1Uma área que cobre cerca de um terço do território continental apresenta um elenco de museus que não chega a uma centena de unidades. E neste número estamos apenas a utilizar o critério da designação, sem outras exigências que decerto reduziriam drasticamente o nosso universo de análise. Na verdade, a ser aplicada uma grelha de observação fundamentada na moderna teoria museológica consignada na Lei-Quadro dos Museus (47/2004, 19 de Agosto), o número de museus alentejanos poderia ser facilmente contabilizado pelos dedos das mãos. Ou seja, somente aqueles que cumprissem todas as funções museológicas (estudo e investigação, incorporação, inventário e documentação, conservação, segurança, interpretação e exposição, educação), além de disporem de recursos humanos e financeiros e de espaços e equipamentos adequados.

2Dois dados ilustram bem esta realidade: o único museu a sul do Tejo tutelado pela Administração Central, através da Direcção Regional de Cultura do Alentejo, é o de Évora. Por outro lado, o número de instituições aderentes à Rede Portuguesa de Museus (RPM) alcança no Alentejo uma cifra muito tímida: Museu de Évora, Museu Municipal de Aljustrel, Museu de Mértola (com os seus celebrados oito núcleos), Museu Municipal de Santiago do Cacém, Museu Biblioteca da Casa de Bragança, em Vila Viçosa (com riquíssimo acervo distribuído por diversas colecções e espaços), Museu da Aldeia da Luz, no Concelho de Mourão, Museu Municipal de Estremoz, Museu Regional de Beja e Museu Municipal de Ferreira do Alentejo. Os três últimos foram, aliás, credenciados apenas em 2010, após a institucionalização do Conselho Nacional de Cultura (Secção dos Museus e da Conservação), órgão que permitiu concluir legalmente um processo que se arrastava havia já vários anos. A estas escassas nove unidades museológicas se resume pois a quantidade de casos bem-sucedidos de adesão voluntária a esta Rede – agora com quase centena e meia de unidades museológicas reconhecidas em todo o país – a qual tem representado um dos mais eficazes instrumentos de qualificação da política museológica nacional. Já no ano de 2014, foi credenciado pela RPM o Museu Militar de Elvas.

Museu Biblioteca da Casa de Bragança, Vila Viçosa

3A reabertura, em 2010, do processo de credenciação, conjugada com a inauguração de novas e promissoras unidades museológicas, bem como a iniciativa em marcha de se constituir redes museais locais e regionais, tem proporcionado a inversão desta tendência. Na realidade, o parco número de museus no Alentejo pode até nem traduzir uma real desvantagem, numa altura em que são visíveis na Região os sinais de um novo ciclo de realizações culturais, patrimoniais e museológicas, de par com o crescimento do turismo cultural. Fenómeno que nem a recessão financeira verificada após 2008 conseguiu verdadeiramente estancar, mas tão só abrandar o ritmo de realização dos projectos.

4A um período histórico subsequente à explosão museal de cariz prevalentemente municipalista dos alvores da Democracia, marcado pela afirmação urgente dos mecanismos identitários das comunidades locais – históricos, arqueológicos e etnográficos -, parece suceder agora um tempo mais empenhado na qualidade dos equipamentos, na formação adequada dos recursos humanos, na eficácia de serviços a prestar aos novos públicos e na invenção de apelativas e surpreendentes tipologias de objectos e de espaços. Julga-se, por isso, mais interessante identificar aqui alguns dos traços dessa mudança, de preferência a enunciar uma lista exaustiva de museus a visitar.

Musca. Museu do Campo Alentejano, Avis

5A água é, paradoxalmente, o elemento comum a duas iniciativas surgidas nos últimos anos no Alentejo raiano: o Museu da Aldeia da Luz, de 2003, tutelado pela EDIA,SA e o Fluviário de Mora, inaugurado em 2007, de responsabilidade autárquica. O primeiro foi construído numa aldeia ‘clonada’ a partir da original, submersa pelo enchimento da Barragem do Alqueva. É, a todos os títulos, um Museu excepcional. Tanto pela vocação cumprida de salvaguarda de memórias comunitárias, como pelo equilíbrio do projecto arquitectónico, de Pedro Pacheco e Marie Clément, merecidamente premiado. O desenho e funcionalidade dos espaços respeitou a programação museológica que para eles ideou o etnólogo Benjamim Pereira. Merece bem uma visita demorada, guiada pelos seus jovens profissionais de recente, mas sólida, formação.

Museu da Aldeia da Luz, Mourão

6No Concelho de Mora, o Fluviário foi inaugurado em 2007, e constitui o equipamento central do Parque Ecológico do Gameiro, em Cabeção. Trata-se de uma tipologia museal de rara originalidade, até em contexto europeu, assumindo como missão proporcionar ao visitante “uma viagem ao longo do curso de um rio – um paradigma de rio ibérico – da nascente à foz.” Utilizando processos pedagógicos eficazes, a partir da apresentação de habitats vivos, de flora e fauna, e do recurso às novas tecnologias da informação, tem logrado um surpreendente afluxo de público, atraindo investimentos turísticos e a colaboração da Universidade de Évora. Deve ser lido como um caso típico de projecto âncora, fundado numa estrutura museológica, simultaneamente lúdica, educativa e de labor científico, ao serviço do desenvolvimento local. Traço comum com a Aldeia da Luz, a excelência da morfologia arquitectónica, nomeada para prémios internacionais.

7No distrito de Portalegre, a vila fronteiriça de Arronches não dispunha, até há uma década, de nenhuma iniciativa museológica digna de registo. Mas valeu a pena esperar – na lógica que aqui temos defendido da prevalência da qualidade criteriosa nos equipamentos culturais – pela inauguração, em 2002, do Museu de (a) Brincar. Instalou-se no antigo espaço da Fortaleza, dedicado ao brinquedo e às brincadeiras, servido por um discurso expositivo que fixa vivências infantis de outros tempos e de outras mentalidades, contextualizadas com objectos inventivos. O Museu oferece ainda aos meninos das escolas um espaço lúdico e uma biblioteca infantil, recreando e estimulando brincadeiras. No ano de 2006, viu reconhecidos os seus méritos ao ver-se escolhido pelo European Museum Forum para o Prémio do Melhor Museu Europeu.

8Ainda no mesmo distrito do Norte Alentejano podem ser testemunhadas outras boas práticas museológicas. Na verdade, parece-nos exemplar a estratégia lucidamente delineada pelo município de Castelo de Vide, em produtiva colaboração com a Região de Turismo de S. Mamede. Resistindo durante anos ao impulso de abrir museus sem condições de funcionamento condignas, preferiu antes trilhar um caminho menos visível, mas seguramente mais eficaz e duradouro. Dando razão ao conhecido axioma museológico de que ‘mais vale uma boa colecção do que um mau museu’, tem vindo a reunir, inventariar, estudar e conservar bens culturais móveis e imóveis. Criou condições de comunicação com os públicos, chamando especialistas que têm ajudado a produzir materiais de divulgação e de interpretação (sinalização, identificação, guias e roteiros). Deste labor, criterioso e competente, surgiu uma estrutura museológica polinucleada, aglutinando diversos ‘patrimónios’ e diversas ‘tutelas’, no âmbito de um autêntico projecto cultural. Merecem atenta visita os núcleos entretanto inaugurados: o Centro de Interpretação do Megalitismo, o Núcleo Museológico do Sagrado e do Profano, o Núcleo Museológico de História e Arquitectura Militares, e a Casa da Sinagoga.

9A arqueologia industrial dispõe actualmente na Região de duas estruturas, uma mineira e outra fabril (até há pouco tempo ainda em laboração), com programas de recuperação patrimonial que contemplam projectos de musealização de espaços e de objectos. No Concelho de Grândola, a antiga mina de pirites viu nascer no seu interior o Museu Mineiro do Lousal, um centro de interpretação concebido em 2001, com o apoio da APAI (Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial). Apesar de não ter desenvolvido, desde essa data, visíveis actividades de gestão e de valorização do património industrial e mineiro remanescente (edificações, arquivo, colecção geológica e maquinarias) que permitissem consolidar o projecto museológico, permanece todavia como uma iniciativa pioneira no contexto alentejano. Por outro lado, se realizada a segunda fase de intervenção, protagonizada pelo município e pela Fundação belga ligada aos últimos proprietários, ela poderá proporcionar a prazo um polo de atracção turística ancorado numa museografia esteticamente atractiva e na salvaguarda da memória e do espírito do lugar mineiro.

10A Fábrica de Cortiça Robinson, em Portalegre, apresenta uma problemática patrimonial muito complexa, com discussão de programas arquitectónico e museal em parte já concretizados. A prevista musealização de alguns dos seus testemunhos tecnológicos, bem como a recuperação patrimonial da vizinha Igreja de S. Francisco, pode vir a constituir-se em eixo estruturante de uma ansiada rede museológica para a cidade, alargada ao Museu Municipal (com obras de reprogramação já concluídas), ao Museu da Tapeçaria Guy Fino e à Casa-Museu de José Régio.

11Não haverá, todavia, de surpreender que o núcleo mais estimulante dos ‘museus de influência’ deste novo ciclo cultural verificado no Alentejo, durante a última década, provenha do mundo da Arte Contemporânea. São sobejamente conhecidos e estudados, por toda a Europa, os efeitos dinamizadores que estes equipamentos transmitem à competitividade urbana, regenerando tecidos sociais e económicos frágeis, atraindo o universo empreendedor e profissional da criação artística, abrindo portas à modernidade, real ou simbólica, até em áreas geográfica e culturalmente periféricas. As iniciativas estremenhas da Província de Badajoz, com o MEIAC (Museo Estremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo) e, na Província de Cáceres, o Museo Wolf Vostell, em Malpartida, têm desempenhado um papel de referência, sempre invocado nos programas museológicos do lado de cá da fronteira.

12Referência obrigatória a dois casos emblemáticos de museus e centros expositivos de recentíssima existência. Com programação museológica de Maria de Jesus Ávila e projecto arquitectónico de Pedro Reis, a Câmara Municipal inaugurou no Verão de 2007 o Museu de Arte Contemporânea de Elvas, a partir da instalação no antigo Hospital da Misericórdia da Colecção de António Cachola, em contrato temporário de depósito a treze anos. Com curadoria inicial do reconhecido especialista João Pinharanda, o acervo dispõe de cerca de trezentas obras de quarenta artistas plásticos nacionais (pintura, escultura, instalações e fotografia), cronologicamente situadas dos anos sessenta aos nossos dias. Este novel museu fronteiriço constitui uma das apostas mais conseguidas do actual ciclo cultural alentejano, apesar das naturais dificuldades em fidelizar novos públicos. Oferece todavia uma valia acrescida à abundante herança patrimonial da cidade, que viu recentemente reconhecido o seu processo de candidatura a património mundial pela Unesco.

13A Fundação Eugénio de Almeida, a partir da abertura do seu Fórum – um espaço polivalente no centro urbano antigo de Évora – tem vindo a protagonizar uma política consistente de exposições temporárias de Arte Contemporânea (Picasso, Bracque, H. Cartier-Bresson, Dali, Calder, Marcel Duchamp, etc.). As mostras têm ali servido de pretexto para a captação e fixação de novos públicos, já que se disponibilizam simultaneamente visitas guiadas, programas pedagógicos com as escolas, ciclo de conferências e cursos de arte. A ligação privilegiada que a Fundação mantém no âmbito do movimento associativo de Fundações, nacionais e internacionais, tem alimentado uma agenda cultural de rara ambição e indiscutível qualidade, encontrando-se actualmente em processo de conclusão as obras de reconversão do Palácio da Inquisição como Centro de Exposições.

14Pelo que deixamos analisado, cremos ser fundada a ideia de que se tem assistido desde o virar do século a uma profunda renovação do tecido museológico alentejano, muito por mérito da nossa administração local, mas contando igualmente com o empenho da Igreja Católica e de Fundações, públicas e privadas. Ou seja por remodelação e valorização de antigos museus, entretanto envelhecidos nos seus edifícios e processos expositivos, seja por obra nova verificada muito particularmente na primeira década do século, os museus e centros expositivos da Região parecem acompanhar o movimento nacional de qualificação cujos marcos doutrinários, legais e institucionais continuam a ser a importante Lei-Quadro de 2004 e a meritória actividade da Rede Portuguesa de Museus. Há ainda que sublinhar, neste movimento, o decisivo papel das políticas públicas protagonizadas quer pela Universidade de Évora – através da formação qualificada de técnicos nas áreas críticas do património cultural, da museologia e do turismo -, quer pelo Turismo do Alentejo no cumprimento dos compromissos definidos em 2007 pelo Plano Estratégico Nacional de Turismo. A pertinente edição de um utilíssimo Guia dos museus do Alentejo (2010) deve assim ser entendida na lúcida percepção de que o património cultural constitui um dos motores mais poderosos e sustentáveis da economia nacional.

Uma proposta de roteiro

15Museus | núcleos museológicos
centros expositivos | colecções visitáveis

16Museu da Direcção Regional de Cultura do Alentejo (Secretaria de Estado da Cultura):
Museu de Évora

17Museu da Administração Central:
Museu Botânico, Escola Superior Agrária de Beja

18Museus da Administração Local:
Museu de Mértola
Museu de Moura
Museu de Serpa
Museu de Aljustrel
Museu da Vidigueira
Museu de Santiago do Cacém
Museu de Portalegre
Museu de Estremoz
Museu de Avis
Museu da Escrita do Sudoeste, Almodôvar
Museu do Artesanato e do Design de Évora
Museu de (a) Brincar, Arronches
Museu Regional do Vinho, Redondo
Fluviário de Mora
Museu de Arte Contemporânea de Elvas/ Colecção António Cachola
Museu Regional de Beja
Museu Mineiro do Lousal, Grândola
Museu da Tapeçaria Guy Fino, Portalegre
Casa-Museu de José Régio, Portalegre
Sinagoga de Castelo de Vide
Região de Turismo de S. Mamede
Centro de Interpretação do Megalitismo, Castelo de Vide
Núcleo Museológico de História e Arquitectura Militares, Castelo de Vide

Núcleo Museológico da Rua do Sembrano, Beja

19Museus da Igreja Católica:
Museu de Arte Sacra de Évora
Museu Episcopal de Beja
Igrejas do Distrito de Beja com núcleos museológicos (Grândola, Castro Verde; Moura, Cuba, Sines, Santiago do Cacém)

20Museus de Empresa:
Museu da Aldeia da Luz, Mourão
Museu do Café, Campo Maior

21Museus e Centros Expositivos de Fundações:
Museu Biblioteca da Casa de Bragança, Vila Viçosa
Fórum Eugénio de Almeida, Évora

22Colecções Visitáveis:
Museu do Chocalho, (Alcáçovas, Viana do Alentejo)
Museu do Relógio (Serpa e Évora)
Casa da Balança (Évora)
Insectozoo. Museu de Insectos Sociáveis (Vila Ruiva, Cuba)