Corpos femininos conquistados ou corpos domesticados?
Dietas e cultura física no Anuário das Senhoras na década de 1950
Résumé
O presente estudo tem como objetivo observar os paradigmas de beleza desejados para corpos femininos, contidos em uma revista brasileira de circulação nacional denominada Anuário das Senhoras na década de 1950, considerando especialmente as orientações alimentares para controle do peso. Busca sobretudo compreender de que forma os padrões de corpos delgados estruturam novas subjetividades para o viver e o ser mulher citadina, moderna e conectada aos planos de um país que ser quer desenvolvido.
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Palavras chaves : corpo feminino, dietas, história da alimentação
Texte intégral
1 Diz o senso comum que toda mulher, mesmo que esteja perto de seu peso ideal, deseja sempre perder pelo menos cinco quilos, se isso é verdade ou não, é difícil de não se acreditar. O fato é que a temática das dietas, regimes, ou outras denominações que se queira dar, é recorrente tanto entre homens como entre mulheres. E quase sempre a eficácia deles é colocada em jogo, porque, nada mais difícil do que a longo prazo não “encontrar” os quilos que foi tão difícil de “perder”. Não é à toa que a revista Veja de janeiro de 2018 trouxe uma matéria cujo título chama atenção, “Conheça as melhores dietas para emagrecer em 2018”, elencando cinco delas como as melhores de acordo com especialistas norte-americanos: vigilantes do peso1, dieta volumétrica2, dieta Jenny Craig3, dieta vegana4 e dieta flexitariana5. Segundo seu editor, essa matéria é um resumo de uma pesquisa realizada, “a pedido da publicação U.S. News & World Report, especializada em rankings de saúde e educação, os profissionais escolheram entre 40 opções os melhores programas dietéticos para as mais diversas finalidades — perda de peso (claro), proteção do coração, alimentação saudável, para diabéticos, entre outras”6. Por que será que logo após a “perda de peso” se segue a palavra “claro”, que parece ser óbvia para o editor?
2 Na sociedade moderna lipofóbica o gordo é o glutão, é aquele ser criticável, é o egoísta que come além daquilo que lhe cabe diante de uma sociedade da abundância que mantém grupos de esfomeados e desnutridos. Paradoxo? Assim é que Jesús Contreras7, aborda o assunto em seu artigo “A modernidade alimentar: entre a superabundância e a insegurança alimentar”. Para ele, o velho medo de que a comida não fosse suficiente para todos vem retrocedendo desde há algum tempo, acentuando-se essa certeza a partir dos anos 1950, atualmente a preocupação se dá muito mais no campo qualitativo do que quantitativo. Mas creio que isso não se aplica a todos os grupos humanos, pois de acordo com algumas pesquisas atuais, o quadro de fome no mundo tem aumentado em número. Porém, as sociedades que são menos atingidas por esses números alarmantes, ou mesmo grupos de pessoas que têm livre acesso aos alimentos, parecem temer muito mais comer demais do que comer menos.
3 Por outro lado, a preocupação com o excesso de peso e o sedentarismo não parece ser algo assim tão novo, talvez o seja em suas novas formas de abordagem, ou então acompanhado de novos argumentos, mas como diz Vigarello, desde o século XIX já havia uma série de reivindicações no sentido de “uma beleza mais bem distribuída. A novidade estava na maneira de ilustrar. Tornada pedagogia de massa, pretendia promover belezas saídas do próprio público: o anônimo transformado por seu mérito, o semelhante tornado possível”8. O que ele chama de “democracia da beleza” teria vindo com o cinema.
4 Nesse sentido, é que esse estudo, partindo do pressuposto que tudo o que comemos é repleto de significados e significações, quer apresentar os conselhos contidos nas matérias presentes em um periódico feminino brasileiro, o Anuário das Senhoras, na década de 1950. O recorte temporal se justifica pela especificidade de um período que no Brasil foi marcado pelo desenvolvimentismo, pelos desejos de uma nação em modernizar-se, pela busca de modelos econômico, social e cultural que refletissem suas potencialidades.
O Brasil dos anos 1950 e o “Anuário das Senhoras”
5 Os chamados “Anos Dourados”, anos 1950 no Brasil, dão continuidade a uma série de características presentes já nos anos 1940 no país. No campo da política e da economia, a manutenção da democracia continua uma preocupação, os preceitos contidos na Constituição de 1946 são por diversas vezes contestados. Essa década se inicia com discussões acaloradas a respeito da volta de Getúlio Vargas ao Catete9. Em 1949, Vargas lançou-se oficialmente como candidato à Presidência da República com promessas de desenvolvimento e bem-estar social, combate à inflação e ao alto custo de vida10. Com vitória assegurada por cerca de 50% do total de eleitores, o seu slogan de campanha “Ele voltará” se concretizou e “ele voltou”. Em 1951, enviou para o Congresso um dos projetos mais emblemáticos para o Brasil até os dias atuais, o da criação da Petrobrás. O sonho da independência da nação brasileira estava em franco processo de realização.
6 Apesar do suicídio de Vargas em 1954 e um cenário totalmente conturbado, o Brasil seguiu ainda sob moldes democráticos, com a vitória nas urnas de Juscelino Kubitschek de Oliveira. Munido de um Plano de Metas, segundo Schwarcz e Starling, e de uma promessa de modernizar o país, articulou “uma bem sucedida aliança entre grupos sociais de interesses muito diversos que aceitaram se unir em torno de um grande projeto de planejamento econômico capaz de resumir as principais linhas de sua administração”11.
7 JK, como ficou conhecido o Presidente Kubitschek, viabilizou uma série de mudanças nos campos do público e do privado, e aqui nesse capítulo não nos cabe discutir a validade ou não dessas decisões, mas sim, ilustrar os ares em que inserem as fontes utilizadas. Incentivando o processo de industrialização, diz Schwarcz e Starling12, “privilegiou o setor industrial de bens duráveis, alterando os hábitos e o cotidiano da população” que passou a ter acesso, pelo menos às vitrines, de uma certa quantidade de eletrodomésticos, muitos deles que prometiam facilitar a vida das mulheres em suas casas. Povoando principalmente o mundo masculino estavam os automóveis, como Oldsmobile motor Rocket em 1951, da General Motors; um ano antes, em 1953 a Volkswagen do Brasil se estabelecia no país e iniciava a montagem da Kombi e em 1959 foi produzido o primeiro Fusca (comprado pelo paulistano Eduardo Andrea Matarazzo).
8 Junto aos anseios de modernização e desenvolvimento, no âmbito da cultura e da sociedade tivemos a inauguração da TV Tupi por Assis Chateaubriand, a primeira emissora de televisão do país, o Teatro de Arena, os grupos Oficina e Opinião, a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, a produtora Atlântida, o Cinema Novo e claro, a Bossa Nova. Vivendo sob a aura de um país promissor da maioria das mulheres ainda se esperava doçura e sensibilidade, ingenuidade e carinho, dedicação e amor à família, capricho nos afazeres da casa, saúde e apresentar-se bela e feliz. Como conseguir tudo isso, ou pelo menos parte disso? Oras, consultem as revistas femininas, elas trazem muitas fórmulas para que muitos desses desejos se tornem possíveis, ou pelo menos indicam meios para isso.
9 Provavelmente em busca de notícias sobre moda, beleza, alimentação, saúde, e as últimas fofocas de Hollywood, fotonovelas, o mundo do rádio e artes manuais, mulheres, jovens ou nem tanto, procuravam nas bancas de revistas aqueles periódicos que mais lhes agradassem. Podiam escolher entre revistas nacionais ou importadas, como o Jornal das Moças, a Revista Querida, Capricho, Anuário das Senhoras, Revista Tricô e Crochê, Burda, Elle ou Vogue, entre outras.
10 É certo que, como bem alerta Pinski13, é preciso estar atento ao fato de que as revistas são veículos comerciais, portanto, devem atender ao público que querem atrair, ao mesmo tempo em que desejam discipliná-lo. Nesse sentido, Pilla14 diz que os anúncios, as colunas, as matérias contidas nos periódicos femininos em geral, traduziam, de certa forma, os anseios daquelas que os compravam, “dessa maneira, refletem e tem refletido nelas um discurso que influenciam por serem influenciadas, contribuindo para o status quo do grupo que as consome”.
11 Assim se caracterizam as fontes em questão, ou seja, o Anuário das Senhoras, um periódico anual brasileiro com publicação da Sociedade Anônima “O Malho”, editada no Rio de Janeiro e que tinha circulação nacional, desde meados dos anos 1930 (mais especificamente 1934) e teve sua última edição no final dos anos 1950 (1958-1959). E aqui para esse estudo, escolheu-se a década final de sua publicação, ou seja, as revistas a partir dos anos 1950 a 1958.
12 O Anuário das Senhoras se enquadra no perfil de público feminino, oferecendo temas variados relacionados ao lar e à família. Em suas habituais quase trezentas páginas não vamos encontrar discussões sobre o âmbito público, ou seja, economia, política, mas sim, anúncios, artigos, reportagens nacionais e estrangeiras sobre saúde da mulher, beleza feminina, contos, poesias, artigos sobre cinema e as atrizes e atores “sensação” daquele ano, conselhos sobre como “manter a linha”, comer com saúde, educação dos filhos e como cuidar bem da casa e do marido.
Saúde, beleza e longevidade em corpo delgado
13 Desde a Antiguidade há relatos sobre a preocupação dos seres humanos com a alimentação e com a saúde, bem como conselhos sobre como se exercitar. Durante muito tempo, comer poderia ser o remédio para uma doença, mas também poderia ser a sua causa. A teoria dos humores dominou a dietética grega e romana, e “foi a influência mais duradoura e mais profunda na tradição dietética do mundo ocidental”, diz Fernández-Armesto15.
14 Os higienistas já preconizavam desde o final do século XIX, exercícios ao ar livre e uma alimentação saudável. Junto a isso se propagava uma ideia de idealização de corpos magros, pois a gordura é ruim, sua presença leva os organismos à falência, pois se deposita em áreas vitais e atrapalha seu funcionamento. Embaladas por estas verdades, as dietas se multiplicaram ao longo do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos e muitas delas chegaram ao Brasil. Muitos foram os especialistas que ditaram dietas e outros conselhos para os que buscavam o “peso ideal”, e não se dirigiram apenas às mulheres, muitos homens também estavam preocupados com a relação entre peso e saúde.
15 Já em meados do século XIX os médicos europeus estavam aderindo à teoria de que os carboidratos e as gorduras contribuem para a obesidade, dessa forma, prescreviam regimes restritivos dessas duas categorias, o que muitas vezes significava passar fome, diz Foxcroft16. Diz a autora que foi William Banting (um agente funerário de Londres), que publicou com financiamento próprio em 1863, um “revolucionário livro de dieta”, propondo um regime rico em proteínas, gorduras e poucos carboidratos. Segundo a autora ele disse à revista Punch, em 1869:
“Para emagrecer, que o jantar seja cortado.
E tome clarete, é claro, e não cerveja.
A manteiga nunca olhe com desejo.
E só coma pão torrado – não passado”.
16 Dentre os médicos estudados por Foxcroft17 temos o inglês Dr. Nathaniel Davies, que publicou seu livro em 1889, “Comida para gordos: tratado sobre a corpulência com dieta para sua cura”18. Para esse médico, os obesos eram pessoas burras, pesadas e idiotas, ou seja, era melhor que seguissem sua dieta e saíssem desse estado lamentável.19 Mesmo assim, teve pacientes importantes, talvez por se importarem bastante com sua aparência, por se sentir desconfortáveis ou mesmo porque não queriam ser considerados pessoas burras. Dr. Davies considerava que o excesso de comida e a falta de exercícios levava a um estilo de vida sedentário. Dessa forma, desde esses tempos, a relação entre estilo de vida e corpulência já era consenso.
17 Para Priore20, desde o início do século XIX multiplicaram-se na Europa os ginásios, os médicos e os educares físicos “que chamavam atenção para as vantagens físicas dos exercícios”. Por outro lado, também se alertava sobre o perigo dos exercícios musculares para as mulheres, especialmente os que pudessem prejudicar sua natureza para a maternidade. No entanto, a maioria dos estudiosos relacionavam as atividades físicas moderadas ao bem-estar e saúde.
18 Ao chegarmos ao século XX as dietas e exercícios físicos se consolidaram em sua relação com o discurso científico. E nos anos 1920 o ideal de magreza já havia se firmado na Europa. A revista Vogue de 1922, perguntava se “com a ajuda do espartilho, do fisiculturista e da dieta sem amido, desenvolveremos em breve uma raça de mulheres magras e esbeltas”21.
19No Brasil, dessa mesma época, anos 1920, a relação entre beleza e exercícios físicos se consolidaram. Nesse período o espartilho deu lugar para a cinta elástica, diz Priore22, o corpo começava a se soltar. Também a padronização de “tamanhos”, contribuiu, desde então, para conformar o corpo às roupas e gerou constrangimentos. A moda do período não colaborava para esconder os quilinhos a mais.
20Os anos 1930 e 1940 evidenciado no Brasil pelo Estado Novo, deram continuidade a um discurso em que se incentivava moderação, exercícios físicos ao ar livre e uma vida saudável a partir de uma alimentação balanceada que garantiria um peso “normal”. As presenças constantes de artistas norte-americanos que apareciam em seus cotidianos, marcam o crescimento da influência dessa cultura no nosso modo de viver. Tanto é assim, que, as formas arredondadas voltavam à moda nos anos 1940 com atrizes como Marilyn Monroe e Jane Russel. Por outro lado, o “arredondamento” não era livre, havia uma série de regiões do corpo feminino a serem modelados, e para isso as revistas estavam cheias de orientações de exercícios, massagens, modelagens para favorecer os locais a serem realçados como coxas, quadris e bustos.
“Pois os bêbados e os glutões se empobrecerão, e a sonolência os vestirá de trapos” (Provérbios 23:21): a gordura é pecado?
21Embora no século XIX muitos já tivessem relacionado o excesso de peso a uma atitude que beirava a imoralidade por considerarem o descontrole frente à comida uma decadência moral, essa relação parece ter vindo muito antes desse tempo. O bom senso diante da comida foi um ideal pregado desde a Antiguidade, ainda que foi somente no século IV, que Evágrio do Ponto elencou a gula como primeiro vício que levaria a humanidade à ruína23.
22Nos anos 1920, diz Vigarello24 “a consciência social da gordura muda”, ser gordo é algo que passa a povoar a imagem também do camponês ou do operário. Eles agora estão tendo contato direto com as consequências de uma sociedade mais industrializada que tem mais acesso aos confortos dos meios de transporte e possibilidades de maior gama de alimentos e gulodices. Assim é que nos anos 1930, alguns estudiosos afirmavam que a passagem do ser humano de nômade para sedentário significou o princípio do problema, “o bom selvagem nunca foi gordo”25. O ser humano civilizado não somente tinha se deteriorado moralmente comendo demais, grupos de pesquisadores no mesmo período acreditavam que comer demais deteriorava também o organismo. Um dos adeptos dessa teoria “evolutiva”, o Dr. Ernest Edward Claxton deduziu que ao longo do processo histórico alguns órgãos e glândulas haviam se estragado, o homem gordo nada mais era do que o resultado desse “processo nefasto”. Para Foxcroft o programa de emagrecimento do Dr. Claxton, era um regime profilático, progressivo e voltado para a educação: “a perseverança no curso da ação, a discrição, a força de vontade, a submissão e a disciplina eram as virtudes necessárias para uma dieta bem-sucedida”26.
23A ideia do autocontrole parece ser uma permanência quando o assunto é regime. A ideia de esculpir corpos para o bem da Nação estava presente nos discursos totalitários do período entre os anos 1930 e o pós Segunda Guerra Mundial. E isso parece perdurar nas décadas que se sucedem, dieta, controle e autocrítica são elementos que se somam para culpabilizar aqueles e especialmente aquelas que comem demais.
24Nos anos 1950, incentivando o domínio diante dos alimentos, temos “Procure não engordar” como título de uma matéria do Anuário das Senhoras de 1954, acusando as mulheres de não darem a devida atenção ao peso, o autor27 que a escreveu afirma que enquanto os salões de beleza estão cheios, muitas se deixam engordar. Segundo esse autor, isso é resultado de falta de conhecimento e interesse sobre regimes e exercícios, mas, “onde há vontade há sempre um caminho para reduzir o peso”28. Mas para isso, completa, é preciso força de vontade. Aconselha andar a pé no lugar de usar o automóvel, caso contrário, “os músculos enfraquecem; células gordas tomam posse do corpo; a cintura perde a elegância e as cadeiras se expandem exageradamente”29. As estrelas de Hollywood, diz o autor da matéria, muitas vezes têm que emagrecer rapidamente, isso só é possível com trabalho árduo.
25A gordura além de ser imoral é também falta de inteligência? Pelo menos é o que se diz na matéria “O problema do peso”, contida no Anuário das Senhoras de 1957. Aconselha aquelas que “têm excesso de saliências” que parem de apenas lamentar a sorte e que façam alguma coisa para “corrigir esses tão grandes defeitos”30. Não se deve também colocar a culpa no mau funcionamento das glândulas, isso acontece somente em poucos casos, “na maioria dos casos, o excesso de peso é devido ao excesso de alimentação”. E aponta aquelas que pregam que excesso de peso é bom porque o corpo precisa de reservas, oras, diz o (a) autor (a) que não sabemos quem é, “os camelos que armazenam gordura. Eles necessitam dessa gordura para aquelas longas caminhadas através do deserto. Mas, quando foi sua última visita ao Saara?”31. Como se dissesse pare de desculpas, chega de subterfúgios, arremata, “resolva-se a seguir um bom regime, com uma grande dose de força de vontade”. Mas não faça regime sozinha, procure um médico e persista, “a recompensa será você mais elegante e ainda mais bonita”.
26“Não há razão para uma mulher se tornar gorda e disforme”, é assim que o autor da matéria “Segredos de Amor e de Beleza”32 dá o tom. Especialmente para as mulheres que se expõem ao mundo, segue o (a) autor (a), pois há aquelas que nada as prejudica em manter a forma ao longo da vida, já há aquelas que precisam de muita força de vontade e de determinação, como Pavlova33 e Mary Garden34. Portanto, “gentis leitoras, podeis conservar um porte jovem e gracioso com cuidadosa dieta”35.
27No artigo “Silhueta elegante” de 1952, também sem autoria, para saber se estavam de bem com a “linha do corpo”, era preciso reconhecer, quando chegava o verão, se estam prontas para vestir um shorts ou um maillot, e ainda um vestido que deixava os braços à mostra, ou que exigia uma cintura fina de fazer inveja. Se isso não acontece é porque há mais o que se esconder do que o que se mostrar. Isso, segundo o autor é consequência de uma vida sedentária e de um regime alimentar abundante. Para encontrar a “linha perdida”, “faz-se mister um exame de consciência, e vale a pena esforçar-se para corrigir tais defeitos”36. Podemos daí inferir que, “fazer exame de consciência” é o primeiro passo para a redenção, para a cura do pecado da gula, é o arrependimento eficaz que levaria ao paraíso corpos magros.
28“Cintura fina, quadris largos, ombros roliços, seios insinuantes, pernas grossas e bem torneadas: o ideal de beleza feminina durante a década de 1950 sugeria volúpia, mas ao mesmo tempo maciez e conforto”, diz Sant’Anna37.
29Como prevê o ditado popular “Um minuto de prazer na boca e o resto da vida em volta da cintura”: a gordura é feia e deselegante? Helena Rubinstein já repudiava a gordura nos anos 1930 considerando-a como algo repulsivo. A gordura é feia, a magreza é bonita. Mesmo que os modelos de beleza feminina “hollywoodiana” tenham aumentado um pouco sua voluptuosidade corporal desde o final da década de 1940, a relação entre beleza e magreza se mantém. Os racionamentos da Segunda Grande Guerra parecem ter colaborado para trazer uma maior consciência sobre os perigos da fome e os corpos mais roliços são apreciados. Embora nenhum dos ícones femininos do cinema norte-americano da época possa ser considerado gorda elas tinham aspecto mais arredondado.38
30Nesse período, o maior guru das dietas de Hollywood foi Benjamin Gayelord Hauser (1895-1984). Por muito tempo disse ter um doutorado em química e ser vienense, o que mais tarde foi desmentido. Nasceu na Alemanha era nutricionista e recebeu muitas críticas da comunidade médica de seu tempo por fazer afirmações que não conseguiu comprovar cientificamente. Diz o jornalista Peter Kerr39 em matéria para o New York Times, por ocasião da morte de Hauser, que apesar de seus opositores, teve grande influência no meio artístico norte-americano quando se mudou para a Califórnia no final da década de 1920. Cuidando da beleza e da saúde de atrizes como Greta Garbo e de mulheres da nobreza como a Duquesa de Windsor e da Rainha Alexandra da Iugoslávia se tornou conhecido. Nos anos 1950, ficou ainda mais famoso por ter programas de rádio e televisão sobre saúde e nutrição e, também, por sua publicação “Diet Digest”.
31Segundo Foxcroft40, Hauser dizia que as mulheres que tiveram a sorte de serem naturalmente bonitas devem conservar a beleza, assim como as que a natureza não lhes foi pródiga, devem se esforçar para conseguir sê-las. De preferência procurando seus conselhos em seus livros ou frequentando os institutos de beleza em que ele atuava.
32Hauser vai dar seus conselhos no artigo “Coma e mantenha-se esbelta” em 195141. Orientando uma dieta criteriosamente leve, com muitos alimentos naturais e saudáveis, ninguém deve passar fome, e mesmo assim perderá alguns quilinhos. É preciso regimes, massagens, exercícios orientados e banhos de sol. Sua dieta começa com uma limpeza do organismo, dura em geral sete dias, com muitos sucos de frutas e legumes, que podia ser feita no Departamento Maine Chance, do Instituto Elizabeth Arden em Nova York, ou em casa de quem quisesse estar bem. O dia começava com um suco de laranja para as magras ou de grapefruit para as gordas. Meia hora depois, café e chá adoçados com mel ou cubinhos de açúcar. No restante da manhã mais um suco de frutas ou legumes, “limão com aipo, tomate ou espinafre com cebola”. No almoço, um caldo à base de potássio42, seguido de salada e sobremesa com frutas. No lanche da tarde, chá, café ou refresco de hortelã. Para o jantar mais um caldo, salada de frutas e legumes frescos cozidos. Frutas à vontade. Só depois de sete dias é que se incluem no regime carnes grelhadas e peixe, um mínimo de amido, vinho leve e saladas de folhas e sucos sempre à vontade.
33Em “Beleza e Naturalidade” o autor previa: “não há mulher bonita sem silhueta fina, flexível, o que obtém por meio de cultura física, regime alimentar e descanso semanal”43. E aconselhava evitar as bebidas alcoólicas, os salgadinhos, os molhos picantes, e, também reservar toda semana um dia para desintoxicação alimentar. Nesse dia tenha ao almoço, dizia o autor, um copo de sucos frescos e uma xícara de chá de hortelã ou verbena, às 10h, cenoura ralada com limão (só se tiver fome); no almoço, uma xícara de caldo de legumes frescos e um pouco de alface, chicória, milho verde ou bertalha; às 17h, um copo de suco de frutas frescas e uma chávena de chá; e no jantar, uma xícara de caldo magro, legumes frescos com caldo de limão, maçã assada ao forno com mel e uma xícara de chá de hortelã.
34A gordura também é deselegante, assim é que qualificava a coluna “Pequenos Conselhos de Beleza”:
“se você quer mesmo ser elegante, é preciso ter um certo cuidado na alimentação. Há médicos especialistas e que orientam cada caso segundo as necessidades do organismo de cada um. Mas não custa você saber fazer uma seleção dos alimentos que engordam e os que conservam a linha”44.
35Beleza é disciplina e controle, tal como artigo citado anteriormente em 1954, “observe a balança – ela aponta a fuga da formosura”45. Em outro artigo do mesmo periódico, “Superalimentação, saúde e beleza”, o autor também anônimo, dizia que o mundo é dividido entre gordos e magros. Dentre os magros tem-se heróis, sábios; entre os gordos, o autor coloca os atores que não agradam à vista e os doentes. Também colocava a gordura como algo deselegante, principalmente, diz ele, “nestes tempos em que a condução fácil é o avião, viajar num ônibus é equilibrar-se com sabedoria”46. Até porque, continuava, a gordura envelhece.
36Mas a beleza deve ser alcançada a qualquer custo? Não, nada deve ser feito sem a supervisão de um especialista, os artigos são unânimes em afirmar isso. A meta deve ser sempre beleza com saúde. Mesmo que, as magras morressem quatro vezes menos que as gordas, dissessem alguns cientistas do período47.
37Quem come pouco envelhece mais devagar? Parece que sim, o excesso de peso atua como agente envelhecedor, além de estragar a saúde. Pelo menos é o que os números do periódico ao longo da década de 1950 disseram.
38No artigo citado acima, o autor apresenta também uma enquete feita por Margherite Duval que levou essa especialista à conclusão, “nos superalimentamos”. Em entrevista com um casal de classe média francesa em que a mulher tinha 37 anos e o marido 43, ela descobriu que eles não eram felizes de todo. E por quê? Questionou-se. Oras, a mulher, “Suzana perdeu a linha há uns três anos, sendo necessário afrouxar os vestidos e renunciar aos trajes ‘chemisier’, tão graciosos sempre. Ganhou dez quilos”. O marido Jean, “apresenta o ventre crescido”. E se sentem envelhecidos. “Como? Nessa idade? Não. Apenas entraram no círculo dos ‘pesados’, deixaram o campo dos jovens sem serem velhos”48.
39Em 195049, o artigo “Conselho para as gordas”, relacionava o excesso de peso à patologia, e aconselhava a prevenção como o melhor remédio. Mas, se a gordura já se instalou, é preciso logo modificar a alimentação e o modo de viver e assim, “encontrará logo recompensa num estado de espírito alegre e na melhora da saúde, consequências naturais na perda de peso”. Para o autor a obesidade trazia riscos para a saúde, tanto é assim, dizia, que companhias de seguro têm recusado o seguro daqueles que estão com excesso de peso, pois consideram que a gordura reduz a longevidade. Mas, “felizmente, a obesidade, em quase todos os casos, pode ser controlada”, para tanto é preciso controlar o apetite, abolir os alimentos ácidos, doces e gordurosos e substituí-los por frutas, carne magra e legumes. E finalizou, “não trate de emagrecer sem ouvir previamente seu médico”50.
40Para quem escreveu “O culto da beleza feminina” na revista em 1954, ser bela tem colaborado para a mulher ser mais feliz e mais humana:
“não podemos reconhecer virtude no abandono físico. Não há razão para uma mulher parecer velha unicamente porque não tem pouca idade. A mulher, pode fazer do seu físico o que deseja. Pode e deve. Não se tolera mais uma mulher desleixada, gorda como uma bola, nem de carnes moles como um pudim. Qualquer delas pode fazer dieta, exercícios, parecer bela, elegante e distinta”51.
41No entanto, é preciso conservar-se em forma sem perder de vista a saúde. Mais adiante no mesmo ano do periódico52, há uma nota junto a anúncios da Água Antisséptica Flôr de Tie, aquela que prometia fazer “surgir a beleza de seu rosto”; de “Fechos Eclair” tipos americanos e da “Pasta Russa” indicada para a correção de seios imperfeitos,
“engordar é envelhecer. Dizem. Manter o corpo delgado, a fim de afastar os sintomas da velhice, nem sempre dá resultado, visto que não se é mais ou menos velho pelo volume do corpo, nem o adquirir gordura significa envelhecer. Ao contrário, si para manter-se delgado um adulto se priva de alimentos, muito depressa aparecerá uma velhice prematura”.
42Em “Convém evitar peso para ser elegante e saudável”53, o autor do artigo é bem direto com as mulheres que “brigaram com a balança”. Logo de início explicava, “engordar significa exatamente possuir banha em excesso, que se introduz no corpo por meio de quantidade de nutrição superior à necessidade”. Não dá voltas para se colocar como alguém que considerava gordura a total responsabilidade da gorda, a condição de estar acima do peso é diretamente relacionada à ingestão desregrada de alimentos, e é fruto da ignorância, já que orientam que todos deveriam tomar “aulas de nutrição para se orientarem pessoalmente e orientarem os de casa, sobretudo os filhos”. E seguia dizendo, “a gordura é feia porque envelhece, tira a elegância e o porte e afeta a saúde”. Recomendava então uma dieta cotidiana sem petiscos, sem alimentos gordurosos, pastelaria, álcool, açucarados e farináceos.
43A luta contra o envelhecimento é constante e deve começar logo cedo, na matéria “A mulher e as fronteiras da velhice”54, o autor trazia uma boa notícia dizendo que naqueles anos 195755, essas fronteiras “estão sendo empurradas mais e mais para longe”. É possível ainda brilhar aos quarenta anos, dizia o texto, desde que se batalhe constantemente:
“para barrar a fuga da juventude a mulher tem o direito de usar tôdas as armas ao seu dispor: crêmes, massagens, tratamento cutâneo, ginásticas, regimes, preparação espiritual. Outras muitas coisas estão ao seu alcance, inclusive alimentação especial. E isso significa, em resumo, que a mulher, dependendo exclusivamente dela mesma, pode ter a idade que deseja dentro das limitações fisiológicas”.
44 Mas de nada adianta “fechar a boca” se isso não for acompanhado de exercícios físicos. O sedentarismo é tão perigoso quanto comer demais.
45“Quer ter sempre uma aparência jovem e bela? Eis algum dos conselhos dos técnicos das ‘girls’ de Hollywood. Para a conservação e aumento da beleza são necessários alguns cuidados especiais, que dão trabalho, naturalmente”56. Nesse artigo denominado “Aparências” de 1953, para manter-se jovem e bela é preciso empenho, mesmo que não recomende exercícios intensos, para se “obter e conservar a plástica perfeita” é preciso controle na alimentação e ginástica. Assim como para conservar a cútis perfeita é necessário limpeza e cuidados diários, com a silhueta não é diferente.
46Cada mulher tem o corpo que é resultado de um cuidado de si, de uma domesticação de instintos, quase um bônus por seus esforços diários. Só assim é possível ser uma mulher bela, magra, desenvolta, leve e com contornos definidos. Para Vigarello57, o cinema norte-americano que trazia modelos de beleza, trazia também conselhos das estrelas resumidos em três pontos: “disciplina, cultura física e regime”. O direito à beleza está disponível a todas, desde que se submetam a um trabalho obstinado, a um ritual diário, “não há mulher feia, há a descuidada”.
47E assim traziam orientações e ilustrações de exercícios para tirar mulheres da inércia. Mesmo as “senhoras gordas ou as de pernas muitos longas” conseguirão praticar alguns exercícios. E os benefícios parecem ser muitos: melhora a respiração, aperfeiçoa a linha do pescoço e da coluna vertebral, dá mais vitalidade, alonga as coxas, reduz o ventre. E mais, fazer exercícios impede o envelhecimento, reforça o autor, “por favor, não adie para amanhã. Decida-se logo”58.
48No Anuário de 195059, a leitora é levada a ir à frente de um espelho para verificar se as suas linhas estão suaves e elegantes, se encontrou o contrário, “principie a fazer, diariamente”, os exercícios que aponta. Assim é que trazia orientações de cultura física em um artigo denominado “Está engordando”? Em 195160, entre conselhos diversos encontra-se: “o exercício estimula todas as funções do organismo e produz além disso uma super oxigenização nos tecidos, promovendo reações saudáveis nas pessoas atacadas de enfermidades de nutrição”.
49No mesmo sentido, em 195761, a matéria “Ginástica: controla os nervos, afina a silhueta, proporciona bem-estar”, há exercícios simples, que podem ser feitos em casa, com repetições de vinte vezes para obter bons resultados. Disciplina em fazê-los todos os dias, trará, segundo o autor, melhor digestão e bom humor.
50No ano de 195862, traz para esta análise o único artigo assinado, “Existe beleza até mesmo no modo de inclinar-se”, por Ann Delafield63. A autora ficou conhecida nos anos 1950 por criar um plano de emagrecimento, composto por um livro de cardápios de baixas calorias, rotinas de exercícios e de beleza, e um suprimento de trinta bolachas redutoras de apetite. Estas bolachas eram na verdade pastilhas que continham proteínas, sais minerais, vitamina e uma substância alcalina.
51Na matéria de 195864, Delafield convidava a leitora a fazer um exame cuidadoso do seu corpo, e se o problema for excesso de peso, seria preciso exercícios especializados para reduzir principalmente quadris, coxas e ventre. Mas, alertava, há exercícios para cada tipo de corpo. Encontrando o exercício certo, ele levará a uma melhor digestão, circulação, e “seu corpo irradiará saúde”. E nas cinco páginas de reportagem ilustrada, Delafield descreveu uma série de ginásticas para firmar, tonificar e fortalecer uma série de parte do corpo. Para aquelas com poder aquisitivo maior, a autora também recomendou massagens e banhos terapêuticos.
52 Mas, se nada disso realmente der resultado, se não for possível resistir aos doces, se o caldo do Dr. Hauser for para você insuportável, se os drinks são os seus melhores amigos e dormir é seu esporte predileto, não se desespere você poderá encontrar no próprio Anuário das Senhoras conselhos para “disfarçar” suas imperfeições. Em “Regras para disfarçar a silhueta”, um autor compreensivo elencou doze “truques” para “colocar a moda a serviço de vossa personalidade”65. E, resumidamente aí vão as normas:
1) Atrai a atenção para aquilo que tiverdes de melhor.
2) Não desperteis atenção para uma vantagem que REALÇA UM DEFEITO.
3) Disfarçai qualquer ponto desfavorável de vossa estética.
4) Não repetir os defeitos nos ornamentos da toilette.
5) Lembrai-vos de que as cores claras sempre dão mais volume.
6) Não useis tecidos brilhantes, a não ser que sejais delgado.
7) Lembrai-vos de que o peso de um tecido se junta ao vosso próprio.
8) As riscas, as pregas, as costuras, as nervuras, as ordens de botões atenuam a direção que seguem.
9) Os escoceses bem como os xadrezes fazem aumentar, no mesmo tempo, a altura e a largura.
10) Os tecidos muito colantes traem a silhueta que envolvem.
11) Os estampados, largos e de cores vivas, assim como os ‘semeados’ de desenhos salientados muito nitidamente, engrossam a aparência.
12) Considerai sempre o conjunto de vossa toilette como sendo um todo.
Considerações finais
53 O espelho passou a estar presente na vida das pessoas comuns há muito pouco tempo na história do Ocidente. Diz Gérard Vincent66, que esse objeto que revela tanto de nós mesmos, veio por Veneza e alcançou outros cantos da Europa, somente no século XVI, e era acessível apenas aos mais privilegiados. Ainda nos entreguerras, era raro e caro, fazendo com que os lares menos favorecidos tivessem apenas um, em geral pendurado em cima de uma bacia para os homens fazerem a barba. Um espelho grande que pudesse refletir a imagem de corpo inteiro estava nos lares abastados. Dessa forma, as pessoas ficavam ainda muito sujeitas aos olhares do outro e menos sobre si mesma. À medida que objetos e novas configurações do cotidiano favorecem vermos a nós mesmo sem o filtro do outro, a autocrítica pode superar a crítica do semelhante.
54 Nesse sentido, o espelho, a claridade, a precisão tornando-se mais comuns, podemos nos ver por inteiro. O quanto isso pode ter influenciado no aumento de uma percepção mais ou menos real do corpo feminino, entregando-o a uma submissão ainda mais voraz, não sabemos. No entanto, é impossível não relacionar a imagem refletida no espelho e o desejo de um corpo perfeitamente magro e elegante.
55 Parafraseando Vigarello67, o argumento não é novo, mas a novidade está na maneira de ilustrar. Quero com isso dizer que, o desejo de ser bela e magra, elegante e delgada, pode não ser novo, mas o contexto o é, assim como os padrões a serem seguidos, que vem de um universo cinematográfico, em que se deifica mulheres, ao mesmo tempo em que as humaniza e se cria uma aura do possível e acessível. Ou seja, se Lana Turner pode vencer uma infância pobre e comum, qualquer uma pode emagrecer e ser feliz e bela, desde que, é claro seja perseverante. Até porque, nos anos 1950, a beleza já era encarada como algo que se conquista por meio de um trabalho individual, cotidiano e árduo, diz Sant’Anna68.
56 Vivien Leigh, Suzan Ball, Anne Baxter, Joan Crawford, Joan Fontaine, Rosalind Russel povoavam as páginas do Anuário das Senhoras durante a década de 1950, e inspiraram muitas das leitoras brasileiras ao contribuírem com suas formas de agir nas mais diversas circunstâncias da vida. Mesmo que retratadas em seus cotidianos – resfriadas, de pijama, comendo, exercitando-se, casando- se – sempre aparecem como vencedoras, como persistentes. E entre tantos modelos desejados, manter a linha se destaca. Não há um só número dos nove Anuários analisados que não se tenha pelo menos um artigo sobre dieta, sobre exercícios ou cultura física.
57 A importância de conhecer seu próprio corpo aparece com frequência, reconhecer-se acima do peso ou sem resistência física é condição primeira para o início do caminho do sucesso. Será que às vésperas da liberação que espera as mulheres nos anos 1960, cuidar de si procurando fazer as pazes com a balança não ia além do que somente alcançar um corpo delgado? Será que a prática de exercícios físicos se reduz ainda apenas a afinar a cintura e conseguir um porte elegante ou tem um significado maior? A beleza, a elegância, o porte, eram somente promessas ou conquistas individuais?
Bibliographie
Referências Bibliográficas
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Fontes
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Anuário das Senhoras, Ano XXV, Rio de Janeiro, 1958.
Notes de bas de page
1 Um artigo do jornal O Globo nos conta que a Dieta dos Vigilantes do Peso foi criada em 1961 por uma dona de casa norte-americana que aos 37 anos ficou sem graça quando lhe perguntaram se ela estava grávida, mas ela estava somente acima do peso. Sua ideia foi criar um regime sem remédios à base de frutas e legumes e que fosse algo compartilhado em grupo. Foi o que fez, convidou amigas que tiveram sucesso em emagrecer e assim o negócio passou a fazer sucesso. [em linha: https://acervo.oglobo.globo.com/fatos-historicos/surgem-nos-eua-os-vigilantes-do-peso-10005776, acedido a: 01 – 10 – 2018].
2 A dieta volumétrica é um plano de emagrecimento da nutricionista americana Bárbara Rolls de 12 semanas que traz formas de vida mais saudável, com orientações de regimes e exercícios. Para mais informações: B. Rolls, R. Barnett, A dieta volumétrica: perca peso comendo mais, São Paulo: Best Seller, 2011.
3 Jenny Craig e seu marido Sidney Craig criaram uma dieta em 1983 para perda de peso progressivo e eficaz. É uma espécie de reeducação alimentar paga e supervisionada por um especialista. É unicamente oferecida nos Estados Unidos.
4 A Dieta Vegana (é mais um movimento do que uma dieta), exclui carnes e quaisquer outros alimentos de origem animal. Foi criada em 1944 pelo britânico Donald Watson. Segundo uma notícia do BBC News Brasil, a Sociedade Vegana Brasileira tem um selo para certificar e valorizar o mercado vegano. [em linha: https://www.bbc.com/portuguese/geral-37617223, acedido a: 01 – 10 – 2018].
5 A Dieta Flexitariana foi criada pela nutróloga norte-americana Dawn Jackson Blatter, e prioriza a ingestão de vegetais, mas sem excluir totalmente a carne. É uma dieta mais flexível que promete ser mais saudável, prevenir doenças como a diabete e prolongar com qualidade a vida de quem a segue. Para maiores detalhes ver o livro de D. J. Blatner, The flexitarian diet: the mostly vegetarian way to lose weight, be healthier, prevent disease, and add years to your lif, New York: Mcgraw-Hill, 2010.
6 Veja online, 12 janeiro 2018. [em linha: https://veja.abril.com.br/saude/conheca-as-melhores-dietas-para-emagrecer-em-2018, acedido a 23 – 09 – 2018].
7 Jesús Contreras, “A modernidade alimentar: entre a superabundância e a insegurança alimentar”, Revista Questões & Debates, n.º 54, Curitiba, 2011, pp. 19-45.
8 Georges Vigarello, História da beleza: o corpo e a arte de se embelezar, do Renascimento aos dias de hoje, Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 163.
9 O Palácio do Catete está situado no Bairro do Catete no Rio de Janeiro e foi construído no século XIX pelo cafeicultor Antonio Clemente Pinto, Barão de Nova Friburgo para ser residência de sua família e era conhecido como Palácio de Nova Friburgo. Somente em 1897, passados alguns anos de Proclamação da República é que se tornou sede do Governo Federal e assim o foi até 21 de abril de 1960, quando da inauguração de Brasília.
10 Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling, Brasil: uma biografia, São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 400.
11 Idem, p. 415.
12 Idem, p. 415.
13 Carla B. Pinski, Mulheres dos anos dourados, São Paulo: Contexto, 2014.
14 Maria Cecilia B. A. Pilla, “Mente são em corpo são: exercícios, alimentos e saúde nas páginas do Anuário das Senhoras durante o Estado Novo Brasileiro (1937-1945)”, Revista Portuguesa de História, Coimbra, n. 47, 2016, pp. 382-383, [em linha: https://digitalis.uc.pt/pt-pt/artigo/mente_s%C3%A3_em_corpo_s%C3%A3o_exerc%C3%ADcios_alimento_e_sa%C3%BAde_nas_p%C3%A1ginas_do_anu%C3%A1rio_das_senhoras_durante, acedido a 06 – 10 - 2018].
15 Felipe Fernández-Armesto, Comida: uma história, Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 66.
16 Louise Foxcroft, A tirania das dietas: dois mil anos de luta contra o peso, São Paulo: Três Estrelas, 2013, pp. 93-99. Em recente artigo do The Irish Times, (um jornal diário irlandês publicado desde 1859), de início de novembro de 2018, denominado “Weight-loss remedies: Obesity soap, laxative water and fat massag” menciona que a princesa Mary de Cambrigde (neta do rei Jorge III da Inglaterra) teria seguido sua dieta, e abstendo-se de pão, batatas e leite, estava bem mais magra, [em linha: https://www.irishtimes.com/life-and-style/health-family/weight-loss-remedies-obesity-soap-laxative-water-and-fat-massage-1.3668062, acedido a 20 – 11 – 2018].
17 Louise Foxcroft A tirania das dietas ..., p. 101.
18 Título original: Food for the fat: a Treatise on Corpulency with dietary for its cure.
19 Uma reportagem da CNN, fala que um dos principais pacientes do Dr. Davies, foi nada menos que o político mais gordo a chegar à Casa Branca, o norte-americano William Howard Taft, que pesava no início de seu mandato cerca de 142kg. Talvez para não parecer idiota, como defendia Davies ao se referir àqueles que estavam bem acima de um peso ideal, Taft procurou este médico para uma dieta para resolver, em princípio seus problemas de indigestão e azia, até porque considerava que nenhum cavalheiro podia pesar mais do que 130kg. Durante 10 anos os dois trocaram correspondências, e nesse tempo o presidente teria perdido cerca de 27kg. Alexandra Sifferlin, “The President Taft diet: Learning from America's heaviest leaders”, 15 de outubro de 2013. [em linha: https://edition.cnn.com/2013/10/15/health/president-taft-diet-time/index.html.], acedido a 20 – 11 – 2018].
20 Mary del Priore, Histórias e conversas de mulher: amor, sexo, casamento e trabalho em mais de 200 anos de história, São Paulo: Planeta do Brasil, 2014, p. 214.
21 Louise Foxcroft A tirania das dietas...., p. 136.
22 Mary del Priore, Histórias e conversas …, pp. 216-218.
23 Maria Cecilia B. A. Pilla, “Dominando a própria carne: gula, temperança e boas maneiras à mesa nos manuais de civilidade (séculos XVI-XX)", Diálogos, v. 22, n. 1, Maringá, 2018, pp. 218-228.
24 Georges Vigarello, Les metamorfoses du gras, Histoire de l’obesité, Paris : Seuil, 2010, p. 152.
25 Louise Foxcroft A tirania das dietas…, p. 174.
26 Idem, p. 175.
27 Todas as matérias utilizadas para esse estudo não tinham identificados seus autores, com exceção de uma delas que foi assinada por uma mulher em edição do Anuário de 1958. O caso é grande parte das seções, artigos, pequenos conselhos, e outros escritos encontrados nesse periódico não costumavam ter identificação de autoria. Escolheu-se então chamar sempre de “o autor”, sem definição de gênero.
28 Anuário das Senhoras, Ano XXI, Rio de Janeiro, 1954, p. 8.
29 Idem, p. 8.
30 Anuário das Senhoras, Ano XXIV, Rio de Janeiro, 1957, p. 188.
31 Idem, p. 188.
32 Anuário das Senhoras, Ano XXI, Rio de Janeiro, 1954, p. 146.
33 Certamente o autor se referia à bailarina russa que se destacou por sua técnica e grande disciplina. Oportuno citar que foi em sua homenagem que o chef francês Auguste Escoffier criou uma deliciosa sobremesa feita de merengue assado, recheado ou coberto de chantilly e frutas frescas à preferência de quem vai experimentar, e que seja que com parcimônia, pelo menos é o que imaginamos que tenha feito a bailarina.
34 Provavelmente aí o autor se refere à soprano escocesa que foi chamada de a “Sarah Bernard” da ópera no início do século XX. Retirou-se dos palcos em 1934 com 60 anos de idade.
35 Interessante é que o mesmo artigo foi novamente publicado no anuário de 1956.
36 Anuário das Senhoras, Ano XIX, Rio de Janeiro, 1952, p. 172.
37 Denise Bernuzzi de Sant’Anna, “Sempre Bela”, Nova história das mulheres no Brasil, organização de Carla Bassanezi Pinsky e Joana Maria Pedro, São Paulo: Contexto, 2012, p. 114.
38 Modelos de beleza e elegância em corpos considerados à época como arredondados, Ava Gardner (1,68m e 54kg) e Jane Russel (1,65 e 55kg), assim como Marilyn Monroe (1,65m e 54kg) atenderam quase sempre ao princípio da proporção entre as medidas de altura e peso, ou seja, ter dez quilos a menos do que sua altura. Seus Índices de Massa Corporal (IMC) beiravam os 20 pontos, ou seja, eram consideradas normais tanto para a época como atualmente. Martha Rocha, a primeira Miss Brasil e Vice-Miss universo 1954, tinha 1,70m e 57kg; Terezinha Morango, Miss Brasil em 1957 e Vice-Miss Universo, tinha 1,67m e 59kg; Adalgiza Colombo que foi Miss Brasil em 1958 e Vice-Miss Universo, tinha 1,69m e 59,5kg.
39 Peter Kerr, Gayelord Hauser, 89, author: proponent of natural foods, The New York Times, Archives, 1984. Obituary, 29 dec.1984. (Version print, p.1001026 of the National edition, 29 dec. 1984). [em linha: https://www.nytimes.com/1984/12/29/obituaries/gayelord-hauser-89-author-proponent-of-natural-foods.html, acedido a: 23 – 09 - 2018].
40 Louise Foxcroft, A tirania das dietas…, p. 199.
41 Anuário das Senhoras, Ano XVIII, Rio de Janeiro, 1951, p. 98-99.
42 O caldo à base de potássio do Dr. Hauser era feito com: 1 apanhado de aipo; 1 apanhado de cenouras; 1 punhado de espinafre; 1 pitada de salsa; 1 colher das de chá de sal ou 1 colher das de sopa de bouillon sem calde de carne. (Anuário das Senhoras, ano XVIII, 1951, p. 99). Como pode se ver a receita é bastante vaga em medidas, mas bem precisa em ingredientes que sabidamente têm pouquíssima caloria, resultando em um caldo leve que pode ser ingerido a qualquer tempo e quantidade.
43 Anuário das Senhoras, Ano XXIII, Rio de Janeiro, 1956, p. 190.
44 Anuário das Senhoras, Ano XX, Rio de Janeiro, 1953, p. 251.
45 Anuário das Senhoras, Ano XXI, Rio de Janeiro, 1954, p. 146.
46 Idem, p. 90-91.
47 Georges Vigarello, História da beleza ..., p. 153.
48 Anuário das Senhoras, Ano XXI, Rio de Janeiro, 1954, p. 146.
49 Anuário das Senhoras, Ano XVII, Rio de Janeiro, 1950, p. 210-211.
50 Idem, p. 211.
51 Anuário das Senhoras, Ano XXI, Rio de Janeiro, 1954, p. 130.
52 Idem, p. 232.
53 Anuário das Senhoras, Ano XXIV, Rio de Janeiro, 1957, p. 142.
54 Anuário das Senhoras, Ano XXIV, Rio de Janeiro, 1957, p. 94.
55 Um fato curioso, a mesma matéria, idêntica, se repete mais à frente na página 216. Seria para confirmar a ideia de que só envelhece precocemente quem quer?
56 Anuário das Senhoras, Ano XX, Rio de Janeiro, 1953, p. 215.
57 Georges Vigarello, História da beleza ..., p. 162.
58 Anuário das Senhoras, Ano XX, Rio de Janeiro, 1953, p. 218-219.
59 Anuário das Senhoras, Ano XVII, Rio de Janeiro, 1950, p. 30.
60 Anuário das Senhoras, Ano XVIII, Rio de Janeiro, 1951, p. 187.
61 Anuário das Senhoras, Ano XXIV, Rio de Janeiro, 1957, p. 156.
62 Anuário das Senhoras, Ano XXV, Rio de Janeiro, 1958, p. 175-179.
63 Ann Delafield nasceu na Grã-Bretanha e veio para os Estados Unidos no início dos anos 1920, destacando-se desde o início por ser atriz de companhias de teatro. Sem muito sucesso nessa área, passou a trabalhar na empresa de cosméticos Elizabeth Arden nos anos 1930 em Nova York. Nos anos 1940 começou a dedicar-se a desenvolvimento pessoal, quando passou a dizer, provavelmente para dar autoridade aos seus conselhos, que tinha formação em ciências biológicas, fisioterapia e nutrição. [em linha: https://cosmeticsandskin.com/companies/ann-delafield.php, acedido a 01 – 10 – 2018].
64 Anuário das Senhoras, Ano XXV, Rio de Janeiro, 1958, p. 175-179.
65 Anuário das Senhoras, Ano XVIII, Rio de Janeiro, 1951, p. 266-269.
66 Gérard Vincent, “O corpo e o enigma sexual”, História da vida privada: Da primeira guerra a nossos dias, organizado por Antoine Prost e Gérard Vincent, tradução de Denise Bottmann, São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 308.
67 Georges Vigarello, História da beleza ..., p. 163.
68 Denise Bernuzzi de Sant’Anna, “Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história do corpo no Brasil”, Denise Bernuzzi de Sant’Anna (org.), Políticas do corpo: elementos para uma história das práticas corporais, São Paulo: Estação Liberdade, 1995, p. 126.
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