçar e revelar o que já está interiorizado na sociedade e evidenciá-lo ao público consumidor, incorporando-o5.
3 Um anúncio ou texto publicitário, a fim de garantir que a comunicação realmente aconteça e com isso faça com que o receptor dê as respostas esperadas ao estímulo recebido, utiliza de discursos argumentativos e representações imagéticas que geram atos de persuasão dos diferentes atores da sociedade. Isto é, a publicidade seduz os consumidores por meio de seus discursos e imagens, fazendo com que sejam atraídos e conquistados para então consumirem de forma impulsiva6.
4Destaca-se, que os consumidores são seduzidos de forma distintas, conforme interesses e gênero7. Além disso, segundo Maslow, todo produto ofertado ou consumido, tem valor simbólico representado:
“do ponto de vista do consumidor, o produto a ser consumido possui, não só um valor de troca ou uso, mas um valor simbólico. Devido a esse valor simbólico, as pessoas buscam, no consumo, o suprimento de demandas psicossociais que envolvem sentimentos como autoestima, status, evolução pessoal e conquistas.8
5 Dessa forma, são essas motivações psicossociais que explicam de que forma certos anúncios e representações atraem e convencem uns e não outros. Isso ocorre devido ao fato de que muitas pessoas buscam, por meio do que consomem, não apenas a supressão de suas carências referentes aos bens e produtos, mas também a supressão de suas necessidades de projeção social, de estilo de vida, de realização pessoal e de identidade. Há, portanto, uma grande carga simbólica em tudo que se compra e vende por meio dos anúncios e textos publicitários, sejam eles bens de consumo ou ideologias9.
6 À vista disso, entende-se que a mídia é uma instância socializadora das mais importantes na sociedade contemporânea porque explora os traços culturais e mede a relação dos indivíduos com a sociedade, sinalizando tendências, ditando regras e condutas, impondo e reciclando demandas dos mais diferentes consumidores e das mais diferentes formas. Por isso, “à medida que associam significados, imagens, características, condutas e estilos de vida a um ou outro gênero, as representações midiáticas ajudam a configurar identidades e relações de poder na sociedade”10.
7 Atualmente, é a televisão a mídia mais utilizada entre os brasileiros11, porém no início do século XX os jornais e as revistas impressas eram os principais veículos de comunicação e de publicidade. Dessa forma, estudar os conteúdos veiculados nas revistas durante a primeira metade do século XX permite entender como a publicidade por ter determinado e influenciado os padrões sociocomportamentais, principalmente das mulheres, por meio dos magazines destinados especificamente a esse público.
A mídia e as revistas impressas no Brasil
8 Após o surgimento da mídia impressa no Brasil, os jornais se tornaram facilitadores de transações comerciais e acabaram por ser os primeiros diários que sobreviveram no país por meio de verbas pagas pelos anunciantes. Em pouco tempo, o país passou a ter importantes jornais e revistas, principalmente nas capitais e principais cidades12.
9 A história da imprensa escrita no Brasil se efetiva a partir da Imprensa Nacional, em 1808, com a publicação do Correio Brasiliense e a Gazeta do Rio de Janeiro. A partir de 1812, surgem as primeiras revistas no país, em formato de livros, entretanto, foi apenas no início d década de 1860 que passaram a oferecer ao leitor notícias de interesse social e a utilizar fotografias e ilustrações mais elaboradas. Também nesse momento, muitos magazines voltados ao público feminino, ou que o utilizavam como chamariz, passaram a circular pelas cidades brasileiras13.
10 O “Espelho Diamantino”, revista publicada em 1887, foi uma das primeiras revistas destinadas ao público feminino de que se tem notícia. No entanto, é o “Jornal das Senhoras” que é consagrado como a primeira revista brasileira, já que foi escrita e editada por uma mulher, onde se expressavam as condições da liberdade política e do valor das mulheres14
11 A partir do início do século XX, com a crescente industrialização e evidenciação de sistemas capitalistas e neoliberalistas, a ampliação de divulgações e comunicações de produtos por meio de anúncios em revistas, jornais e rádios, passou a ser percebida. Neste período, a concorrência pelo mercado já se fazia presente e estes eram os mais promissores meios de informação de boa parte da população brasileira.
12 Ainda, no mesmo período, com o advento de melhorias gráficas e com o aparecimento das revistas chamadas na época de Semanários Ilustrados, os anúncios ganharam gravuras e cores e passaram a ter textos objetivos e bastantes focados ao público que pretendiam alcançar. Porém, foi na década de 1940, com a inserção das agências de propagandas americanas no país, que atualizaram e alteraram os layouts dos anúncios, que as publicidades veiculadas em revistas passaram a ser realmente percebidas com vantagem competitiva15.
13 No Brasil, alguns meios de divulgação de modismo estrangeiros e de definição de corpos e condutas femininas passaram a circular de forma mais constante a partir do século XX, atendendo as demandas de uma população feminina que passava a ter representatividade social e que buscava se informar e desenvolver seus dotes domésticos. Mulheres alfabetizadas e de classe sociais mais elevadas, mas também de uma nascente classe média baixa, passavam a se basear e se espelhar em informações repassadas por mídias a elas direcionadas16.
14 Publicações destinadas ao público feminino como o Anuário das Senhoras, Vida Domésticas, Almanaque Eu Sei Tudo e o Jornal das Moças são exemplos de magazines em que os anúncios e artigos publicitários, ideologias e comportamentos, eram disseminados para as leitoras da primeira metade do século XX, por meio de um capitalismo pautado na mídia. Com esses magazines, surgia, então, o perfil da mulher consumidora, informada sobre os novos produtos presentes no mercado de consumo e estimulada a adquiri-los.
A explosão dos anúncios de alimentos na revista Anuário das Senhoras
15 Principalmente após a Segunda Guerra Mundial, e com a explosão publicitária percebida nessa época, verificaram-se mudanças de comportamento em todos os âmbitos das sociedades e uma ampliação de hábitos de cuidado com o corpo, práticas de consumo de alimentos, de beleza e de higiene17. Isso pode ser visto por meio da análise do conteúdo da revista Anuário das Senhoras, pois é evidente o crescente aumento de anúncios publicitários, sejam eles de produtos de beleza, de produtos farmacêuticos, e principalmente de alimentos.
16 Analisando as peças publicitárias de alimentos desse magazine ao longo da década de 1940 a 1950, mais especificamente nos anos de 1934, 1941, 1949 e 1957, isto é, em períodos conciliados antes, durante e após a Segunda Guerra Mundial, e após o período de industrialização do Brasil, nota-se grande diferença entre os mesmos e um evolutivo crescente apelo aos produtos industrializados (Quadro 1).
Quadro 1 – Lista de alimentos divulgados em anúncios publicitários, segundo seu processamento e por ano de publicação, na revista Anuário das Senhoras.
Ano de publicação | Minimamente processados | Processados | Ultraprocessados | Bebidas alcoólicas |
1934 | Pão | Refrigerante Guaraná | Cerveja e licores | |
1941 | Arroz, banha de porco | Ovomaltine (bebida a | ||
1949 | Açúcar, café, chá mate, | Extrato de tomate | Leite em pó | Cerveja |
1950 | Café, chá, óleo e | Extrato de tomate | Refrigerante de cola e guaraná | Cerveja e champagne |
1952 | Amido de milho, açúcar, | Suco de tomate | Achocolatado em pó | Cerveja e vinho |
1955 | Amido de milho, açúcar, café, farinha de trigo, gordura de coco e fermento | Ameixas secas, suco e extrato de tomate | Biscoito, cremogema, | Cerveja |
1956 | Amido de milho, açúcar, café, farinha de trigo, gordura de coco e tapioca | Massa para macarrão e suco de tomate | Biscoito, gelatina, | Cerveja |
1957 | Café, farinha de trigo, farinha mista, gordura de coco e tapioca | Suco de tomate | Achocolatado em pó, | Cerveja |
Fonte: Dados da pesquisa
17 Cabe destacar ainda, que foi nesse período, a partir de 1930, que se iniciaram as primeiras ações governamentais voltadas para a área da alimentação e nutrição no Brasil. O diagnóstico da situação de fome e desnutrição no país, por regiões, foi executada por Josué de Castro nesta época e mais tarde foram divulgados no livro Geografia da Fome em 194618.
18 Segundo Castro (1984)19, a região Centro-Oeste e Extremo Sul, tinham uma alimentação mais rica que as demais regiões do Brasil, apresentando muitas vezes excesso de macronutrientes, tendo como base da alimentação o pão, arroz, batata trigo e carne no extremo sul, e o feijão, café, arroz, cana-de-açúcar, gordura de porco e amido de milho no Centro-Oeste, além da variedade de frutas e hortaliças em ambas as regiões.
19 Considerando que o local de edição do Anuário das Senhoras, no Rio de Janeiro, era mais próximo à realidade das regiões Centro-Oeste e Sul, a observação de Josué de Castro permite relacionar o consumo desses alimentos da época com os anúncios de produtos alimentícios publicados na década de 30 e 40. Por exemplo, o pão, o trigo, a banha de porco, o café e o amido de milho foram amplamente divulgados nos volumes de 1934 até 1952, entretanto a diferença agora se pautava no processamento industrial deles, ora divulgados envasados em pacotes e embalagens. Dessa forma, para estimular o consumo dos mesmos, a indústria alimentícia passou assinalar os alimentos, agora industrializados, como “saudáveis, originais, caseiros e tradicionais”.
20 Nota-se que em 1949, surge na revista a divulgação de enlatados tais como extrato de tomate e leite em pó. Tal fato pode estar ligado à inovação dos processos de conservação e acondicionamentos gerados pela indústria alimentícia com o desenvolvimento de produtos destinados à alimentação de soldados nos campos de batalha20. A novidade publicitária também pode ser explicada pelo estreitamento da relação entre os Estados Unidos da América (EUA), e outros países na Europa como consequência da contenda mundial e uma maior preocupação com o flagelo da fome no mundo, o combate a ela também era uma estratégia para os combates políticos21. É nesse contexto que a Organização das Nações Unidas (ONU), em 1949, aprova o fornecimento de gêneros alimentícios dos EUA para nações carentes, dentre elas o Brasil.
21 Nessa mesma época, especialistas da área da alimentação, procuravam formar um programa ligado à Comissão Nacional de Alimentação (CNA), para a ampliação de distribuição do leite em pó a todas as crianças brasileiras, por meio das escolas. Isso pois, como já denunciava Josué de Castro (1984), mesmos os centros urbanos da região sul que tinham a melhor qualidade de alimentação no Brasil, apresentavam elevados números de crianças desnutridas, pela falta de proteínas e de outras vitaminas vindas principalmente do leite22
22 Tendo em vista isso, entende-se que esses tipos de produtos enlatados, a exemplo do leite em pó, tiveram importante papel na modificação do padrão alimentar de vários países onde diferentes meios de comunicação geraram a inserção desses novos alimentos no mercado de consumo23.
23 No Anuário das Senhoras24, edição de 1957, divulgam-se produtos como leite condensado, sorvete, biscoito, gelatina, pudim, margarina, bala e bombom, mistura para bolo e achocolatado, demostrando uma crescente presença de produtos ricos em açúcares, gorduras e conservantes, característicos dos produtos classificados como ultra processados. Porém, para poder estimular o consumo desses “novos alimentos” em uma sociedade que se modificava a todo momento, a indústria modificou seus meios e as formas de anunciar os produtos.
24 Dessa forma, com o aumento da atuação das mulheres no mercado de trabalho, observado no século XX, e tendo essas que conciliar as novas atribuições com as atividades domésticas, os anunciantes dos produtos alimentícios passaram a enfatizar a importância na redução do tempo e das etapas de preparação dos alimentos dentro dos lares e evidenciar a praticidade dos produtos industrializados25. Um exemplo é o anuncio da mistura Aymoré para bolo, em que se valoriza o tempo e o sabor em detrimento da tradição do preparo: “em dois minutos, o bolo mais gostoso”26.
25 Além disso, a partir da evolução da mídia impressa e da publicidade do século XX, a indústria passou a associar em seus produtos imagens de figuras humanas e simpáticas, com objetivo de criar nos consumidores sensações de que eles eram populares, tradicionais e que faziam parte da cumplicidade dos consumidores27. Entre essas figuras humanas, a da mulher parece ter sido a personagem principal nos anúncios publicados em revistas femininas28.
A figura feminina: a personagem principal dos anúncios publicitários
26 Mediante análise de quatros dos volumes analisados do Anuário das Senhoras, verificou-se que a figura da mulher estava vinculada em mais de 50% dos anúncios de alimentos, seja por ilustrações ou por fotos. Estas, por sua vez, eram ilustradas com sorrisos felizes, com corpos esbeltos, pele branca e com finos e elegantes traços, como se demostra em um dos anúncios publicados em 195729.
27Mesmo sem a presença da estampa feminina nos anúncios, os discursos utilizados nos reclames eram dirigidos às mulheres, referendando-as nos cuidados com o lar, na saúde dos familiares e das crianças. Exemplos destes discursos foram verificados em anúncios de doces que declaravam: “até mamãe sabe que eu só gosto das balas – bombons e caramelos Moinho de Ouro!”, e do sorvete Kibon, com apelo ao suprimento alimentar da família: “Sobremesas para a família” sendo está uma das formas mais utilizadas pela publicidade para atingir mulheres, mães e esposas.
28 Outrossim, mesmo quando os produtos anunciados destinavam-se ao gênero masculino, os anunciantes utilizavam-se da representação e o apelo à sexualidade feminina em suas mídias como forma de estímulo e chamada de atenção para estes leitores, tornando-os potenciais consumidores dos produtos ou simbolicamente estimulando as mulheres a se espelharem na imagem utilizada em prol da atração do sexo oposto. Um anúncio publicado em 1957 demostra esse tipo de “estratégia” publicitária utilizada pela indústria de alimentos nas páginas da revista.
29 No reclame da bebida alcoólica, além da figura da mulher ser apresentada com roupas curtas, cintura, salto alto, e alvo dos olhares do sexo masculino, o texto que acompanha a imagem traz ainda uma analogia entre a mulher e o produto divulgado quando menciona “A vantagem dela... é completar as refeições com Malzbier da Brahma” conduzindo no conjunto à objetificação do sexo feminino30.
30 Entretanto, o uso da estampa feminina também poderia ser usada com o intuito de atingir esta provável consumidora, a dona do lar, no que tange ao cuidado e agrado ao seu esposo, ou como disseminadora de costumes e hábitos sociais.
31 Apesar de algumas peças publicitárias passarem a explorar e a representar a mulher como sexy, sensual, trabalhadora e bonita, em consequência do novo posicionamento da mulher na sociedade em relação a sua independência e ao trabalho fora do lar, a condição da mulher no seu papel de mãe, esposa e dona de casa permaneceu imutável31.
A boa mãe, a boa esposa e dona de casa nas peças publicitárias
32 A função da mulher em gerar a satisfação da família, e em especial do homem da casa, é evidenciada em muitos dos artigos e nos anúncios publicitários presentes na revista, levando a crer que se estimulavam, além de consumos, comportamentos para este público feminino. Exemplo desta associação de imagens e informações, e de como se instiga o consumo dos produtos anunciados, é o de uma marca de arroz, no qual o discurso utilizado incentiva as mulheres a adquirirem o produto, pois seus maridos iriam aprovar: “Faça uma surpresa agradável ao seu marido, oferecendo-lhe o arroz em pacote S. Francisco ou Marú e verá que ele o preferirá sempre”32.
33 No anúncio de gordura de coco da marca Carioca, publicada no volume XX do Anuário das Senhoras, se declarava que: “O futuro dele está em suas mãos”33, estando a figura masculina representada na publicação junto a imagem de uma mulher, demostrando o cuidado que ela deveria ter com o seu marido. Ou seja, gerando um grande apelo social no papel da mulher na família e na sociedade, colocando-a como responsável por sua saúde e por seu sucesso.
34 Esse apelo social do papel da mulher na sociedade também é percebido no reclame publicitário do alimento Ovomaltine, em que se estimula o cuidado das mulheres para com seus pares. Neste exemplo, a imagem feminina é colocada como benfeitora de suas famílias e lares, cabendo a ela sua sustentação: se o homem da casa perecer, todos perecem. Portanto, comprar aquilo que geraria satisfação e alegria, passava a ser, além de uma inserção de hábitos, forma de sucesso e reconhecimento familiar e social para este público feminino.
35 Além de mensagens que colocavam a mulher como “enfermeira” de sua família, a indústria utilizava outra forma de apelo: um discurso capaz de influenciar o leitor a escolher produtos alimentícios industrializados, relacionando sua utilização como aporte de nutrientes na alimentação. Tal fato também é evidente no anúncio, constante no Anuário das Senhoras, do produto Ovomaltine34, em que o enunciado remete à melhoria da saúde e do bem estar-estar a partir do consumo do alimento que, no caso, se cita como natural: “Ovomaltine não é remédio. É um alimento natural, concentrado e de digestão fácil – composto de extracto de malte, leite integral e lecithina – apenas aromatizado com cacau”35. Neste anúncio fica clara a qualificação de um produto industrializado como sendo um produto natural, e “apenas” aromatizado com cacau. Se mobiliza, também, a ideia de um alimento que ajudará na recuperação das “fraquezas” de todos aqueles que se sentem “fracos”, pois é capaz de gerar energia a quem o consome.
36 A complementação/ aporte à alimentação se evidencia em outras diversas publicidades. Anuncia-se uma cerveja que tem como possibilidade de “complementar as refeições”, mas a única coisa que diferencia esse tipo de cerveja “enriquecida” da cerveja convencional é a concentração de maltes e lúpulos, o tipo de fermento utilizado, o percentual de açúcar e a presença de corante caramelo. Em um reclame de chá mate, se divulgava que este era um alimento altamente nutritivo, ou ainda do leite condensado em que se afirma: “Leite moça alimenta mais – é delicioso”36. Fica claro que termos como “altamente nutritiva” são utilizados como forma de convencimento e impulso ao consumo e atenção do(a) leitor(a).
37 Do mesmo modo, a publicidade de alimentos destinados às crianças se pautava em publicações que fortaleciam e evidenciavam os possíveis valores nutricionais dos alimentos e como estes poderiam ser utilizados como fonte de saúde para este público37. Exemplo dito se fundamenta na divulgação de um alimento à base de leite e cereais maltados, da marca Nestlé, que tinha como slogan “Milho dá novas forças”, e reforçava-se que este era um produto adequado ao consumo infantil “[...] porque contém leite puro, cereais maltados, vitaminas A, B1, B2 e D, fosfato e ferro facilmente assimiláveis de cálcio e magnésio”38.
38 O anúncio publicitário da Margarina Saúde, tenta convencer a mãe de que este produto é saudável para seu filho, com “delicioso sabor natural [...] Puríssima e nutritiva [...]”39. Declara-se que a cada quilo de Margarina Saúde, há 20 mil unidades de vitamina A, reforçando a ideia de que é um produto nutritivo e natural e demonstra que uma criança feliz e saudável é aquela que consome o produto anunciado.
39 Apesar da ideia colocada nos anúncios de chá, cerveja, dos produtos à base de leite, e de margarina enfatizarem que os consumidores devem preferir ingerir alimentos naturais e nutritivos em detrimento a medicamentos, acabam por estimular a falsa percepção do que são alimentos naturais e de como os alimentos podem realmente auxiliar na recuperação da saúde de quem os consome. O problema da propaganda de alimentos, é que esses reclames enfatizam a publicidade do produto a ser vendido, mas não nas informações e características nutricionais reais do alimento40.
40 Desse modo, sabendo-se que o papel da mulher como mãe, daquela que cuida do lar, é bastante disseminado nas páginas dos diversos volumes do Anuário das Senhoras analisados, é notório que este magazine se apropia de uma linguagem capaz de cativar o público feminino, relacionando a aquisição de determinados produtos a demonstrações de carinho e amparo, de zelo e cuidado com a família.
41 Além disso, reconhecendo que os alimentos são, por si só, representações e manifestações de afeto e vínculos entre pessoas e comunidades, talvez seja por isso que a publicidade faça uso, de forma tão massiva, desses sentimentos, fazendo com que o convencimento ao consumo se consolide e que também sejam geradas amarras emocionais. No anúncio publicitário da marca Coca-Cola, em que se lê a palavra “Hospitalidade”, e a frase “Sirva Coca-Cola em casa”, isso se apresenta: associando estas mensagens às imagens de uma mulher e de uma criança, as remete a um contexto familiar onde mãe e filha atuam em conjunto na hospitalidade da casa, servindo o refrigerante Coca-Cola41. O que se vende não é apenas o produto anunciado, mas sim a ideia de uma família bela, bem sucedida, que tem geladeira em casa (cheira de alimentos e bebidas), e que serve com carinho e perfeição aos seus convidados. Remete à imagem de uma mãe cuidadosa e que ensina e apoia sua filha no ato de servir, com prazer e beleza. Dá uma ideia de sucesso e felicidade constante, o que estimula e convence.
42 Mas, se por um lado existia estímulo, e a cobrança da mulher em relação aos cuidados da alimentação de seus entes, ao mesmo tempo apareciam múltiplas peças publicitarias destinadas à saúde e ao lar, matérias dedicadas às diferentes formas de se comportar em sociedade, de trabalhos, de afazeres domésticos e culinários, e principalmente dicas de alimentação e beleza.
43 Lopes42, após analisar uma edição do Anuário das Senhoras, referenciou que “A mulher de 1946 apresentada – ou imaginada – no Anuário das Senhoras é bela – ou a ser embelezada - , mora em uma bela casa – ou a ser embelezada – e deve se curar pois está doente”, o que reforça que os discursos declarados na revista alimentavam um imaginário feminino na época, e como a mídia influencia em grandes proporções o que as mulheres vestem, comem, usam, como se maquiam e o que compram para suas casas43.
44 Entretanto, entre todas as temáticas apresentadas nas revistas femininas, os conteúdos abordados sobre beleza “têm predominância e acabam penetrando em todos os outros assuntos, gerando uma noção de feminilidade intrinsicamente presa às noções do belo e beleza”44. Esse fato também é evidenciado nos anúncios publicitários presentes no Anuário das Senhoras, das décadas de 1940 a 1950. No anúncio do “sal de fructa ENO”45, por exemplo, é possível perceber como a questão do belo e da beleza perpassa outros temas, incentivando consumos. Neste caso, mesmo que o produto anunciado se destine ao sistema gastrointestinal, informa-se que “As espinhas e cravos que tanto enfeiam a cútis das senhoras são consequências do mau funcionamento do estômago e dos intestinos [...] refletindo em uma beleza nova”46.
45 Ainda quando o anúncio do “sal de fructa” expõe: “De uma cútis feia a uma adorável – não há mais que um cópo” é possível verificar como a mídia ea publicidade enfatizam a rapidez e instantaneidade do embelezamento, sempre colocando o consumidor como responsável do “ficar belo”. Ainda assim, é perceptível como os meios de comunicação estabelecem padrões de beleza, relacionado o belo como algo bom e que traz felicidade (ilustração de mulher na parte inferior direita da peça publicitária), e de aparência “feia” e desagradável (ilustração da mulher na parte superior e esquerda da peça publicitária).
46 Ou seja, ainda que a publicidade seja responsável por estimular e “construir” os corpos feminino a partir de processos identitários e cotidianos históricos, a mulher representada na publicidade exige o cumprimento de um papel de boa mãe, boa esposa, boa dona de casa, e sobretudo manter-se sempre bonita47. Neste contexto, torna-se possível observar que essa construção utópica de um ideal estético é reflexo de uma construção social, que define padrões comportamentais, ideais e condutas a serem praticadas.
Padrão estético, condutas de beleza, e culto à magreza nos discursos da revista Anuário da Senhoras
47 As representações corporais têm passado por diversas transformações ao longo dos séculos, sendo sempre muito influenciadas pelas nuances da sociedade e influenciando comportamentos de forma constante. Juntamente com a alimentação, as representações corporais têm ganhado muitos significados em diversas áreas do saber. É notório, entretanto, que durante o século XX a publicidade e a mídia se estruturaram de forma significativa e têm se relacionado a diferentes movimentos sociais, sofrendo e gerando comportamentos, definindo modismo e opiniões, que por vezes estão associadas aos padrões de beleza.
48 Sobretudo, a mídia tem utilizado o corpo feminino e a alimentação como objetos de interesse e promoções de vendas, se estabelecendo à frente de uma sociedade cada vez mais marcada por formas corporais padronizadas e modificações alimentares gastronômicas. No Brasil, muitas são as percepções desta possível influência da mídia nos comportamentos e na estigmatização de imagens femininas brancas, esguias e de traços finos, padrões esses influenciados pelas culturas norte-americana e francesa, permanecidas no mundo, desde sua colonização.
49 Principalmente no século XX, ao serem imitados e perpetuados os padrões estéticos das atrizes de Hollywood, por meio de alimentos, modas e bens de consumo, acreditava-se que as consumidoras se tornariam escravas desses padrões, que passaram a ser considerados requisitos obrigatórios. Desse modo, movida por padrões de beleza europeus e americanos, a sociedade incutiu nas mulheres brasileiras uma grande preocupação com o peso e a obesidade, cultuando corpos magros, estímulos a atividade físicas e dietas desde o final do século XIX, intensificando-se no início do século XX.
50 Tal fato é percebido em orientações de dietas e de nutrição disseminadas na revista Anuário das Senhoras por meio de pequenas colunas intituladas “Tome Nota”, “Conselhos úteis”, “Às Donas de Casas”, “Lembretes”, “Conselhos de Beleza”, onde as informações eram repassadas de forma breve, em pequenos parágrafos. Ou também, em artigos, no magazine, intitulados de “A obesidade aumenta a mortalidade”48, “Corpo esbelto e faceiro”49, “Convém evitar peso para ser elegante e saudável”50, “Ginástica controla os nervos, afina a silhueta, proporciona bem-estar”51, “O problema do peso”52, “Mantenha-se em ‘em forma’ com pequenos recursos physicos”53, “Pratos para dias de regime desintoxicante”54, entre outras.
51 Entre algumas das mensagens transmitidas na reportagem intitulada de “Mantenha-se em forma com pequenos recursos physicos”, eram informadas não apenas dicas de exercícios, mas também de banhos especiais, que segundo o texto, tinham a função de acalmar questões comportamentais, além de dicas de como desintoxicar o corpo por meio da alimentação:
É necessário suprimir todas as coisas excitantes como ‘charcuterie’, conservas, pimenta etc. Comer, portanto, carnes de grelha – quando permitido –, em pequenas quantidades, legumes cozidos, apenas temperados com sombra de manteiga posta na hora de servir. Supprimir café, cha, álcool, e, uma vez por semana tomar apenas água e caldo de legumes55.
52Em artigo publicado no volume de 1950, sob título “Perca alguns quilos”, são ofertadas às mulheres teorias de como se obter o corpo ideal, a necessidade de redução do peso sem prejuízos à saúde e conselhos para realizar acompanhamento médico:
Não faça regime, qualquer que seja, sem ouvir um médico. Você sabe que para obter a “linha”, precisa perder cerda de 10 quilos a menos que os centímetros da sua altura. Eis um regime estabelecido para uma semana, o que deve surtir efeito: proteínas, vitaminas, minerais, tudo que reduz à metade as calorias, e o que permite diminuição de peso sem afetar a saúde [...]56
53Neste mesmo volume do Anuário das Senhoras, consta, em uma outra publicação denominada de “Conselhos às Gordas”, informações a respeito da obesidade e algumas de suas complicações, tais como as “enfermidades do coração, rins, sistema circulatório, etc”, consequentes da alimentação e estilos de vida inadequados. Além das informações, são também apresentadas dicas de práticas alimentares para combater o ganho de peso:
[...] reduzir a alimentação, controlar o apetite, abolir os alimentos concentrados, alimentos ricos em valores nutritivos, os quais em geral devem ser substituídos pela carne magra e legumes e alimentos contendo muitas fibras e pobres em valor nutritivo57.
54 Apesar do conselho parecer adequado, constata-se que quando o artigo menciona “alimentos pobres em valores nutritivos” está referindo a alimentos que possuem menor valor calórico, como as hortaliças e frutas, mas que contrariamente do que se afirma, esses alimentos também são nutritivos já que possuem consideráveis quantidades de vitaminas e minerais. Esses erros de significado, assim como visto nos anúncios publicitários de alimentos, poderiam dificultar o entendimento do real valor nutricional dos alimentos.
55 Na reportagem publicada no magazine de 1952 intitulada “Silhueta Elegante”, que além de explicar a correlação do aumento do tamanho dos quadris com a falta de atividade física, aconselhava as leitoras a fazer a seguinte dieta com o objetivo de saciarem-se sem comer em excesso:
Primeiro vamos reduzir o menú em quantidade e qualidade, banindo resolutamente o pão, assim como féculas e reduzindo ao mínimo a absorção de matérias graxas, manteiga etc., além das guloseimas sedutoras, feitas com farina, açúcar, geléias, e não beber58.
56É interessante observar que no ano de 1952, divulga-se principalmente alimentos que a “dica de dieta” acima, orientava a não os consumir, entre os quais o açúcar, a farinha de trigo e as “matérias graxas” como gordura de coco e o óleo de amendoim.
57 Ainda, no final dessas reportagens de recomendações sobre dietas e ou de atividades físicas, era comum a demonstração de um menu de orientação alimentar para que as leitoras da época pudessem seguir as informações dadas.
58 Além disso, era frequente o vínculo, nessas dicas de alimentação, de figuras femininas com corpos delgados. Entretanto, a representação de mulheres com padrão de peso superior às normalmente utilizadas (com corpo esguio e esbelto) eram quase inexistentes, sendo apresentadas em apenas três peças publicitarias de todas as analisadas, estando duas relacionadas a produtos alimentícios e uma a medicamento que contribuiria para a redução de peso.
59 Por exemplo, no anúncio do medicamento Leanogin, com a chamada de “Os homens preferem as magras”, declarava-se o excesso de peso como algo negativo para a sociedade, de forma pejorativa e excludente. Neste reclame, alega-se que “Alguns povos bárbaros apreciam, como tipos de beleza feminina, as mulheres gordas e de forma avantajadas. Entre os civilizados, porém, o conceito de beleza é diametralmente oposto”59, o que expõe segregações e preconceitos sociais, pois refere que o sobrepeso agrada ao gosto “selvagem” e o ser magro satisfaz ou faz parte do “civilizado”, isto é, da sociedade “mais evoluída”.
60 Em adição, a figura apresentada junto ao anúncio do Leanogin denota que as mulheres que infringem “as rígidas leis da beleza feminina “são excluídas da sociedade e das possibilidades de relacionamento, uma vez que se exibe em primeiro plano uma mulher de corpo avantajado e com feição triste, sentada sobre um sofá, e em segundo plano casais de corpos esguios e magros dançando. Além disso, essa representação, reforça que a magreza e o modelo estético sugerido agradam e atrai o sexo masculino.
61Logo, o valor das mulheres, antes fortemente ligado à sua capacidade reprodutiva, começava a se pautar também na beleza. Dessa forma, afirma Peratello, com a “evolução do capitalismo surgiu uma classe de mulheres alfabetizadas e ociosas que tinham contato com várias imagens reproduzidas e passara a valorizar a beleza e a hierarquia operada e imposta aos rostos e corpos”60.
62Ademais, mesmo nas figuras de crianças e adolescentes do sexo feminino, que nessa idade ainda não apresentam corpos formados e bem delineados, representavam-se cinturas afinadas, de boa postura, sempre brancas e de finos traços.
63Ou seja, na revista e nos anúncios publicitários havia uma supervalorização da juventude, das mulheres brancas, do ser magro e do incentivo a práticas de dietas e de embelezamento, como emite uma das mensagens do anuário de 1957:
Você terá a melhor aparência e se sentirá muito mais disposta quando tiver o seu peso exatamente proporcionado [...] as mulheres esbeltas têm vida mais longa [...] repare numa sala cheia de pessoas, mais ou menos idosas: no que que as gordas, as pesadonas, já se foram tendo permanecido as mais esbeltas61.
64 É possível que a sociedade da época internalizasse essas informações, e passassem a valorizar certos tipos de beleza em detrimento a outras, como também a reproduzirem determinados comportamentos a sua geração. Assim como afirma a antropóloga Mary Douglas, que o corpo é “uma forma simbólica, na qual as normas centrais, as hierarquias e os comprometimentos culturais são reforçados e reproduzidos”62.
65 No entanto, se por um lado as mulheres mais jovens eram utilizadas como referencias para estimular a venda de produtos com apelo à manutenção da beleza da juventude, do agrado aos esposos e aos filhos, por outro, a representação de mulheres mais velhas, ainda que menor quantidade, poderiam ser utilizadas para demostrar credibilidade e confiabilidade aos produtos divulgados.
A tradição cultural na imagem feminina
66 Segundo Kotler e Keller63, existem diversos fatores que interferem na decisão de compra dos consumidores, entretanto a família constitui o grupo mais influente. Além disso, ao se pensar na matriarca da família como sendo a “líder de opinião” que oferece conselhos ou informações de modo informal sobre um produto ou categoria de produtos específicos, dizendo por exemplo quais, dentre as muitas marcas disponíveis, são as melhores ou como um determinado produto deve ser usado, é possível que ao vincular imagens de mulheres na terceira idade em peças publicitarias de alimentos ou de outros produtos domésticos, poderiam emitir significados como tradição, costume e do cuidado maternal, isto pois a matriarca na visão dos mais jovens são vistas como alguém de experiência, sabedoria e querida pela família64.
67 Desse modo, é possível crer que as idosas representadas, por exemplo, em um anúncio de amido de milho (mulher branca, sorrindo, com corpo avantajado, e segurando uma cesta dos produtos divulgados65) e banha de porco (mulher negra, sorrindo e de corpo avantajado) 66“informam” a leitora que aquele alimento é confiável, dando credibilidade para o consumo e “legitimando o ideário familiar"67. Destaca-se, que além de produtos alimentícios, a representação de mulheres negras era frequentemente relacionada a publicidade de itens para a cozinha. Tal evidência pode estar relacionada ao fato de que eram, normalmente, essas mulheres na época, as cozinheiras dos lares das classes mais altas da sociedade desde a colonização68, e porque parte das mulheres brancas com maior poder aquisitivo apenas delegavam funções e trabalhos às suas funcionárias que em geral eram mulheres negras. Dessa forma, é comum que as mulheres negras sejam identificadas e representadas como detentoras do conhecimento culinário do Brasil como também nos EUA69.
68 Também é interessante ressaltar como a imagem da mulher negra presente no anúncio de 1941 relembra as ilustrações de uma conhecida personagem da época criada por Monteiro Lobato: a Tia Nastácia. Esse tipo de ilustração, utilizada para representar a personagem do Sítio do Pica-Pau Amarelo, e do anúncio da banha de porco, remetem aos estereótipos de mulheres negras denominadas de “Mãe Preta” no Brasil e o de “Mammy” nos EUA70.
69 A “Mammy” ou a “Mãe preta” eram caracterizadas como velhas, corpulentas, supersticiosas, de índole fiel e dedicadas aos afazeres da casa. Ambos os estereótipos, normalmente eram representados próximos às crianças, cozinhando ou no entorno da cozinha, “sendo por isso comum a identificação de mulheres negras como detentoras do conhecimento culinário da comida brasileira como também da estadunidense”71. Portanto, vincular estereótipos de imagens de mulheres negas e ou idosas à alimentação mais “tradicional”, ou a serviços que lhe eram comuns à época, valorizavam o produto divulgado, pois imagina-se que os consumidores associam a qualidade e confiabilidade dos produtos aos públicos que os consomem.
70 Dessa forma, a publicidade como veículo de comunicação permite uma análise abrangente de questões sociais, hábitos de saúde, higiene e cuidados com o lar, demonstrando como a imagem da mulher vem sendo construída e representada pela mesma, sendo esta geradora de desejos e/ou frustações por parte dos consumidores, no caso, das leitoras do Anuário das Senhoras72.
71 As revistas femininas ainda perduram na sociedade, mesmo com a diminuição de investimentos publicitários, pois outras mídias estão sendo utilizadas para chegarem até o público feminino. Além disso, no que tange ao culto da beleza e dos corpos magros, verifica-se, atualmente, mídias destinadas a esse gênero, modificando a maneira de dialogar com as suas leitoras, incentivando e publicando imagens de mulheres com “beleza distintas”73.
72 No entanto, no sistema capitalista existem interesses de lucratividade nos diversos setores industriais e comerciais de consumo, e, dessa forma, o ser feminino ainda pode ser alvo de divulgação de novos produtos alimentícios, de beleza, e saúde que a indústria procura introduzir, afetando diretamente a qualidade de vida de toda a sociedade.
Considerações finais
73 As representações que norteiam a sociedade, portanto, podem ser consideradas como resultados de costumes responsáveis pela vinculação de imagens de beleza e saúde a um ideal de felicidade, e que muito interferiram na qualidade de vida das mulheres do século XX. Isso porque, por meio das mensagens e imagens expostas em anúncios publicitários, criava-se no público alvo destas campanhas, uma necessidade de aceitação social, com base na associação da imagem de uma beleza e de corpos perfeitos.
74 Além disso, visto que os periódicos femininos ascenderam enquanto difusão de anúncios publicitários, a mulher a partir disso, acabou por se tornar tanto objeto de estímulo ao consumo, quanto consumidora. Desta maneira, a representação feminina foi se modificando conforme influência sofrida pela cultura norte-americana e europeia, a qual era também acompanhada por modificações nos discursos publicitários.
75 Ainda nesse sentido, com a disseminação dos anúncios de alimentos industrializados, as mulheres passaram a inserir ou reforçar em suas vidas, e na de suas famílias, novos produtos e hábitos. Como o que a mídia vende é percebido como bom e vantajoso, como de qualidade e saudável, cada vez mais existem consumidores crédulos, manipulados e famintos por tudo que é divulgado.
76 Por meio da análise feita nos anúncios publicitários e reportagens do Anuário das Senhoras, publicados durante o século XX, sob o contexto dos valores e representações já inseridos na sociedade na época, foi possível verificar os diferentes discursos utilizados, a fim de despertar interesses e persuadir essas leitoras para consumos e comportamentos. Percebeu-se que os anúncios publicitários colocavam a leitora como consumidora, a qual era responsável por decidir as compras e, portanto, se identifica como protagonista de suas ações e consumos e as utilizavam como produtos de seus anúncios, atraindo desejos (os seus e dos possíveis consumidores).
77 Vale ressaltar que a representação da figura feminina pode ser abordada como uma questão de saúde pública e de discriminação. Isso porque envolve não somente a construção psicológica das mulheres, como também sustenta uma aceitação social que favorece àquelas que se enquadram em um estereótipo pré-definido. Nas revistas, o estereótipo de beleza se associava às mulheres brancas, magras e de traços finos, indicando que a busca pelo corpo perfeito é a fórmula para a obtenção do sucesso e da felicidade. Só é aceita na sociedade, aquela que se enquadra nesses padrões de beleza e consumo.
78 Assim, como o corpo passou a ser considerado um produto, estabeleceram-se normas e padrões a serem seguidos, os quais possibilitaram a aceitação social e do consumo, tornando-a obsessiva com a magreza, com um corpo jovem e isento de qualquer não conformidade.
79 De tal modo, devido às constantes modificações de valores e significados apresentados na sociedade, a publicidade, que também se transforma com ela, pode ter deixado seus traços no modo de viver e relacionar das pessoas, principalmente em relação às questões de saúde, alimentação e percepções corporais. Essa transição mostra um conceito estético mascarado que está cada vez mais incluso em um discurso de saúde e uma expectativa de obtenção e/ou melhora da qualidade de vida. Porém, na análise de tais argumentos publicitários, revistas relacionadas e a sociedade em si, é bastante visível a existência da ditadura do corpo perfeito e magro, cuja obtenção nada ter a ver com melhora da saúde e do estilo de vida, mas sim, pela aceitação da mulher na sociedade.
80 O Anuário das Senhoras é uma fonte histórica primária de excelente potencial para a busca de informações sobre a alimentação e nutrição, já que a história contribui, por meio dos estudos de longa duração entre o meio e a sociedade, tendo o passado como referência, para propor os elementos e as respostas aos problemas contemporâneos que envolvem a alimentação.
Bibliographie
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Notes de bas de page
1 Janaína A. Beraldo Garcia, “Mulheres exemplares: vidas contadas no anuário das senhoras de 1953”. Revista História Hoje. São Paulo, v. 2, n. 5, 2004. [em linha: https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/13527/janaina.PDF?sequence=1, acedido a 19-10-2021]
2 Rafael Sampaio, “Propaganda de A a Z: como usar a propaganda para construir marcas e empresas de sucesso. 2 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999, 376p.
3 Eloá Muniz, “Publicidade e propaganda: origens históricas. [em linha: https://www.eloamuniz.com.br/arquivos/1188171156.pdf, acedido a 19-10-2021].
4 Neuza Maria Pontes de Mendonça, “’Brincando de consumir’: as figuras de linguagem na publicidade em revistas para crianças. 2005. 98f. Dissertação (mestrado em Letras) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2005. [em linha: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/7968/1/arquivo8331_1.pdf, acedido a 19-10-2021].
5 Idem.
6 Fernando Jorge Basto Peixoto, “Publicidade, sedução e assertividade: a comunicação de marca”, 8° SOPCOM Comunicação Global, Cultural e Tecnologia, Publicidade e Comunicação, 2014, p. 856-864 [em linha: http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle/1822/36817, acedido a 18-10-2021].
7 Karla Coelho Grillo, “A imagem da mulher como argumento de venda na publicidade”, 2006. Dissertação (Mestrado em Ciências da Linguagem) -Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2006.
8 Abraham Maslow apud Graziela Frainer Knoll, “Discurso de gênero na publicidade: Análise crítica de textos publicitários em revistas”, Sociais e Humanas, Santa Maria, v.25, n. 2, p. 243, 2012; [em linha: https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/2885/pdf, acedido a 17-10-2021].
9 Graziela Frainer Knoll, “Discurso de gênero na publicidade: Análise crítica de textos publicitários em revistas”, Sociais e Humanas, Santa Maria, v.25, n. 2, p. 243, 2012; [em linha: https://periodicos.ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/2885/pdf, acedido a 17-10-2021].
10 Idem., p. 243.
11 Brasil. Secretaria de Comunicação Social. Pesquisa brasileira de mídia -2016: Relatório Final. Brasília, 2016. [em linha: http://antigo.secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-quantitativas-e-qualitativas-de-contratos-atuais/pesquisa-brasileira-de-midia-pbm-2016-1.pdf/view, acedido a 19-10-2021].
12 Íria Catarina Queiroz Baptista e Karen Cristina Kraemer Abreu, “A história das revistas no Brasil: um olhar sobre o segmentado mercado editorial”, Revista Científica Plural, Curso de Comunicação Social da Unisul, Tubarão, ed. 004, p. 1-21, jul. 2010.
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14 Ramos, “Memoria e publicidade no Brasil na década de 1930” Dissertação (Mestrado em Memória Social) Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2013 [em linha: http://www.repositorio-bc.unirio.br:8080/xmlui/handle/unirio/12366, acedido a 16-10-2021].
15 Íria Catarina Queiroz Baptista e Karen Cristina Kraemer Abreu, “A história das revistas no Brasil: um olhar sobre o segmentado mercado editorial”, Revista Científica Plural, Tubarão, 2010, p. 1-21.
16 Chrislene Carvalho dos Santos, “História e propaganda: análise de corpos femininos em imagens publicitárias na década de 20”, Revista História Hoje, v. 3, abr. 2006, n. 9.
17 Ana Lúcia de Castro, Culto ao corpo e sociedade: mídia, estilos de vida e cultura de consumo, São Paulo: Annablume, 2003.
18 Francisco de Assis Guedes de Vasconcelos, Josué de Castro e a Geografia da Fome no Brasil, Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 11, 2008, p. 2710-2717.
19 Josué de Castro, Geografia da fome, Rio de Janeiro: Antares, 1984.
20 Fabiana F. C. O. de França, et al, Mudanças dos hábitos alimentares provocados pela industrialização e o impacto sobre a saúde do brasileiro, Anais do I Seminário Alimentação e Cultura na Bahia, Salvador, v.1, 2012, p. 1-7, [em linha: http://www2.uefs.br:8081/cer/wp-content/uploads/FRANCA_Fabiana.pdf, acedido a 29-04-2016].
21 Sandro Pereira Silva, A Trajetória Histórica da Segurança Alimentar e Nutricional na Agenda Política Nacional: Projetos, Descontinuidades e Consolidação, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, n. 1953, 2014 [em linha: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3019/1/TD_1953.pdf, acedido a 06-07-2019].
22 Marina Ferreira Rea, Substitutos do leite materno: passado e presente. Revista de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, 1990, [em linha: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101990000300011, acedido a 06-07-2019]
23 Sueli Aparecida Moreira, Alimentação e comensalidade: aspectos históricos e antropológicos, Ciência e Cultura, v. 62, n. 4, São Paulo, 2010. Marina Ferreira Rea, Substitutos do leite materno: passado e presente. Revista de Saúde Pública, v. 24, n. 3, Rio de Janeiro , 1990, [em linha: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101990000300011 , acedido a 06-07-2019].
24 Anuário das Senhoras, 1957.
25 Priscila Pereira Machado, Nádia Rosana Fernandes de Oliveira e Áquilas Nogueira Mendes, O indigesto sistema do alimento mercadoria, Saúde e Sociedade, v. 25, n. 2, p. 505-515, São Paulo, 2016.
26 Anuários das Senhoras, 1957, p.260.
27 Adolpho Queiroz e Lucilene Gonzales, Sotaques Regionais da Propaganda, São Paulo: Arte & Ciência, 2006.
28 Thaís Mannala, Representantes de Feminilidades na revista O Cruzeiro, Anais do Simpósio Nacional de Tecnologia e Sociedade, Curitiba, Design e Cultura Material, 2011, p. 10.
29 Anúncio Publicitário de arroz. Anuário das Senhoras, 1941, p. 264.
30 Anúncio publicitário de cerveja. Anuário das Senhoras, 1955, p. 9.
31 Liliany Samarão, O espetáculo da publicidade: a representação do corpo feminino na mídia, Revista Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2007. Ana Letícia de França, Édina Schimanski, Mulher, trabalho e família: uma análise sobre a dupla jornada feminina e seus reflexos no âmbito familiar, Revista Emancipação, v. 9, n. 1, Ponta Grossa 2009, p. 65-78.
32 Anúncio publicitário de arroz. Anuário das Senhoras, 1941, p. 264.
33 Anuário das senhoras, 1953, p. 293.
34 Anúncio publicitário de bebidas à base de leite e soja, Anuário das Senhoras, 1941, p. 229.
35 Anuário das senhoras, 1941, p.229.
36 Anuário das Senhoras, 1957, p. 36
37 Olga Brites, Infância, higiene e saúde na propaganda (usos e abusos nos anos 30 a 50), Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 20, n. 39, 2000, p. 249-278.
38 Anuário das Senhoras, 1952, p. 101.
39 Anuário das senhoras, 1955, p. 09.
40 Bianca Ramos Marins, Inesita Soares de Araújo e Silvana do Couto Jacob, A propaganda de alimentos: orientação, ou apenas estímulo ao consumo? Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, Rio de Janeiro, 2011, n. 9. Patrícia Henriques, Patrícia Camacho Dias e Luciene Burlandy. A regulamentação da propaganda de alimentos no Brasil: convergências e conflitos de interesses, Cadernos de Saúde Pública, v. 30, n. 6, Rio de Janeiro, 2014, p. 1219-28
41 Anúncio publicitário de refrigerante. Anuário das Senhoras, 1950, p. 1.
42 Eliane Marta Teixeira Lopes, Mulheres em Revista de 1946. Crônica de uma herança, Anais, III Congresso Brasileiro de História da Educação - Educação Escolar em Perspectiva Histórica, Curitiba, PUCPR, 2004, p. 03
43 Juliana Saboia e Vivian Flick, A influência da mídia no processo de consumo: um estudo descritivo com mulheres da região metropolitana de Porto Alegre, Revista Acadêmica São Marcos, Alvorada, v. 3, n.1, 2013.
44 Emanuelly Silva Falqueto e Murilo Cesar Soares, A representação das mulheres nas revistas brasileiras: uma revisão bibliográfica, Anais da V Conferência Sul-Americana e X Conferência Brasileira de Mídia Cidadã, UNESP Bauru, SP, 2015, p. 05.
45 Anúncio publicitário de Sal de Fruta. Anuário das Senhoras, 1941 p. 272.
46 Anuário das Senhoras, 1941, p.141.
47 Frank Antonio Mezzomo, Cristina Satiê Pátaro e Amanda de Souza Ribeiro, Mãe, esposa e dona do lar: representações da mulher no jornal folha do norte do Paraná, Fênix Revista de História e Estudos Culturais, v. 11, n. 1, Uberlândia, 2014.
48 Anuário das Senhoras, 1941, p. 244.
49 Idem, p. 262
50 Anuário das Senhoras, 1957, p. 142
51 Idem, p. 155
52 Anuário das Senhoras, 1952, p. 188
53 Anuário das Senhoras, 1941, p. 36
54 Idem, 1941, p. 230
55 Anuário das Senhoras, 1941, p. 36
56 Anuário das Senhoras, 1950, p. 141
57 Idem, p. 210
58 Anuário das Senhoras, 1952, p. 36.
59 Anuário das Senhoras, 1941, p. 17.
60 Heloise Peratello, O corpo, o comer e a comida: um estudo sobre as práticas corporais e alimentares no mundo contemporâneo, História: Questões & Debates, n. 54, Curitiba, 2011, p. 44.
61 Anuário das Senhoras, 1957 p. 188
62 Heloise Peratello, O corpo, o comer e a comida..., p. 10.
63 Philip Kotler e Kevin Lane Keller, Administração de marketing, São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2012, p. 165.
64 Cláudia Regina Magnabosco-Martins, Brigido Vizeu-Camargo e Felipe Biasus, Representações sociais do idoso e da velhice de diferentes faixas etárias, Universitas Psychologica, n. 3, v. 8, Bogotá, 2009, p. 831-847.
65 Anúncio publicitário de amido de milho. Anuário das Senhoras, 1952, p. 281.
66 Anúncio publicitário de banha de porco. Anuário das Senhoras, 1941, p. 224.
67 Marco Antonio Cirillo, A vez da terceira idade: o discurso da publicidade na construção da imagem do idoso nas revistas. 2012. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Faculdade de Comunicação, Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). São Paulo, 2012.
68 Luiz de Aguiar Costa Pinto, O negro no Rio de Janeiro: relações de raças numa sociedade em mudança, Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1988.
69 Taís de S Machado, Paralelos entre a mãe-preta brasileira e a mammy estadunidense: sobre a identidade, culinária, raça e diáspora negra. Anais da Conferência da 1ª Jornada de Estudos Negros na UnB, Brasília, 2016.
70 Idem.
71 Taís de S Machado, Paralelos entre a mãe-preta ..., p.2
72 Olga Brites, Infância, higiene e saúde na propaganda ...
73 Claudia Penteado, Revistas enfrentam crise e fortalecem suas marcas, 2016, [em linha: https://propmark.com.br/dia-da-mulher/revistas-enfrentam-crise-e-fortalecem-suas-marcas/, acedido a 20-10- 2018].
Auteurs
-
Cilene da Silva Gomes Ribeiro
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
-
Juliana da Silveira
Universidade Federal do Paraná
-
Letícia Caroline dos Santos
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
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