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100 Cartas para Paulo Freire de quienes pretendemos Enseñar

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Francisco Gárate Vergara

1. Experiencias y transformación

Inéditos viáveis

Liana Borges

Texto completo

1Querido educador e companheiro Paulo Freire, me permita esta intimidade, pois o momento no Brasil é duro demais e a amorosidade expressa em palavras de afeto se apresenta como uma de nossas saídas. E, assim tu nos ensinaste: “Não creio na amorosidade entre homens e mulheres, entre os seres humanos, se não nos tornarmos capazes de amar o mundo” (Freire, 2000, p. 66).

2Inicialmente, me apresento. Meu lugar ético de fala contextualiza o que vou te escrever-contar: Sou porto-alegrense, com 60 anos, professora aposentada da Educação Básica, chão da escola pública desde 1980 – lá se vão 41 anos, uma vida! Uma história individual, mas sobretudo coletiva, entrecortada pelas militâncias em defesa da educação pública, sindical e partidária – sou filiada ao PT desde 1985, afinal, a nossa geração saiu do muro e eu optei pelas causas das pessoas oprimidas. Claro, nos primeiros anos de maneira empírica e com uma boa dose de ingenuidade política.

3A maturidade vem com o tempo e a transição para uma consciência crítica, que é inconclusa e infinita (ainda bem!), se aprofundou e segue na trilha da busca de permanente indignação e de entendimento da realidade, pois o tempo presente se reveste de absoluta complexidade, tempos de pandemia e de pandemônio.

4Então, Paulo Freire, demarco o começo desta caminhada por volta do ano de 1978, quando eu fazia o curso de Magistério, em uma escola privada, relativamente progressista (algumas irmãs se alinhavam, secretamente, à Teologia da Libertação), quando a professora de Filosofia, não sei como, pois ela manteve segredo, apresentou a mim e a uma colega, a Pedagogia do Oprimido, e assim tive meu primeiro contato contigo.

5Não chegamos a pegar/tocar o livro, nem lemos na íntegra, porque ela tinha medo (não sabíamos a real razão, mas imaginávamos), porém, lia trechos e debatíamos. Concomitante a esta breve experiência, participei como coadjuvante de um grupo de alfabetização de mulheres em uma comunidade periférica da capital e foi nesta ocasião que passei a conhecer o Método de Alfabetização Paulo Freire.

6 Passaram muitos anos, em torno de uma década, quando em 1989 assumi a coordenação da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na primeira Administração Popular de Porto Alegre. Uma oportunidade ímpar e desafiadora, atravessada pela sua gestão em São Paulo, na Secretaria de Educação.

  • 9 CEDI - Centro Ecumênico de Documentação e Informação. São Paulo.

7Nossas cidades e outras nove foram reunidas pelo CEDI9 (Hoje, Ação Educativa) e ao longo dos anos 1989/1990 escrevemos, sob tua inspiração, os subsídios para elaboração de políticas municipais – Fórum de políticas municipais de Educação de Jovens e Adultos. Uma publicação que recolocou a EJA na perspectiva da Educação Popular nas agendas dos governos nas três esferas de poder, lugar de onde nunca deveria ter saído. Considero, inclusive, que sua ação como secretário municipal de educação de São Paulo (1989/1991) representa um corte paradigmático tanto na história da educação pública brasileira, quanto no percurso da Educação Popular, pois ficou evidenciado que a educação libertadora também pode ser uma referência na práxis da chamada educação básica formal – na Gestão Democrática, no Projeto Político-pedagógico, no Currículo, na Formação Continuada, por exemplo.

  • 10 MEB: Movimento de Educação de Base; Mobral: Movimento Brasileiro de Alfabetização; MOVA: Movimento (...)

8Abrindo um parêntese, te conto que para minha tese de doutorado sobre o MEB, Mobral e MOVA10, entrevistei o ex-presidente do Mobral – Arlindo Corrêa Lopes, e ele disse, tranquilamente, o que tu sabes (e sentiu na pele), o que nós também já sabíamos: Os governos militares criaram e mantiveram o MOBRAL em todo o período da ditadura militar com o objetivo central de te silenciar e de distorcer o Método de Alfabetização na medida em que a ideia da Palavra Geradora foi massificada nas cartilhas daquele Movimento. Lembro bem da cena e do que senti. Eu estava sentada à frente de Arlindo, entre nós havia uma mesa grande, e sobre ela inúmeras publicações do MOBRAL – lindas, aliás! Em mim doeu fundo ouvir a voz do ex-presidente entrando nos meus ouvidos e no coração freiriano.

9Fechando o parêntese, avanço mais alguns anos – agora estamos em 1995, portanto, são sete que estou à frente da EJA de Porto Alegre. Chegou, finalmente, o momento de te conhecer de perto (Certa vez participaste de um momento de formação junto ao CEDI, mas eu não me aproximei de ti). Preparamos a EJA, professoras, professores e estudantes, para te receber. Estudamos, no coletivo de cada escola, sua vida e obra, sendo que adquirimos uma quantidade significativa do livro “A importância do ato de ler”.

10No dia 01/12/1995, no Ginásio Tesourinha, foram ao teu encontro mais de 3 mil pessoas. De minha parte, um nervosismo só. Emoção no ar. Cartazes, faixas, bandeiras e depoimentos de educandas e educandos te acolheram. Era uma noite de muito calor. Tudo indicava a chegada de um temporal. A plateia te escutava silenciosa e atentamente e, depois que tinhas falado por 45 minutos, tu me avisaste que estavas cansado e que chegara a hora de encerrar. Previ a reação de todas e de todos, mas combinamos previamente que seu pedido seria a insígnia de término, mas, felizmente, para minha salvação, uma chuva de granizo despencou e o barulho estridente no telhado de zinco colocou o ponto final àquela noite.

11Daquela experiência, por fim, quero registrar que ali não terminou nada, mas começou um novo tempo de compromissos com teu pensamento e com a Educação Libertadora, tenho certeza, na minha vida e na de todas e todos que ali estiveram presentes. Um divisor de águas – literalmente! Há vinte anos minha opção pelas tuas ideias e pela Educação Popular eram ingênuas e empíricas, agora não mais. Outros 20 anos se passaram e junto com eles vivenciei novas experiências locais (MOVA-POA, a EJA e o MOVA-RS no Rio Grande do Sul, entre outras) e nacionais, pois Lula foi presidente do Brasil de 01/01/2003 a 31/12/2011 e elegeu sua sucessora, Dilma Rousseff, que sofreu um injusto impeachment no segundo mandato, em 31/08/2016.

12Paulo Freire, são tantas histórias lindas, avanços revolucionários em muitas áreas, em especial nas políticas sociais, mas como aqui não teremos tempo de detalhá-las, prometo que na próxima carta tratarei deste período recente do Brasil.

13Imersos nas contradições e nas maldades do neoliberalismo, não fizemos tudo o que era possível e necessário, contudo, as oposições se armaram contra nós, pois não suportaram conviver com a superação da pobreza extrema, com o ingresso dos jovens das classes populares nas universidades, com a regulamentação do trabalho das “domésticas” e o acesso da nova classe média nos voos que levam ao litoral do nordeste! E etc.

14A atual gestão federal se caracteriza pela implementação da necropolítica – mata a Amazônia, a juventude negra e periférica, as mulheres, arma as milícias, vende o país, e por aí vai. Nega a ciência, se apresenta como terraplanista e trata a maior pandemia que o planeta já experimentou – a COVID-19 –, com total desprezo, descaso e deboche. Hoje, 19/05/2020, somam 441.864 mortes pelo vírus invisível, que já tem vacina, porém, os bolsonaristas não agiram/agem, por opção. Ultrapassamos 15 milhões de pessoas infectadas e não há uma luz no fim deste túnel.

15Claro, neste contexto nefasto, os ataques à Educação Pública vêm com tudo: expurgar Paulo Freire das práticas escolares, implementar as escolas cívico-militares, a Educação Domiciliar e, aproveitando a pandemia, apresentam como justificativa para retirar, mais um pouco, o Estado da manutenção da Educação Básica e Superior, em favor do Ensino Remoto.

16Não terminarei esta carta com este tom de desesperança, apesar dos fortes e concretos sinais que ela vem dando, mas com seu revés, já que a esperança é, como dizes, uma necessidade ontológica presente nos seres humanos, desmobilizadora do fatalismo e da tristeza. Afinal, estamos a poucos meses do seu centenário de nascimento, e isso já é razão suficiente para resistirmos e lutarmos. Para reesperançarmos cotidianamente.

17No contexto do teu centenário, de norte a sul do Brasil, nos demais países da América Latina, e nos outros continentes, testemunhamos um sem-número de homenagens sob a forma de encontros virtuais de estudo (Desde março do ano passado, presencialmente não). São centenas de milhares de freirianas e freirianos rompendo fronteiras geográficas e culturais para atualizar e recriar seu legado, pois dialoga, com total precisão, com o contexto do país.

18Assim, acreditando na utopia de que um outro mundo é possível, tal como defendes, “e de uma sociedade menos perversa, não preciso repetir, desafinadamente, discursos que já não coincidem com o tempo de hoje, nem tampouco aderir ao discurso neoliberal” (1995). Portanto, quero finalizar esta carta te contando sobre a Rede Nacional Café com Paulo Freire.

19Em julho de 2018, a madrugada estava congelante, mas uma conversa no celular entre duas amigas (eu e Ana Felícia) esquentou tanto que daquele momento nasceu um sonho: O Café com Paulo Freire – um lugar para reinventar o pensamento de Paulo Freire, como por ele recomendado, com os pés e o coração fincados na realidade. Não sabíamos ao certo como construir e muito menos onde pararia aquela ideia – generosa e ousada em função do cenário de 2018, mas decidimos chamar algumas amigas e amigos que dedicam suas existências à defesa da educação pública e popular, e ao estudo e à vivência do teu pensamento.

20Fizemos os convites e em agosto daquele ano, na minha residência, no Centro Histórico de Porto Alegre, nasceu o 1º Café. “Eu também quero fazer um Café aqui na minha casa, na minha cidade”, foi o clamor que passamos a escutar, por isso, desde então, são trinta cafés espraiados pelo país, em todos os cantos.

21O Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe – CEAAL, entidade que contou contigo como primeiro presidente, da qual a Rede Café com Paulo Freire é filiada, tem sido um importante elo nesta corrente que prepara o dia 19/09, sendo que são três os objetivos, que, de alguma forma, expressam como desejamos te presentear: a) comemorar o aniversário pela beleza da vida, da obra e pelo legado que nos deixou; b) refletir e, sobretudo, recriar e atualizar seu pensamento, pedido que ele fez ao longo de sua vida (Ele dizia: não me repitam, me recriem); c) mobilizar, pois não é suficiente comemorar e recriar sua epistemologia, pois o legado de Freire tem sentido se for colocado à disposição da mudança, da superação das situações-limites.

22Não há perspectiva que esta imensa mobilização cesse, ao contrário, já que a pertinência da Pedagogia Libertadora vem se apresentando como fonte de práxis capaz de promover a construção de inéditos-viáveis compatíveis com os desafios que estão postos – incontáveis, complexos e, acima de tudo, humanitários.

23Trata-se, em síntese, de escolhermos a Biofilia como paradigma de vida e como modelo de desenvolvimento do Brasil e assim percebo Paulo Freire: Potência ética, política e pedagógica para transformação.

Referencias

Bibliografía

Borges, L. (2009). A alfabetização de jovens e adultos como movimento: Um recorte na genealogia do MOVA. [Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica do. Rio Grande do Sul. Faculdade de Educação, PUCRS].

Freire, P. (1980). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Freire, P. (1995). À Sombra desta mangueira. São Paulo: Olho d’água.

Freire, P. (1996). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Freire, P. (2000). Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP.

Notas

9 CEDI - Centro Ecumênico de Documentação e Informação. São Paulo.

10 MEB: Movimento de Educação de Base; Mobral: Movimento Brasileiro de Alfabetização; MOVA: Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos.

Autor

Rede Nacional Café com Paulo Freire Brasil

CC-BY-4.0

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