100 Cartas para Paulo Freire de quienes pretendemos Enseñar
|3. Reflexiones y educación
Educação, Democracia e Conhecimento: notas para pensar a sociedade moderna a partir de Paulo Freire
Texte intégral
1A busca para pensar um sentido para a prática educacional no Brasil no adentrar do século XXI nos exige uma retomada do pensamento de Paulo Freire. Este entendimento pode ser pensado sob múltiplos aspectos, mas, fundamentalmente nos interessa porque Freire tem um modo único e singular de expressar uma ruptura no pensamento pedagógico brasileiro o qual merece ser investigado. Ela aparece, segundo Moacir Gadotti (2005), no reconhecimento de que Freire coloca a educação em uma relação com o problema da política e da sociedade. A afirmação ganha sentido, também, quando percebemos que Paulo Freire é um dos educadores brasileiros mais estudados no mundo, sendo o livro Pedagogia do Oprimido (Freire, 2001) uma das obras traduzidas para diversos países. Mas porque Freire tornou-se mundialmente conhecido? Qual a natureza de sua produção? Por que ela nos interessa para pensar e entender o Brasil e para pensar e compreender o mundo?
2Uma resposta inicial e prévia talvez seja a de que Paulo Freire tornou-se uma voz que representa um modo de autocompreensão de nosso mundo moderno pelo viés da educação. Sua forma de participar da história articulou um modo de entendimento que guarda suas raízes nas matrizes iluministas e na Revolução Francesa, exigindo por parte de quem o lê e o interpreta, um reconhecimento de que há leituras anteriores e pressupostos fundamentais que ele espera dar continuidade em suas obras. Uma das questões aparece expressa na ideia de Utopia da Liberdade e seu vínculo com o conhecimento, a consciência e a Educação. Mas, este fundo iluminista, crítico e humanista, em geral, nunca esteve separado, da distância percebida por Freire, entre o projeto do idealismo moderno e as realidades vividas no Brasil. Se considerarmos que as democracias modernas colocaram como condição a emergência de um povo emancipado para conduzir e construir uma sociedade emancipada, fica visível o contraste que marcara a sociedade brasileira com sua multidão de sujeitos analfabetos e destituídos de direitos em pleno século XX. Este tipo de análise coloca a abordagem de Freire em um tipo de abordagem crítica e sócio-histórica, com aproximações à perspectiva da dialética de Karl Marx (Pererira & Oliveira, 2010), e isso representa uma crítica ao próprio sentido que o iluminismo assumiu e aos seus limites. Para Gadotti (2005, p. 7) “Freire postulou a educação como ato dialógico libertador, tendo como fontes o humanismo e uma dialética marxista em que a subjetividade é condição da transformação social”.
3Esta aposta freireana em torno de uma perspectiva dialética, da filosofia da práxis, que nos orienta em torno do conhecimento e da educação, assume uma feição de múltiplas pedagogias que com ele dialogam. Em parte, elas assumem Freire como um teórico da cultura, da linguagem e da consciência, que coloca questões referentes ao problema da divisão da sociedade em classes sociais. Esta leitura, bastante orientada pelo campo marxista, torna Freire um autor que defende uma luta por humanização e por um sentido de democracia, que não desconheça a desigualdade estrutural como uma marca das sociedades capitalistas. Freire sabe, e quer evidenciar isto, que é preciso compreender as relações entre economia, política, cultura e linguagem. Nesta última residem as formas tradicionais de dominação e de resistência. Escreveu ele que: “Uma das tarefas nossas como educador é esta: é decifrar o mundo opressor para o oprimido; por isso que esse trabalho é político” (Freire, 2014, p. 57). Por isso, insistiu, em sua obra Pedagogia do Oprimido (2001), no fato de que na linguagem de cada um de nós habitam nossos conceitos limites (representações) em relação ao mundo. Freire evidenciou assim, que o mundo social vive estruturado em linguagem. A crítica da linguagem, ou como ele expressou, a crítica das ideologias, torna-se muito importante, porque nelas residem a forma de cristalização de um conjunto de relações de poder que circunscrevem uma determinada sociedade. De modo particular esta compreensão freireana esteve presente na Política Educacional que foi construída no Estado do Rio Grande do Sul, na gestão do Governador Olívio Dutra nos períodos de 1998 a 2002. Ela ajudou-nos a reformular o sentido da educação na escola pública, inserindo a proposta da educação popular no âmbito da escola pública. A obra Educação Popular e Pensamento Complexo na Escola Pública (Silva, 2019) recupera os marcos centrais deste movimento no Brasil e investiga o legado de Paulo Freire no âmbito do movimento da Constituinte Escolar, bem como da reestruturação curricular, e na dinâmica de reconstrução dos saberes dos docentes que atuaram com a Educação de Jovens e Adultos.
4Em suma, Freire, como pensador brasileiro, que viveu em pleno século XX, é um pensador humanista, que como herdeiro das tradições semitas e gregas (Cintra, 1998), aposta na capacidade autocrítica do humano, e de sua capacidade recriadora de mundo para alçar voos em direção à liberdade, bem como promover a transformação social, em busca de mais justiça social, igualdade e liberdade. Paulo Freire tornou-se uma referência para pensar a emancipação no Brasil, ajudando a construir um sentido para a educação em um âmbito democrático. Para tanto, tentou mostrar que nunca estamos fora da história e, que portanto, toda nossa ação, é fundamentalmente, marcada por um modo de participação que pode ser de omissão ou de compromisso com àqueles marginalizados e excluídos dos processos sociais hegemônicos. Talvez esta articulação tão forte e profunda com os desvalidos da história tenha rendido a Freire um lugar tão especial no mundo moderno. Assim, como tem sido tão fortemente combatido e criticado, ele também tem sido considerado alguém que deu voz e vez a uma multidão de sujeitos sociais que tem se tornado objetos da história do mundo. Neste sentido, Freire tem uma mensagem forte para afirmar no Século XXI, e ela se refere ao problema da Democracia (Política), especificamente em torno de seu vínculo com a Emancipação (do Sujeito e da Liberdade Humana), e também com o problema da Diferença (do Outro, da Alteridade, da Cultura, da Ética) (Freire, 2014). Problema que não pode ser pensado fora, ou de forma independente, dos marcos de uma sociedade globalizada fortemente dominada pelos pressupostos do capitalismo e do mercado financeiro. A mensagem de Freire, endereça a todos nós um compromisso ético, com o planeta, a humanidade, os excluídos, nos desafiando a permanentemente levantar perguntas e interrogar nosso tempo acerca do que lhe constitui. Em um tempo de crescentes autoritarismos, a pedagogia da práxis de Freire, é não só um modo de autocompreensão e de resistência, como também um legado de ação, esperança e de aposta no futuro.
Referências
Bibliographie
Cintra, B. E. L. (1998). Paulo Freire entre o grego e o semita: Educação: filosofia e comunhão. Porto Alegre: EDIPUCRS.
Freire, P. (2001). Pedagogia do Oprimido. (30. ed.) São Paulo: Editora Paz e Terra.
Freire, P. (2014). Pedagogia da Tolerância. 3. ed. São Paulo: Editora Paz e Terra.
Gadotti, M. (2005). O Plantador do Futuro. In: PINTO, M. C. & GADOTTI, M. Coleção memória da pedagogia, n. 4: Paulo Freire: a utopia do saber. Rio de Janeiro: Ediouro: São Paulo: Segmento Duetto.
Pereira, D. A. y Oliveira, A. R. (2010). Marx, Freire e a Escola Pública. Oliveira, A. Ghiggi, G. y Oliveira, N. A. Caleidoscópio: temas de educação e filosofia. Pelotas: Editora e Gráfica/UFPEL.
Silva, S. P. (2019). Educação Popular e Pensamento Complexo na Escola Pública: os saberes docentes em reconstrução na EJA. Curitiba: Editora Appris.
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