Educação para a cidadania e para a transformação social
p. 193-196
Texte intégral
1Caro Mestre Paulo Freire,
2Há muito tempo temos sentido uma vontade enorme de dialogar com o Senhor. Desde que conhecemos os seus escritos, ainda como estudantes do curso de Pedagogia na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), onde fomos pesquisadoras bolsistas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em nossos estudos, passamos a tê-lo como uma referência para nossa vida de futuras educadoras. Lembramo-nos que suas obras Professora sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinar, Pedagogia do Oprimido e Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa foram fontes de inspiração para a pesquisa que desenvolvemos junto ao professorado em formação sobre formação e profissionalização docente e para os nossos primeiros artigos científicos. Desde então, os seus ensinamentos acompanham a nossa trajetória docente e alicerçam nossa práxis pedagógica, principalmente, quando nos deparamos com situações vividas que mobilizam nosso pensamento sobre os conceitos de educação dialógica, círculo de cultura, conhecimento de mundo, educação problematizadora, libertadora e consciência crítica, dentre outros. Não é à toa que o senhor é o Patrono da Educação Brasileira, desde 2012, por meio da Lei 12.612 numa conjuntura política de um governo de cunho progressista. Não temos dúvida que o Senhor ficaria feliz em vivenciar a notícia que o filho de um porteiro, pedreiro e doméstica pode ser médico, advogado ou qualquer outra profissão, se assim desejar, porque as universidades passaram a adotar políticas de inclusão social.
3Então, é impossível não lembrar que com a obra Pedagogia do Oprimido o senhor lançou o olhar para os marginalizados, os excluídos, enxergandoos como sujeitos sociais construtores/transformadores da sua própria realidade e, nesse processo, a educação assume o sentido de uma práxis libertadora de toda opressão que limita o poder de ação dos sujeitos. Fato tão verdadeiro que o MST o adota como pensamento fundante do movimento!
4 No entanto, no ano de 2018, o processo eleitoral brasileiro elegeu um presidente da república de extrema direita, um movimento que vinha acontecendo em outros países, como nos Estados Unidos da América e que, certamente, influenciou as forças políticas que seguem essa linha no Brasil.
5E para agravar mais ainda a situação política do país, desde março de 2020, temos vivido tempos difíceis, por aqui, e pensamos: com certeza nosso mestre Freire não iria se omitir e expressaria sua indignação diante do acirramento das desigualdades econômicas e sociais que potencializam os casos da doença no Brasil e no mundo! Ele já teria organizado muitas marchas conosco, afinal somos educadores, precisamos mostrar a nossa indignação e lutar pela transformação da realidade social que insiste em oprimir o nosso povo!
6Há mais de um ano o mundo inteiro foi surpreendido por uma pandemia causada por um vírus altamente contagioso, chamado Novo Coronavírus. Ao infectar o ser humano, o vírus causa uma doença denominada Covid-19 que ataca os pulmões e pode levar à morte. O primeiro caso surgiu na China e, rapidamente, espalhou-se pelo mundo todo. A humanidade foi sacudida! Muitos cientistas e universidades entraram numa corrida pela descoberta de vacinas que pudessem combater o vírus, cujas consequências ainda eram desconhecidas, enquanto os profissionais de saúde dos diversos países tentavam definir protocolos de tratamento para combater a doença. E assim, muitos profissionais de saúde foram infectados, tentando salvar vidas e, alguns, acabaram morrendo.
7Nesse contexto pandêmico, a Organização Mundial de Saúde (OMS) orientava os líderes dos diversos países a estabelecerem políticas públicas e protocolos de segurança que envolvia desde o fechamento de fronteiras, construção de hospitais de campanha, distanciamento social, apoio financeiro à população e às instituições e testagem da população até atitudes de cuidados pessoais como o uso de máscaras de proteção, limpeza cuidadosa das mãos, uso de álcool em gel. Passamos a vivenciar uma situação de calamidade mundial, com muitas vidas perdidas em todo o mundo! Muitos países tomaram os devidos cuidados e providências para controlar os índices de transmissibilidade do vírus, enquanto o processo de testagem e desenvolvimento da vacina evoluiu para iniciar a vacinação. No Brasil, vivemos uma situação de caos. E ainda estamos vivenciando. A crise sanitária surgiu em um momento em que a sociedade brasileira sofre as consequências de uma crise política, econômica e social que colocou a democracia em risco.
8 Nesse contexto, o Governo brasileiro demorou a tomar as providências necessárias na gestão da situação da pandemia, negou-se a fechar contrato com os primeiros laboratórios, o que ocasionou um colapso nas redes públicas e privadas de saúde, visto que com o número de doentes cresceu de forma exponencial e os casos de óbitos foram alarmantes (na atualidade, no Brasil, já chegamos ao total de 461.931 óbitos, o que coloca o Brasil como o terceiro país que mais pessoas morreram em função da Covid), os hospitais, e em alguns estados do Brasil, chegaram a ocupação de 100 % dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). A situação ficou ainda mais dramática quando pessoas chegaram a falecer por falta de cilindros de oxigênio em unidades hospitalares. Estava instaurado um caos sem precedente na história da humanidade e do Brasil dada a proporcionalidade de casos de doenças e de óbitos em decorrência da Covid-19.
9Esse quadro poderia ser minimizado se a população estivesse vacinada. Nesse sentido, ficou evidente a malvadeza da política neoliberal e sua busca desenfreada pelo lucro em detrimento à vida. Fato é que os insumos necessários para evitar o contágio da doença, como álcool gel e máscaras tiveram aumento dos preços de forma abusiva. O desemprego despontou e a classe trabalhadora não teve como realizar o distanciamento social efetivo, pois precisou se lançar em transportes coletivos lotados, desprovidos das condições sanitárias, tão necessárias para evitar a contaminação. Como o senhor conhece muito bem a realidade brasileira e sofreu na pele os prejuízos causados por um governo ditatorial, estamos vivenciando nos dias atuais, uma dura realidade, sofrendo as consequências de um governo que prioriza os interesses daqueles que detêm o poder econômico, atendendo aos ideais de uma política neoliberal, em detrimento dos interesses da população mais necessitada. Nesse contexto em que o Brasil enfrenta a situação da pandemia, a situação foi agravada por uma grande crise política, econômica e social.
10Dessa forma, temos presenciado o descaso com a saúde da população brasileira, o desemprego, o aumento do número de pessoas pobres morando nas ruas, passando fome e a elevação dos índices de pobreza no país.
11Após termos vivenciado, no Brasil, no período de 2003 à 2016, quatro mandatos de Governos de corrente progressista - sendo dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dois mandatos da Presidenta Dilma Roussef -, que vinham implementando políticas públicas voltadas para o desenvolvimento econômico da população, incluindo políticas de cunho social que atendessem às necessidades da população mais carente e em situação de vulnerabilidade, a Presidenta foi afastada do Governo por um processo de impeachment no segundo ano do seu segundo mandato, assumindo o cargo o seu vice-presidente, Michel Temer. Desde então, assistimos a um verdadeiro desmonte da educação pública e dos serviços públicos e a aprovação de leis que visam o congelamento de investimentos em serviços públicos e reformas trabalhista e administrativa objetivando o ataque aos direitos trabalhistas dos servidores públicos. É preciso que o povo brasileiro reaja, mostre a sua indignação e cobre ações de um (des) governo! Precisamos organizar as marchas, como o senhor nos ensinou, a exemplo da manifestação popular que ocorreu no último dia 29 de maio de 2021 com a convicção de que “quando o povo vai às ruas em plena pandemia, é porque o seu governo é mais perigoso que o vírus”.
Referências
Bibliographie
Freire, P. (1984). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Edit: Paz e Terra.
Freire, P. (1997). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática docente. Rio de Janeiro. Edit: Paz e Terra. (Coleção Leitura).
Freire, P. (2015). Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 24 ed. São Paulo. Edit: Olho D’agua.
Auteur
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RN Brasil

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